O PCP ficou isolado há 49 anos na sessão da Assembleia Constituinte que fez o balanço das “horas dramáticas” do 25 de Novembro de 1975 e recusou ter sido o responsável pela “insurreição” nas Forças Armadas.
No rescaldo do 25 de Novembro de 1975, o balanço dos acontecimentos foi protagonizado pelos deputados Mota Pinto e Augusto Seabra, do PPD, Sottomayor Cardia, do PS, Freitas do Amaral, do CDS, e Carlos Brito e Vital Moreira, do PCP — que tinham vivido semanas antes um “cerco” à Constituinte por trabalhadores da construção civil que se manifestavam.
Com exceção do MDP/CDE, todos apontaram o dedo ao PCP, com acusações, interrupções, apartes, protestos e até risos, uma “hilaridade na câmara” que Carlos Brito afirmou não compreender, segundo a ata da sessão de 02 de dezembro de 1975.
Na próxima segunda-feira, pela primeira vez, a Assembleia da República vai realizar uma sessão solene para evocar o 25 de Novembro de 1975, uma cerimónia que não contará com a presença do PCP e que terá honras militares pelas Forças Armadas, decorrendo em moldes semelhantes à sessão que assinala todos os anos a revolução de 25 de Abril de 1974.
Naquele dia 2 de dezembro de 1975, a inquietação estava espelhada na abertura da sessão. O presidente da Assembleia, Queiroz de Barros, regozijou-se por a Constituinte e as outras autoridades legítimas ainda “continuarem em funções” e pediu pressa aos deputados na aprovação da Lei Fundamental para colocar o país “no império da legalidade”.
Alvo de acusações à esquerda e à direita, o PCP recusou desde o início a autoria de qualquer conspiração para tentar um golpe militar e disse ver nas movimentações militares de esquerda não uma “insurreição” mas uma “convergência, por motivos diversos e com objetivos diversos, de atos de sublevação”.
O PS, pelo deputado Sottomayor Cardia, considerou que tinha acabado o “país mítico do esquerdismo alucinado” e resumiu o contexto social e político daquele ano de 1975: “Viveu-se um ano de loucura coletiva, que fará o encanto dos investigadores de psicologia social e psicopatologia política”.
No debate, foi o deputado do PPD Mota Pinto o primeiro a acusar diretamente o PCP de conspirar e de ser o responsável pela “aventura criminosa que sobressaltou o país”. O PCP deveria deixar, a partir daquele momento, de estar “ao lado de partidos autenticamente democráticos”, defendeu.
Outro deputado do PPD, José Augusto Seabra, lamentou as “horas dramáticas” vividas no país e acusou os comunistas de ambiguidade por virem defender uma “solução política” para a crise nas Forças Armadas sem no entanto “condenar a sublevação” de tropas paraquedistas que ocuparam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas.
Um movimento que o Grupo dos Nove considerou o indício de que poderia estar em preparação um golpe de Estado por setores mais radicais, da esquerda. O estado de sítio foi decretado na Região de Lisboa e militares afetos ao Grupo dos Nove, coordenados pelo hoje general Ramalho Eanes, controlaram a situação.
Freitas do Amaral, deputado do CDS-PP, pediu a palavra para acusar o PCP de “autoria moral” da “insurreição” de 25 de Novembro e disse ver no país três revoluções diferentes a concorrer pela supremacia: a democrática, a comunista e a socialista-militar.
“Para trocar uma ditadura agrária de direita por uma ditadura militar de esquerda, não valia a pena fazer o 25 de Abril”, argumentou o então líder da bancada centrista, apelando para que os militares se colocassem à margem do processo político.
À esquerda, o deputado da UDP Américo Duarte saudou “de punho erguido a luta dos paraquedistas”. No entanto, apontou o dedo aos “traidores de Cunhal”, argumentando que o PCP tinha apoiado interesseiramente os paraquedistas, mas depois tinha “desaparecido por completo”, preferindo ir negociar lugares no governo “em vez de mobilizar o povo contra o avanço do fascismo”.
Coube a Carlos Brito rejeitar quaisquer responsabilidades na “sublevação” militar. O comunista afirmou que o PCP estava a ser vítima de uma campanha de calúnias por parte “da reação e da extrema-direita” e por parte de “grupelhos provocatórios com fachada de esquerda, esquerdistas e aventureiristas”.
O deputado recusou classificar os acontecimentos como insurreição, preferindo falar de “uma convergência, por motivos diversos e com objetivos diversos, de atos de sublevação militar”.
“Nós condenamos a sua ação mas compreendemos a sua indignação. (…) Portanto, nós entendemos que a sua indignação era justificada, como já dissemos, pelo prosseguimento dos saneamentos à esquerda e todas as medidas administrativas de carácter repressivo que contra militares progressistas estavam a ser adotadas”, disse.
O comunista apelou em seguida para a unidade “sem qualquer discriminação, sem reserva por filiações partidárias, de todas aqueles, civis e militares, que estejam dispostos a tudo fazer para conter e derrotar a ameaça do fascismo, salvar as liberdades e as conquistas fundamentais da Revolução”.