O número de candidatos às escolas das regiões de Lisboa, Alentejo e Algarve onde há falta de professores é mais do dobro das vagas abertas, revelou esta sexta-feira o ministro da Educação. No total, em todo o país as escolas têm agora mais 3.344 professores, mas ainda há cerca de 23 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano. O ponto de situação foi feito no Parlamento, num debate que ficou marcado pela revisão da disciplina de Cidadania, tendo o ministro da Educação frisado que “não há intenção de retirar a disciplina do currículo” nem de lhe atribuir um caráter opcional.

“Com estas medidas e o concurso extraordinário estamos a resolver o problema” da falta de professores, defendeu o ministro da Educação durante o debate sobre política setorial que decorreu no Parlamento. Fernando Alexandre referia-se ao plano de 15 medidas anunciado no verão (que prevê reduzir até ao natal o número de alunos sem aulas) às quais se juntam outras duas iniciativas: um concurso de vinculação extraordinário e o apoio à deslocação.

O número de candidatos [às escolas com menos docentes] mais do que duplicou em relação às vagas“, anunciou Fernando Alexandre. Segundo o ministro, concorreram mais de 5.000 docentes ao concurso extraordinário que foi aberto para preencher quase 2.500 vagas de um conjunto de escolas onde estavam identificadas como havendo reiteradamente alunos sem aulas.

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Este concurso extraordinário prevê a atribuição de um apoio à deslocação a todos os docentes que fiquem colocados a mais de 70 quilómetros de casa. Dos 2.234 docentes que pediram apoio a deslocação, mais de metade (1.033) está a uma distância superior a 300 km de casa e, como tal, irão receber a verba máxima, nomeadamente 450 euros mensais, revelou ainda o ministro, sendo a informação detalhada em comunicado enviado mais tarde pelo Ministério. Este apoio será pago durante 11 meses.

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Fazendo um ponto de situação em relação ao plano “Mais Aulas, Mais Sucesso”, o governante detalhou que neste momento há “mais 3.344 professores no sistema educativo”, em virtude das medidas aplicadas.

Entre as medidas deste plano está a possibilidade de regresso de professores aposentados. O plano do Governo previa que este ano letivo pudessem regressar às escolas cerca de 200 docentes, tendo já aceitado este desafio 79, segundo dados esta sexta-feira apresentados pelo Ministério. Estes docentes integram agora uma bolsa de contratação, ficando ao dispor dos diretores das escolas.

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Além disto, 567 professores que tinham abandonado a profissão decidiram regressar à docência este ano letivo, acrescentou depois o Ministério em comunicado. Há também “mais 7.000 alunos com aulas, graças aos professores que aceitaram prolongar o seu horário“, outra medida do plano que permite às escolas convidar os docentes dar mais algumas aulas.

No entanto, acrescentou, este é um ano letivo marcado por 54 mil alunos que em algum momento dos dois meses de aulas já decorridos tiveram falhas a pelo menos uma disciplina e neste momento ainda há cerca de 23 mil crianças e jovens com professores em falta.

Cidadania: “Não há intenção de retirar a disciplina”, diz ministro

Foi logo na sua intervenção inicial do debate que Fernando Alexandre lembrou a polémica em torno da disciplina de Cidadania, defendendo que as políticas de educação “devem ser orientadas por dados e estudos” e lembrando que a revisão curricular em curso de todas as disciplinas já estava prevista e deverá estar concluída até abril.

O tema surgiu na agenda depois de o primeiro-ministro, Luís Montenegro, ter afirmado no domingo no Congresso do PSD que o Governo pretende, na revisão desta disciplina, — que está a decorrer durante este ano letivo — “reforçar o cultivo dos valores constitucionais” e libertá-la “das amarras a projetos ideológicos ou de fação”.

Na resposta que foi dando às várias bancadas, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, defendeu que “o ruído à esquerda e à direita” significa que a posição do Governo é a da moderação. “Não há nenhuma intenção de retirar a disciplina do currículo e não há sequer — a menos que a avaliação suscite a questão — a ideia de a disciplina passar a opcional. Os temas que são cobertos nesta disciplina, incluindo a educação sexual e a identidade de género, são muito importantes. Temos que ter uma formação dos alunos que acompanhe os tempos e forme uma sociedade plural”, disse Fernando Alexandre.

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Numa fase inicial do debate, o vice-presidente da bancada do PS Miguel Costa Matos acusou o Governo de estar a construir nas escolas “um passado bafiento”. “Foi num passado bafiento que anunciaram a revisão da disciplina de cidadania. Qual a ideologia da literacia financeira, da matéria ambiental, ou será só por causa da educação sexual que há 20 anos consta dos programas? Este Governo está a construir uma escola do passado”, criticou.

Pelo Chega a deputada do Chega Manuela Tender defendeu que esta disciplina passa a ser facultativa e que dela sejam retiradas as referências ao que chamou de “ideologia de género”. O PSD, por sua vez, desvalorizou o tema. Pelo CDS-PP, o líder parlamentar Paulo Núncio saudou a posição do primeiro-ministro e defendeu que esta disciplina deve servir “para ensinar e não doutrinar as crianças”, considerando que não pode haver uma “imposição de pensamento único” nas questões de género e sexualidade.

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Já a IL lamentou que, “com todos os problemas do sistema educativo”, o primeiro-ministro tenha escolhido “anunciar ao país que o grande problema da educação em Portugal é a disciplina da Cidadania”, disse Patrícia Gilvaz.

Na mesma linha, Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, questionou “quais são as amarras ideológicas” a que Luís Montenegro se referiu. Filipa Pinto, do Livre, considerou que “a palavra sexualidade parece deixar a extrema-direita muito nervosa”, e questionou como irá ser feita a avaliação desta disciplina, já que não tem testes nem exames. Já a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, acusou o PSD de ir a reboque da agenda do CDS-PP e do Chega.

O debate teve várias interpelações cruzadas, com o vice-presidente da mesa em exercício, o socialista Marcos Perestrello, a ter de apelar à calma das várias bancadas. Apenas o PCP, pela líder parlamentar Paula Santos, optou por não abordar o tema, questionando o ministro da Educação sobre temas como a precariedade na investigação científica, as propinas ou o alojamento estudantil, matérias também referidas pela maioria das bancadas.