O ecólogo do Observatório Oceânico da Madeira João Monteiro defendeu esta terça-feira que a eventual redução da área marinha com proteção integral das Ilhas Selvagens seria um “golpe duro” na reputação do país e da região.

“A desclassificação da área marinha protegida e diminuição da proteção seria um golpe duro na reputação de Portugal e da nação, bem como da região. Numa altura em que todos os países centralizam-se no melhoramento das condições do meio ambiente, e até temos leis que nos obrigam a tal, nós vamos fazer um retrocesso e voltar atrás”, afirmou João Monteiro.

O representante do Observatório Oceânico falava na comissão especializada permanente de Ambiente, Clima e Recursos Naturais da Assembleia Legislativa da Madeira, numa audição requerida pelo JPP para esclarecer questões relacionadas com um projeto de decreto legislativo do Chega para alterar o regime de proteção de parte da área marinha da Reserva Natural das Ilhas Selvagens.

O partido propõe que a zona de proteção integral da Reserva Natural das Ilhas Selvagens passe de 12 para duas milhas náuticas, permitindo a abertura da restante área, que fica sob proteção parcial, à captura de tunídeos, “praticada tradicionalmente por embarcações que utilizam o salto e vara”.

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Em março de 2022, a reserva foi ampliada de 92 para 2.677 quilómetros quadrados, numa área de 12 milhas náuticas em redor das ilhas, na qual é proibida a pesca e qualquer outra atividade extrativa, passando a ser a maior área marinha com proteção integral do Atlântico Norte.

O ecólogo do Observatório Oceânico realçou esta terça-feira que “faltam 64 quilómetros quadrados de proteção total para a Madeira cumprir com as suas obrigações internacionais, nacionais e da região” de ter 30% de áreas marinhas protegidas até 2030, alertando que, se a redução proposta do Chega for aprovada, a área com proteção integral passará para 176 quilómetros quadrados.

João Monteiro considerou que “o que devia estar a ser discutido” são medidas de conservação a médio e longo prazo e de que forma é que os pescadores poderão ser compensados, ainda que o impacto da reserva na pesca seja reduzido.

“A atual área de proteção contribui para o compromisso da região autónoma, protege uma zona remota, com pouca utilização histórica, ou seja, o impacto de proteger é residual, e abrange habitats até ao mar profundo”, sublinhou.

Além disso, acrescentou, “há evidências cientificas dos benefícios deste tipo de áreas marinhas protegidas, incluindo para os atuns”, que “passam nestes sítios para se alimentarem”.

“Se nós estivermos à espera deles lá vamos diminuir drasticamente a população de atuns e os efeitos são nefastos”, apontou o investigador.

Por seu turno, Rui Caldeira, também em representação do observatório, salientou que a reserva das Selvagens “abrange habitats costeiros e oceânicos e cria refúgio para diversas espécies costeiras, mas também para espécies pelágicas e migradoras como os cetáceos, tartarugas, atuns e similares”.

A comissão está a ouvir especialistas sobre o diploma do Chega, tendo já realizado audições a responsáveis da associação ambientalista Quercus, que se manifestaram contra, assim como à Ordem dos Biólogos da Madeira, que disse não ver “vantagem” na alteração.

Uma proposta do Chega já foi discutida na anterior legislatura, tendo sido rejeitada em janeiro, com os votos contra de PSD, CDS-PP e PAN, a abstenção de PS, PCP e BE, e o voto a favor de Chega, JPP e IL.

Em 08 de julho, depois das eleições legislativas regionais antecipadas realizadas em maio, nas quais o PSD não conseguiu maioria absoluta, o Chega indicou que a abertura das Ilhas Selvagens à pesca do atum iria ser assumida pelo Governo Regional (PSD).

Dois dias depois, o presidente do Governo da Madeira, Miguel Albuquerque, referiu que estava a ser elaborado um estudo científico para aferir se a captura de atum e gaiado nas Ilhas Selvagens colocava em causa o estatuto de proteção integral.

Entretanto, em 11 de julho, a Secretaria de Agricultura, Pescas e Ambiente, Rafaela Fernandes, revelou que autorizou a captura de peixe gaiado na reserva natural das Ilhas Selvagens para efeitos de investigação, até dezembro, sendo que uma parte também poderá ser comercializada.

As Selvagens, um subarquipélago da Madeira localizado a cerca de 300 quilómetros a sul do Funchal, constituem o território mais a sul de Portugal, tendo sido classificadas como reserva natural em 1971.