915kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Doença de Parkinson. A nova investigação antes da nova cirurgia

No Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular, a neurocientista Luísa Lopes está a desenvolver um projeto para uma nova abordagem cirúrgica no tratamento da doença de Parkinson.

Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Luísa Lopes concluiu o doutoramento em neurociências entre a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o Instituto Karolinska, na Suécia
i

Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Luísa Lopes concluiu o doutoramento em neurociências entre a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o Instituto Karolinska, na Suécia

Goncalo Villaverde

Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Luísa Lopes concluiu o doutoramento em neurociências entre a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o Instituto Karolinska, na Suécia

Goncalo Villaverde

A doença de Parkinson foi descrita pela primeira vez há mais de duzentos anos. Em 1817, no ensaio An Essay on the Shaking Palsy, o médico inglês James Parkinson (1755-1824) descrevia alguns dos sintomas motores mais típicos desta doença: tremores, rigidez muscular, lentidão de movimentos e perda de equilíbrio.

Mas só recentemente, com os progressos das neurociências, foi possível perceber o que leva a todos estes sintomas: a morte de neurónios de uma zona do cérebro chamada substância negra do mesencéfalo. Estes neurónios são responsáveis pela produção de dopamina, o neurotransmissor que faz funcionar as estruturas cerebrais que controlam os movimentos. Sem dopamina, surgem as dificuldades.

Em conjunto com a equipa de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria, surgiu a pergunta: “E se conseguíssemos estimular o cérebro de outra maneira, de forma a aumentar a eficácia e o número de pessoas elegíveis para cirurgia de controle de sintomas?” E é precisamente nisso que Luísa Lopes está empenhada (entre outros projetos) neste momento

Goncalo Villaverde

Atualmente, esta é a segunda doença neurodegenerativa mais comum na população mundial, logo a seguir à doença de Alzheimer. A Organização Mundial de Saúde estima que afeta cerca de um ppor cento da população acima dos 65 anos. Em Portugal, segundo dados de 2017, calculam-se que existam entre 18 e 20 mil pessoas com este diagnóstico.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apesar de ser conhecida há muito tempo, a doença ainda é incurável. No entanto, há duas formas principais de a tratar, para tentar controlar os sintomas: com vários tipos de medicamentos para aumentar os níveis ou a ação da dopamina, e quando estes não resultam ou causam demasiados efeitos secundários, a estimulação cerebral profunda (ECP), um procedimento cirúrgico em que são implantados elétrodos em áreas específicas do cérebro para enviar impulsos elétricos controlados, de forma a regular a atividade cerebral anormal e diminuir os sintomas.

A cirurgia é complexa e pode demorar oito a nove horas”, diz Luísa Lopes, investigadora do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular (GIMM). “Isso significa que muitas pessoas, seja pela idade [avançada] ou por terem outras doenças, não são elegíveis para a fazer”. Ou seja, apesar das boas taxas de eficácia no controlo de muitos dos sintomas, nem todos os pacientes têm critérios para aceder ao tratamento — que implica também, por vezes, complicações no pós-operatório, como infeções do material implantado, que obrigam a reverter todo o procedimento.

Todas estas preocupações chegaram à neurocientista através de quem lida diariamente com elas: o neurocirurgião Pedro Duarte Baptista, do Hospital de Santa Maria, que faz parte de uma equipa que opera e segue estes doentes em consulta. “Eu faço investigação pré-clínica, mas colaboramos com a equipa de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria e este projeto teve por base as dificuldades que eles sentem”, diz a investigadora.

Em conjunto, surgiu a pergunta: “E se conseguíssemos estimular o cérebro de outra maneira, de forma a aumentar a eficácia e o número de pessoas elegíveis para cirurgia?” E é precisamente isso que estão a tentar fazer usando, nesta fase inicial, modelos animais.

A ideia é usar uma ferramenta relativamente recente, as luminopsinas. Estas proteínas são introduzidas em grupos de neurónios específicos através de um vírus geneticamente modificado (inofensivo, usado como forma de transporte) e criam canais artificiais, que funcionam como portas. Neste projeto a ideia inovadora é combinar o uso das luminopsinas com molécula química, que é administrada ao paciente por via intravenosa ou oral, que, no fundo, ativa esta porta. “O canal criado pela luminopsina fica lá, inerte, depois de ser administrada a injeção. Só quando o animal ingere a substância química é que o canal ‘abre’: entram os iões e o neurónio fica ativado.”

Goncalo Villaverde

A grande vantagem deste processo — se a equipa da investigadora conseguir provar a sua eficácia — é, desde logo, que a neurocirurgia necessária para dar a injeção viral que estabelece este canal artificial é relativamente simples e pouco demorada. “O que significa que não ficam excluídos os pacientes que não podem ser sujeitos a um procedimento cirúrgico complicado”, esclarece Luísa Lopes.

Além disso, o paciente não teria de ficar com nada implantado no corpo, como acontece agora, o que elimina também a possibilidade de infeções pós-operatórias e o que significa que, se o tratamento, por alguma razão, não resultar, não é necessário mais um procedimento para retirar material implantado. A isto, acresce que é possível que venha a permitir uma precisão muito maior dos neurónios que são estimulados.

