A queda do regime sírio de Bashar al-Assad, consumada após uma ofensiva relâmpago que pôs fim a meio século do clã Assad, deixou a comunidade internacional em suspenso, entre esperanças cautelosas e apelos para evitar o caos.
O colapso do regime de al-Assad aconteceu às mãos dos insurgentes liderados pela Organização de Libertação do Levante (OLL ou Hayat Tahrir al Sham ou HTS, em árabe), apoiados pela Turquia, que tomaram Damasco após 12 dias de ofensiva quase sem resistência.
“Hoje olhamos para o futuro com esperanças cautelosas de abertura […] paz, reconciliação, dignidade e inclusão para todos os sírios”, disse o enviado das Nações Unidas para a Síria, Geir Pedersen.
Donald Trump, que tomará posse como Presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro, foi um dos primeiros políticos internacionais a reagir, dizendo que Bashar al-Assad “fugiu” da Síria depois de perder o apoio da sua protetora, a Rússia.
“Assad não está mais aqui. Fugiu do seu país”, escreveu Trump na sua plataforma Truth Social.
Uma das reações mais esperadas era da Rússia, o mais forte aliado internacional do regime de sírio que manteve bases militares e chegou a apoiar a resposta de Bashar al-Assad quando os rebeldes tomaram a segunda cidade do país, Aleppo. Em comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros confirmou que o presidente deposto abandonou o país e manifestou preocupação com o evoluir da situação, avisando que a guerra civil não terminou.
“A situação na Síria é complexa [com o fim do regime do Presidente Bashar al-Assad], mas a Rússia defende os seus interesses de forma consistente, e em particular no que diz respeito às suas bases militares”, disse o presidente do Comité de Defesa da Duma (Câmara dos Deputados), Andrei Kartapolov, à agência russa Interfax.
Embora a Rússia e o Irão tenham sido os apoiantes mais próximos da Síria nos últimos anos, os laços de Damasco com a China fortaleceram-se. A China é um dos poucos países fora do Médio Oriente que al-Assad visitou desde o início da guerra civil na Síria, em 2011, com o presidente chinês, Xi Jinping, a anunciar uma “parceria estratégica” com o seu homólogo sírio.
A China “acompanha de perto a evolução da situação na Síria e espera que o país Síria regresse à estabilidade o mais rapidamente possível”, escreveu o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês num comunicado.
O presidente do Conselho Europeu, António Costa, destacou o “enorme sofrimento” do povo sírio e diz que esta é “uma nova oportunidade para a liberdade e para a paz”, o que também será “crucial para a estabilidade na região”.
Assad’s dictatorship caused immense suffering.
With its end, emerges a new opportunity for freedom and peace for all the Syrian people. This is also crucial for the broader stability of the region.
The EU stands ready to work with the Syrian people for a better future.#Syria https://t.co/KcXetEdLrl
— António Costa (@eucopresident) December 8, 2024
Mais eloquente, o Presidente francês anunciou: “Finalmente, o regime bárbaro [de Assad] caiu“, afirmou nas primeiras declarações. Através da rede social X, Macron deixou uma “homenagem” ao povo sírio, “à sua coragem” e à sua “paciência”. “Neste momento de indefinição, remeto-lhes os meus votos de paz, liberdade e união”.
Para chanceler alemão, Assad reprimiu brutalmente o seu próprio povo que “sofreu terrivelmente. Portanto, o fim do governo de Assad sobre a Síria é uma boa notícia”. Mas Olaf Scholz realça que “importa agora é que a lei e a ordem sejam rapidamente restauradas na Síria”.
O Governo português reagiu através de uma comunicação do Ministério dos Negócios Estrangeiros onde se indica que Portugal acompanha o que se passa na Síria e assinala o “fim do inominável regime de Assad deve conduzir a uma transição pacífica e inclusiva de todas as comunidades, na linha da Resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU.”
Nos Estados Unidos, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, Sean Savett, declarou que o Presidente [Joe] Biden e a sua equipa estão a acompanhar de perto “os acontecimentos extraordinários” na Síria e que estão em contacto constante com os “contactos regionais”.
Através da vice-primeira-ministra do Trabalho, Angela Rayner, Londres disse que queria “ver os civis e as infraestruturas protegidos porque demasiadas pessoas perderam as suas vidas”.
“Precisamos de estabilidade nesta região”, disse Rayner, acrescentando que se deve “encontrar uma solução política em que o governo atue no interesse do povo sírio”, ao mesmo tempo que saudava a queda do regime de al-Assad.
“Espanha fará pressão, com todos os países mais envolvidos na região (…), para que qualquer que seja a solução para o futuro da Síria, seja pacífica”, afirmou por sua vez o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel Albares, na TVE.
“Isso é o que a Espanha sempre quis para a Síria, que fosse pacificada, que beneficiasse o povo sírio, que trouxesse uma forma de nova estabilidade ao Médio Oriente”, acrescentou.
Por seu lado, a Turquia, que tem apoiado certos grupos rebeldes, insta os intervenientes internacionais e regionais a garantirem uma “transição suave” após o “colapso” do regime sírio, declarou o chefe da diplomacia turca, Hakan Fidan, no Qatar.
O alto funcionário dos Emirados Árabes Unidos Anwar Gargash pediu aos sírios que “trabalhem juntos” para evitar o “caos”, na primeira reação de um país árabe à queda de al-Assad. Gargash recusou-se a confirmar ou negar relatos de que o Presidente sírio se refugiou nos Emirados Árabes Unidos. “É, em última análise, uma nota de rodapé para a história”, disse, quando questionado sobre o paradeiro de Bashar al-Assad. “Não creio que seja importante”, acrescentou.
O reinado do partido Baath, no poder há mais de meio século, foi, para muitos sírios, um símbolo de repressão. al-Assad, no poder há 24 anos, esmagou de forma sangrenta uma revolta pacífica que eclodiu em 2011, na sequência das revoluções árabes.
O partido Baath, que defende a unidade dos países árabes, foi fundado em 17 de abril de 1947 por dois nacionalistas sírios formados em Paris, Michel Aflaq, cristão ortodoxo, e Salah Bitar, muçulmano sunita.
Em 1953, fundiu-se com o Partido Socialista Árabe, ganhando popularidade entre os intelectuais, os camponeses e as minorias religiosas, ao mesmo tempo que estabelecia filiais em vários países árabes, nomeadamente no Iraque.
Dois ramos rivais deste partido, um no Iraque e outro na Síria, estariam à frente de dois regimes autocráticos e inimigos.
Em 08 de março de 1963, o Baath tomou o poder na Síria na sequência de um golpe militar. Um segundo golpe de Estado, em 23 de fevereiro de 1966, liderado pelo general Hafez al-Assad, entre outros, destituiu a direção do partido agrupada em torno de Aflaq e Bitar, provocando uma rutura com os ‘baathistas’ no poder no Iraque.
Um terceiro golpe de Estado, em 16 de novembro de 1970, levou Hafez al-Assad à chefia do Estado.