As ruínas do sanatório Albergaria Grandella, uma construção de 1919 pensada para receber pacientes com tuberculose, mas que nunca foi concluída, foi demolida no início de novembro pelos proprietários após o aval da Câmara Municipal de Loures. A informação é confirmada ao Observador pela autarquia e por Inácio Rosário, um dos proprietários do terreno em Cabeço de Montachique, na freguesia de Lousa.
“Não havia nada a obstar que não fosse abaixo, foi tudo legal”, garante Inácio Rosário, 80, que tenta vender o terreno de cerca de três hectares que tem com um sócio “há mais de 20 anos”. “Não havia comprador por causa das dúvidas que subsistiam sobre isso”, afirma, notando o “perigo” que constituía o edificado. “No outro dia até caiu lá uma parede.” O proprietário assegura que ainda não há interessados.
A 7 de novembro, um vídeo no Instagram do videógrafo Hugo Amaro, com imagens aéreas que mostravam o terreno antes e depois da demolição das ruínas, causou revolta nas redes sociais de quem alertava para a perda de património. Cerca de 24 horas depois, a primeira notícia sobre a demolição, avançada pelo site NiT, dava conta que a autarquia tinha sido surpreendida pela demolição das ruínas, citando fonte do município. Ao Observador, o gabinete de presidência da Câmara de Loures desmente a surpresa, lembrando que “há muito tempo” que estava prevista a “aprovação da unidade de execução”.
No site da autarquia confirma-se que, após um período de discussão pública, que decorreu de 17 de janeiro a 13 de fevereiro, a Câmara Municipal de Loures deliberou, por unanimidade, a “aprovação da Unidade de Execução N.º 3 de Tocadelos e da minuta do respetivo contrato de urbanização” numa reunião ordinária a 20 de março de 2024. Inácio Rosário diz que recebeu um despacho da câmara a 18 de outubro com uma “licença de realização de obras de demolição”.
Projetada pelo arquiteto Rosendo Carvalheira, a construção do Sanatório Albergaria Grandella nunca chegou a ser finalizada e está ao abandono desde os anos 20 do século passado, segundo o descritivo do imóvel no site da antiga Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). “O Sanatório Albergaria Grandella foi idealizado como diz o nome, pelo capitalista Francisco de Almeida Grandella, cedendo o terreno urbano de dois hectares, que fora escolhido pelos Doutores Azevedo Neves e José Pontes, à benemérita Sociedade Secreta dos Makavenkos, para a construção desta infraestrutura. O início deste projeto deu-se dia 6 de Abril de 1919, com a colocação da primeira pedra. Esta iniciativa adveio da vontade de auxiliar os doentes com poucos meios financeiros, contra a luta da Tuberculose que afetava o mundo inteiro”, lê-se.
Há vários anos que a demolição do sanatório era discutida e em 2020 chegou mesmo a motivar uma petição pela conservação das ruínas. A petição, que não chegou a 200 assinaturas, evocava o valor histórico do edifício e pedia, entre outras coisas, à autarquia que adquirisse o terreno para o transformar num centro interpretativo. Também exigia a classificação das ruínas como sendo de interesse municipal. “As antigas ruínas do Sanatório Grandella representam não só a memória coletiva da população do Cabeço de Montachique, como marcam a importância histórica da zona, em determinado contexto sócio cronológico, nomeadamente no combate ao surto de tuberculose que atingia proporções epidémicas em toda Europa e Portugal na primeira década do século XX”, consta no texto que acompanhava a petição.
Um ano depois, em 2021, a DGPC emitiu um parecer desfavorável sobre o valor patrimonial das ruínas. A 12 de novembro desse ano, o diretor geral determinou o arquivamento da proposta de abertura de procedimento de classificação de âmbito nacional, como consta no site do organismo público (entretanto extinto e que deu lugar à Museus e Monumentos de Portugal e ao instituto Património Cultural). No mesmo dia, foi dado conhecimento do despacho à CM de Loures, dois meses depois das autárquicas que levaram Ricardo Leão (PS) à presidência do município anteriormente presidido por Bernardino Soares (CDU).