O hino moçambicano voltou a ouvir-se na tarde de quinta-feira em Maputo, como no bairro de Maxaquene, onde durante todo o dia praticamente não circularam viaturas, agora com dezenas de apoiantes de Venâncio Mondlane a entoarem-no, reclamando por justiça eleitoral.

“Ao entoarmos o hino nacional estamos a repudiar, para que a verdade seja respeitada, e nós não vamos parar até que reponham a verdade, porque o povo escolheu, o povo votou. Então o povo deve ser respeitado”, diz Arminda Ambrósio, 26 anos, enquanto a avenida Vladimir Lenine, que cruza todo aquele bairro, se enchia de populares, cantando a uma só voz.

“Estamos muito cansados mesmo. E não vamos descansar até que a verdade seja reposta”, garante.

Pelo segundo dia consecutivo, Orlando Alberto, 25 anos, respondeu ao apelo de Venâncio Mondlane — candidato presidencial que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 9 de outubro – para que às 15 horas e meia locais (13 horas e meia em Lisboa) o hino fosse cantado nas ruas, durante três dias, até sexta-feira.

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“Queremos a verdade. Porque levaram os nossos votos, nos roubaram os votos. Queremos os nossos votos de volta, nós não vamos desistir sem os nossos votos de volta”, exige.

Com o povo de Maxaquene na rua, onde nas últimas semanas se registaram alguns dos momentos mais tensos e violentos das manifestações pós-eleitorais, com confrontos com a polícia, Emílio Maúte, 45 anos, explica o hino cantado a uma só voz, por entre barricadas montadas ao longo da via, com o processo eleitoral.

Não está a ser transparente para o povo moçambicano”, afirma, assumindo que o protesto “é para continuar”.

“Não aceitamos. Porque nós sabemos em quem votamos”, acrescenta logo de seguida, enquanto o hino, repetidamente cantado, era alternado com críticas à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975) e o apoio a Venâncio Mondlane.

Críticas reforçadas por Timóteo Vilas-Boas, que defende que o povo não reconhece “resultados fabricados no gabinete”, daí o hino entoado de novo, alegremente, pela população.

“Em memória, primeiro, dos nossos irmãos que foram assassinados por este regime que hoje estamos a tentar tirar. Um regime que não faz nada pelo país, só sabe matar, sequestrar, fazer e desfazer”, afirma, revoltado.

“Eu sei que não há revolução sem sacrifício, sem derramamento de sangue. Mesmo se houver necessidade de ser o meu sangue a derramar em prol deste país, estou aberto”, acrescenta, pedindo, logo de seguida: “Deixa o Venâncio de lado. Nós, o povo, é que estamos a cobrar o direito do nosso voto”.

Depois do hino, entoado repetidamente durante 30 minutos um pouco por toda a capital, seguiu-se, de novo, um buzinão pela cidade, com carros a circularem com cartazes exigindo a reposição da “verdade eleitoral”, enquanto muitos tentavam voltar a casa ao fim de um dia marcado por barricadas de manifestantes em Maputo pelo segundo dia consecutivo.

Pelo menos seis pessoas ficaram feridas, incluindo uma jovem atropelada por um blindado militar, durante confrontos entre manifestantes e a polícia esta quarta-feira, em protestos convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, anunciou esta quinta-feira o Hospital Central de Maputo (HCM).

O candidato presidencial Venâncio Mondlane tinha apelado na terça-feira à população moçambicana para, durante três dias, começando quarta-feira, abandonar os carros a partir das 8 horas nas ruas, com cartazes de contestação eleitoral, até regressarem do trabalho.

Venâncio Mondlane tem convocado estas manifestações, que degeneram em confrontos com a polícia e das quais resultaram cerca de 70 mortos e mais de 200 feridos, como forma de contestar a atribuição da vitória a Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), com 70,67% dos votos, segundo os resultados anunciados em 24 de outubro pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.

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