Para testar tudo, da injeção viral ao composto químico, estão a ser usados modelos animais simples, ou seja, ratinhos. Se tudo correr bem, a equipa terá de repetir e afinar todos os testes, numa segunda fase, ainda com ratinhos e, só depois, há a possibilidade de ensaios clínicos em primatas não-humanos. Isto significa que ainda há, neste momento, muitos anos de ensaios clínicos pela frente até que esta solução, se for eficaz, chegue à prática clínica.

3 fotos

Mas este é apenas um dos muitos projetos que estão em curso no laboratório que Luísa Lopes dirige, no GIMM, onde estuda a neurobiologia do envelhecimento e da doença: ao longo das últimas décadas já estudou temas tão diferentes como as demências, o sono, a memória e os efeitos do stress crónico no nosso cérebro.

Quando lhe perguntam pelo percurso académico, a cientista de 49 anos costuma dizer que “é fruto da escola pública da periferia, com muito orgulho”. Depois do ensino secundário, fez a licenciatura em Bioquímica, na Faculdade de Ciências de Lisboa e o estágio final de curso, já na área da neurofisiologia, a estudar os efeitos de um recetor — a adenosina — no envelhecimento.

Nessa altura, iníciuo dos anos 2000, havia ainda pouca investigação na área das neurociências em Portugal. Por isso, fez o doutoramento entre a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e o Instituto Karolinska, na Suécia. Completou o percurso académico com um pós-doutoramento na Suíça: a Nestlé procurava, pela primeira vez, contratar um neurocientista para entender melhor a interação intestino-cérebro, que era ainda muito inexplorada. Por lá ficou três anos, antes de regressar a Portugal, em 2007, começando a trabalhar no Instituto de Medicina Molecular (atual GIMM), com um projeto em que investigou a relação entre o stress crónico e a demência, usando modelos animais.

Só recentemente, com os progressos das neurociências, foi possível perceber o que leva a todos os sintomas de Parkinson: a morte de neurónios numa zona do cérebro. Estes neurónios são responsáveis pela produção de dopamina, o neurotransmissor que faz funcionar as estruturas cerebrais que controlam os movimentos. Sem dopamina, surgem as dificuldades

Goncalo Villaverde

Décadas depois de ter começado a estudar o envelhecimento cognitivo — e já o tendo estudado sobre tantos aspetos diferentes — uma das coisas que mais impressionou a cientista foi perceber que não é preciso que haja perda de neurónios para haver declínio cognitivo: bastam alterações subtis no funcionamento das sinapses, as ligações entre neurónios. “Uma pequena disfunção sináptica é suficiente para causar impacto na função cognitiva, mesmo quando a estrutura cerebral parece normal.”

No seu laboratório, os estudos de envelhecimento precoce em animais revelaram que fatores como a inflamação, o stress e a disfunção circadiana podem provocar estas alterações nas sinapses, muito antes de se notar atrofia ou perda de neurónios. “São mudanças que não conseguimos medir em humanos de forma tão precoce, mas sabemos que podem ser cruciais para intervir antes que os danos sejam irreversíveis.”

É por isso que, para a investigadora, a prioridade deve ser clara: evitar estas alterações precoces. “Quando a disfunção é apenas sináptica, esta ainda é reversível. Já a perda de neurónios causa um declínio cognitivo irreversível.” E, sabendo que algumas destas alterações sinápticas estão associadas à ansiedade e ao sono — ou à falta dele, Luísa Lopes tem feito um esforço no sentido de fazer trabalho de divulgação científica nesta área, tanto junto da comunidade geral, como em particular nas empresas. “É preciso combater esta ideia falsa, mas ainda muito presente na nossa cultura, de que é bom estar sempre ativo, presente e disponível.”

Depois de um pós-doutoramento na Suíça, a cientista regressou a Portugal em 2007, começando a trabalhar no Instituto de Medicina Molecular (atual GIMM), com um projeto em que investigou a relação entre o stress crónico e a demência, usando modelos animais

Goncalo Villaverde

Para Luísa, o equilíbrio começa em casa – ou, neste caso, no laboratório. Reconhece que a investigação acaba por moldar as escolhas diárias e a forma como trabalha em equipa. Um exemplo marcante surgiu quando começou a estudar os cronotipos, os ritmos biológicos que determinam os momentos do dia em que cada pessoa está mais desperta e produtiva. “Eu sou muito matutina. Ter uma reunião às oito da manhã não me custa nada, mas nem toda a gente funciona assim.”

No seu laboratório, que tem habitualmente cerca de dez pessoas, foram estudados os cronotipos individuais de todos os elementos e o horário das reuniões de equipa foi ajustado para um período alinhado com o pico de produtividade de todos: 10h00. “São pormenores pequenos que fazem toda a diferença. As pessoas cansam-se mais quando estão a trabalhar em contraciclo, o trabalho rende menos e, a longo prazo, isso pode ter um impacto na saúde, nomeadamente na saúde mental.”

Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto liderado por Luísa Lopes, do GIMM, foi um dos seis selecionados para financiamento (a investigadora recebeu cinquenta mil euros) pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2023 do CaixaImpulse Inovação em Saúde, um programa que promove a transformação do conhecimento científico criado em centros de investigação, universidades e hospitais em empresas e produtos que geram valor para a sociedade. As candidaturas para a edição de 2025 estão agora abertas.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.