A cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP 29) chegou finalmente a um acordo sobre o objetivo global de financiamento da ação climática após longas negociações que se estenderam mais de 24 horas para lá do prazo definido para a cimeira.

O acordo, que foi aprovado em Baku quando já passava das 3h da manhã locais, prevê que se atinja, até 2035, uma meta de financiamento anual de pelo menos 300 mil milhões de dólares para os países em desenvolvimento — oriundos, essencialmente, dos países mais desenvolvidos.

Trata-se de um valor que aumenta o objetivo atualmente em vigor desde o Acordo de Paris (100 mil milhões anuais), mas muito longe do valor de 1,3 biliões assumido como objetivo ideal, exigido pelas nações menos desenvolvidas — e que o acordo prevê que tenha de ser atingido com recurso também ao investimento privado e a outras fontes.

Porém, o acordo foi alcançado sem que houvesse um verdadeiro consenso entre os países, divididos por grande controvérsia sobre os valores — com vários países a pedirem a palavra para se posicionarem contra o documento.

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Acordo “pouco ambicioso e insuficiente”

“O principal tema em discussão nesta conferência foi infelizmente aprovado quebrando a regra de consenso que se exige nas negociações, dado que vários países só se puderam manifestar contra o conteúdo do documento relativo ao financiamento climático posteriormente à viabilização do mesmo pelo Presidente da COP, acentuando uma forma de tomada de decisões que não é desejável numa conferência desta natureza”, disse a associação ambientalista Zero num comunicado enviado às redações após ser conhecido o acordo. “Conseguir um Acordo é relevante, mas quebrar princípios é indesejável.”

O valor alcançado é “pouco ambicioso e insuficiente, face às necessidades reais dos países em desenvolvimento”, diz ainda a Zero.

“A proposta apresentada espera que todos os países contribuam para se conseguir atingir o teto de, pelo menos, 1,3 biliões de dólares por ano, enquanto o financiamento público fica apenas pelos 300 mil milhões de dólares, por ano, até 2035 – muito abaixo das responsabilidades históricas associadas às suas emissões”, destaca.

“As outras questões cruciais relacionadas com o financiamento prendem-se com a sua estrutura e a base de doadores. O resultado foi determinado pelos países do Norte Global que defendem que uma grande parte de qualquer financiamento prometido terá de vir de subvenções, do sector privado, bancos multilaterais de desenvolvimento, ou outras estruturas financeiras alternativas”, diz ainda a Zero.

A associação ambientalista portuguesa (que esteve representada na COP 29) pelo seu presidente, Francisco Ferreira, lamenta que esta tenha sido uma cimeira fortemente influenciada pelos “interesses dos combustíveis fósseis”, e exige ainda que Portugal aumente exponencialmente os 9 milhões de euros que se comprometeu a mobilizar.

Durante as últimas horas, chegou a especular-se que a COP 29 poderia terminar em acordo. Este sábado, os representantes de dezenas de ilhas e países africanos, como Moçambique, saíram em protesto das negociações, que continuavam num impasse no tema central da cimeira: a definição de um valor anual global para o financiamento climático, sobretudo com origem nos países mais desenvolvidos e destinado aos países mais pobres.

Como a Sky News conta, um grupo de países pouco desenvolvidos e ilhas que correm riscos redobrados graças às alterações climáticas defenderam que uma parte do fundo para combater o impacto destas alterações devia ser-lhes especificamente destinado. A ideia seria que estes países e ilhas pudessem assim ter melhores condições para enfrentar problemas como cheias e secas graves.

COP 29. Negociações num impasse sobre financiamento climático em cimeira que já não funciona

A Sky cita o ministro dos Recursos Naturais e Ambiente de Samoa, Toeolesulusulu Cedric Schuster, um dos representantes que abandonaram as negociações: “Viemos para um acordo justo e sentimos que não estamos a ser ouvidos”.

Esta manhã, mais de 300 organizações não governamentais já tinham apelado aos países em desenvolvimento e à China para abandonarem a conferência do clima no Azerbaijão se os países ricos não aumentassem a proposta de compromisso financeiro.

Fosso entre países ricos e pobres impediu consenso

Este sábado foi já um dia de prolongamento nas negociações da COP29, que deveria ter terminado na sexta-feira. Os países representados prolongaram a cimeira para tentar chegar a um acordo, até ver sem sucesso.

A partir de Baku, o professor universitário Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero (uma das muitas associações da sociedade civil presentes na cimeira), explicava à Rádio Observador que a situação de impasse se centrava justamente no objetivo financeiro que deveria ser o principal resultado desta cimeira.

