A doença de Parkinson foi descrita pela primeira vez há mais de duzentos anos. Em 1817, no ensaio An Essay on the Shaking Palsy, o médico inglês James Parkinson (1755-1824) descrevia alguns dos sintomas motores mais típicos desta doença: tremores, rigidez muscular, lentidão de movimentos e perda de equilíbrio.
Mas só recentemente, com os progressos das neurociências, foi possível perceber o que leva a todos estes sintomas: a morte de neurónios de uma zona do cérebro chamada substância negra do mesencéfalo. Estes neurónios são responsáveis pela produção de dopamina, o neurotransmissor que faz funcionar as estruturas cerebrais que controlam os movimentos. Sem dopamina, surgem as dificuldades.
Atualmente, esta é a segunda doença neurodegenerativa mais comum na população mundial, logo a seguir à doença de Alzheimer. A Organização Mundial de Saúde estima que afeta cerca de um ppor cento da população acima dos 65 anos. Em Portugal, segundo dados de 2017, calculam-se que existam entre 18 e 20 mil pessoas com este diagnóstico.
Apesar de ser conhecida há muito tempo, a doença ainda é incurável. No entanto, há duas formas principais de a tratar, para tentar controlar os sintomas: com vários tipos de medicamentos para aumentar os níveis ou a ação da dopamina, e quando estes não resultam ou causam demasiados efeitos secundários, a estimulação cerebral profunda (ECP), um procedimento cirúrgico em que são implantados elétrodos em áreas específicas do cérebro para enviar impulsos elétricos controlados, de forma a regular a atividade cerebral anormal e diminuir os sintomas.
A cirurgia é complexa e pode demorar oito a nove horas”, diz Luísa Lopes, investigadora do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular (GIMM). “Isso significa que muitas pessoas, seja pela idade [avançada] ou por terem outras doenças, não são elegíveis para a fazer”. Ou seja, apesar das boas taxas de eficácia no controlo de muitos dos sintomas, nem todos os pacientes têm critérios para aceder ao tratamento — que implica também, por vezes, complicações no pós-operatório, como infeções do material implantado, que obrigam a reverter todo o procedimento.
Todas estas preocupações chegaram à neurocientista através de quem lida diariamente com elas: o neurocirurgião Pedro Duarte Baptista, do Hospital de Santa Maria, que faz parte de uma equipa que opera e segue estes doentes em consulta. “Eu faço investigação pré-clínica, mas colaboramos com a equipa de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria e este projeto teve por base as dificuldades que eles sentem”, diz a investigadora.
Em conjunto, surgiu a pergunta: “E se conseguíssemos estimular o cérebro de outra maneira, de forma a aumentar a eficácia e o número de pessoas elegíveis para cirurgia?” E é precisamente isso que estão a tentar fazer usando, nesta fase inicial, modelos animais.
A ideia é usar uma ferramenta relativamente recente, as luminopsinas. Estas proteínas são introduzidas em grupos de neurónios específicos através de um vírus geneticamente modificado (inofensivo, usado como forma de transporte) e criam canais artificiais, que funcionam como portas. Neste projeto a ideia inovadora é combinar o uso das luminopsinas com molécula química, que é administrada ao paciente por via intravenosa ou oral, que, no fundo, ativa esta porta. “O canal criado pela luminopsina fica lá, inerte, depois de ser administrada a injeção. Só quando o animal ingere a substância química é que o canal ‘abre’: entram os iões e o neurónio fica ativado.”
A grande vantagem deste processo — se a equipa da investigadora conseguir provar a sua eficácia — é, desde logo, que a neurocirurgia necessária para dar a injeção viral que estabelece este canal artificial é relativamente simples e pouco demorada. “O que significa que não ficam excluídos os pacientes que não podem ser sujeitos a um procedimento cirúrgico complicado”, esclarece Luísa Lopes.
Além disso, o paciente não teria de ficar com nada implantado no corpo, como acontece agora, o que elimina também a possibilidade de infeções pós-operatórias e o que significa que, se o tratamento, por alguma razão, não resultar, não é necessário mais um procedimento para retirar material implantado. A isto, acresce que é possível que venha a permitir uma precisão muito maior dos neurónios que são estimulados.
Para testar tudo, da injeção viral ao composto químico, estão a ser usados modelos animais simples, ou seja, ratinhos. Se tudo correr bem, a equipa terá de repetir e afinar todos os testes, numa segunda fase, ainda com ratinhos e, só depois, há a possibilidade de ensaios clínicos em primatas não-humanos. Isto significa que ainda há, neste momento, muitos anos de ensaios clínicos pela frente até que esta solução, se for eficaz, chegue à prática clínica.