As dificuldades em cumprir as metas para o financiamento climático — na prática, o dinheiro que é mobilizado todos os anos para o combate às alterações climáticas no planeta, e que deve ter origem principalmente nos países desenvolvidos (mais ricos e mais poluidores) e ser destinado principalmente aos países mais pobres (que sofrem mais com o aquecimento global) — já vêm desde o Acordo de Paris, que fixou uma meta de 100 mil milhões de dólares por ano entre 2020 e 2025. A meta só seria alcançada em 2022 — e agora há a expectativa de subir essa ambição.

A partir dos países menos desenvolvidos vem a exigência em linha com as necessidades identificadas: 1,3 biliões de dólares por ano até 2035. A partir dos mais desenvolvidos, porém, o compromisso não parecia ir além dos 250 mil milhões (ou, numa cedência conhecida este sábado, 300 mil milhões) até 2035.

COP29. “Há um fosso muito grande nas negociações”

“Há um texto oficial de ontem, que aponta para 250 mil milhões de dólares de financiamento público a ser assegurado até 2035, ou seja, atingindo este valor em 2035”, diz Francisco Ferreira. “Há um objetivo global de se atingir 1,3 biliões de dólares em 2035, mas aí no total de financiamento e investimento, portanto muito à custa de valores vindos do setor privado.”

“Progredir até 250 mil milhões ao longo de dez anos é considerada uma progressão muito lenta, porque também há uma erosão associada à inflação”, comenta o ambientalista. “Por outro lado, não há prioridades claras e estabelecidas para a distribuição do dinheiro a ser angariado.”

De acordo com Francisco Ferreira, “há um grande fosso entre os países desenvolvidos, em particular os EUA e a UE, e os países menos desenvolvidos, que ainda há pouco, numa sessão de negociação, resolveram abandonar a sala, dizendo que não têm as condições mínimas, do ponto de vista da verba que está em jogo e da prioridade que merecem para continuar neste processo”.

Este sábado, que ficou marcado também pela notícia de que a delegação da Arábia Saudita terá unilateralmente alterado um documento de trabalho sem o conhecimento das outras delegações, as negociações arrastaram-se novamente pela noite dentro. Chegou a estar, também, em cima da mesa a possibilidade de a COP 29 terminar sem um acordo em Baku, adiando para uma COP 29-bis (a realizar no verão do próximo ano, antes das negociações intermédias habituais) a definição de um acordo.

Acordo sobre comércio de emissões de carbono e mercado global regulado

Já ao final do dia deste sábado, os países representados na COP29 chegaram a acordo sobre o comércio de emissões de carbono e criação de um mercado global regulado para cumprir o Acordo de Paris, anunciou a presidência da cimeira.

“Esta foi uma das principais prioridades para este ano da atual presidência, que impulsionou as partes para este acordo, através de intensas negociações técnicas e políticas. Esta estratégia rompeu com anos de estagnação e põe fim ao último ponto (o artigo 6.º) pendente do Acordo de Paris”, refere a organização num comunicado.

O acordo tinha dado os primeiros passos positivos quando, na primeira semana da Cimeira de Baku, se chegou a um primeiro consenso para construir um mercado centralizado do carbono no âmbito das Nações Unidas.

O artigo 6.º do Acordo de Paris apela aos países para que cooperem para reduzir as suas emissões de carbono, estabelecendo que um país pode transferir para outro os créditos de carbono que ganhou reduzindo as suas emissões.

Isto significa que os países que libertam pouco dióxido de carbono (C02) podem vender licenças de emissão a quem mais gera, sob a gestão das Nações Unidas, com garantias e registo.

Para a presidência da COP, que hoje viveu um dia contra o relógio, onde não faltaram críticas pela forma como as negociações foram conduzidas, o acordo alcançado prevê “mercados de carbono fiáveis e transparentes” para os países que colaboram para atingir os seus objetivos climáticos.

A presidência azeri da conferência considerou que a criação do mercado de carbono da ONU pode desbloquear fluxos de investimento de 250.000 milhões de dólares por ano, o que poderia tornar mais fácil os países cumprirem as suas respetivas contribuições climáticas nacionais, que terão de ser mais ambiciosas em conformidade com os acordos climáticos.

O acordo alcançado suscitou uma onda de reações por ser uma das partes mais controversas da política ambiental.

Por exemplo, para a organização Greenpeace, os mecanismos acordados no mercado de carbono “são uma farsa”, ao permitir que a indústria fóssil compense novas emissões.

Por sua vez, Kelly Stone, analista senior de políticas da ActionAid USA, destacou que o acordo contorna o financiamento climático em favor do “greenwashing”, afirmando que “os mercados de carbono que permitem a compensação — que são essencialmente licenças para continuar a poluir — não são ação climática”.

As negociações na conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas, a chamada COP29, foram prolongadas para hoje, depois de os países em desenvolvimento terem rejeitado uma primeira proposta dos países ricos para novo compromisso financeiro.