Mas este é apenas um dos muitos projetos que estão em curso no laboratório que Luísa Lopes dirige, no GIMM, onde estuda a neurobiologia do envelhecimento e da doença: ao longo das últimas décadas já estudou temas tão diferentes como as demências, o sono, a memória e os efeitos do stress crónico no nosso cérebro.
Quando lhe perguntam pelo percurso académico, a cientista de 49 anos costuma dizer que “é fruto da escola pública da periferia, com muito orgulho”. Depois do ensino secundário, fez a licenciatura em Bioquímica, na Faculdade de Ciências de Lisboa e o estágio final de curso, já na área da neurofisiologia, a estudar os efeitos de um recetor — a adenosina — no envelhecimento.
Nessa altura, iníciuo dos anos 2000, havia ainda pouca investigação na área das neurociências em Portugal. Por isso, fez o doutoramento entre a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o Instituto Karolinska, na Suécia. Completou o percurso académico com um pós-doutoramento na Suíça: a Nestlé procurava, pela primeira vez, contratar um neurocientista para entender melhor a interação intestino-cérebro, que era ainda muito inexplorada. Por lá ficou três anos, antes de regressar a Portugal, em 2007, começando a trabalhar no Instituto de Medicina Molecular (atual GIMM), com um projeto em que investigou a relação entre o stress crónico e a demência, usando modelos animais.
Décadas depois de ter começado a estudar o envelhecimento cognitivo — e já o tendo estudado sobre tantos aspetos diferentes — uma das coisas que mais impressionou a cientista foi perceber que não é preciso que haja perda de neurónios para haver declínio cognitivo: bastam alterações subtis no funcionamento das sinapses, as ligações entre neurónios. “Uma pequena disfunção sináptica é suficiente para causar impacto na função cognitiva, mesmo quando a estrutura cerebral parece normal.”
No seu laboratório, os estudos de envelhecimento precoce em animais revelaram que fatores como a inflamação, o stress e a disfunção circadiana podem provocar estas alterações nas sinapses, muito antes de se notar atrofia ou perda de neurónios. “São mudanças que não conseguimos medir em humanos de forma tão precoce, mas sabemos que podem ser cruciais para intervir antes que os danos sejam irreversíveis.”
É por isso que, para a investigadora, a prioridade deve ser clara: evitar estas alterações precoces. “Quando a disfunção é apenas sináptica, esta ainda é reversível. Já a perda de neurónios causa um declínio cognitivo irreversível.” E, sabendo que algumas destas alterações sinápticas estão associadas à ansiedade e ao sono — ou à falta dele, Luísa Lopes tem feito um esforço no sentido de fazer trabalho de divulgação científica nesta área, tanto junto da comunidade geral, como em particular nas empresas. “É preciso combater esta ideia falsa, mas ainda muito presente na nossa cultura, de que é bom estar sempre ativo, presente e disponível.”
Para Luísa, o equilíbrio começa em casa – ou, neste caso, no laboratório. Reconhece que a investigação acaba por moldar as escolhas diárias e a forma como trabalha em equipa. Um exemplo marcante surgiu quando começou a estudar os cronotipos, os ritmos biológicos que determinam os momentos do dia em que cada pessoa está mais desperta e produtiva. “Eu sou muito matutina. Ter uma reunião às oito da manhã não me custa nada, mas nem toda a gente funciona assim.”
No seu laboratório, que tem habitualmente cerca de dez pessoas, foram estudados os cronotipos individuais de todos os elementos e o horário das reuniões de equipa foi ajustado para um período alinhado com o pico de produtividade de todos: 10h00. “São pormenores pequenos que fazem toda a diferença. As pessoas cansam-se mais quando estão a trabalhar em contraciclo, o trabalho rende menos e, a longo prazo, isso pode ter um impacto na saúde, nomeadamente na saúde mental.”
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto liderado por Luísa Lopes, do GIMM, foi um dos seis selecionados para financiamento (a investigadora recebeu cinquenta mil euros) pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2023 do CaixaImpulse Inovação em Saúde, um programa que promove a transformação do conhecimento científico criado em centros de investigação, universidades e hospitais em empresas e produtos que geram valor para a sociedade. As candidaturas para a edição de 2025 estão agora abertas.