O investigador Aires Henriques recupera memórias da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) num livro que evidencia os apoios e facilidades concedidos pela ditadura de Salazar aos franquistas sublevados, revelou o próprio à agência Lusa.

Na obra “Rumo a Madrid. Um diário da guerra santa”, o autor, que tem dedicado vários trabalhos à história da oposição ao Estado Novo, o regime autoritário derrubado há 50 anos com a revolução do 25 de Abril, descreve e analisa factos do “quarto comboio automóvel com donativos para os insurrectos nacionalistas espanhóis”.

Quarta de cinco expedições organizadas pelo Rádio Clube Português (RCP), sob a liderança do capitão Jorge Botelho Moniz, com ajudas ao levantamento das forças de Francisco Franco contra o governo legítimo da II República Espanhola, a ação aconteceu pouco antes do Natal de 1936, com saída de Portugal em 8 de dezembro e chegada a Madrid no dia 16.

Aires Barata Henriques, dono do Museu da República e Maçonaria, em Pedrógão Grande, distrito de Leiria, disse que o livro tem como ponto de partida “um diário de viagem inédito que um popular” escreveu após ter participado na referida caravana automóvel, composta por mais de 400 camiões.

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Em Espanha, nas áreas dominadas pelos franquistas, “as pessoas estavam a ser massacradas com apoio político, material e logístico de Salazar, dos fascistas italianos e dos nazis alemães”, declarou à Lusa.

Numa introdução com o título “A memória como projeto editorial”, Aires Henriques considera que o escrito deixado por Alfredo Barros de Brito, funcionário do Grémio de Vinicultores de Almeirim, é “um testemunho marcante, onde se cruzam factos e gentes das mais diversas sensibilidades, cultura, posses e interesses, muitas delas vítimas daquela censura à imprensa e de sistemática desinformação”.

Prefaciado pelo historiador Alberto Pena Rodriguez, professor da Universidade de Vigo, na Galiza, Espanha, o livro acaba de ser editado pela Hora de Ler, com sede em Leiria.

Espanha (1936-1939): A guerra que (ainda não) acabou

“Em paralelo, pois, com os ricos lavradores de Almeirim e Santarém, iremos acompanhar a causa ibérica com as gentes de Leiria que, localmente, dispõem de uma imprensa afeta [ao regime de Salazar]”, explica o economista.

A imprensa da época, com títulos locais como o Correio da Extremadura e o Portugal, respetivamente, à partida e à chegada das caravanas distritais, “não deixa de apoiar e enaltecer os eventos nacionalistas e os feitos bélicos dos anfitriões fascistas”, salienta Aires Henriques.

“A guerra teve consequências políticas, sociais e económicas para o governo de Salazar, que agiu como se o conflito espanhol fosse um assunto nacional”, recorda Alberto Pena Rodriguez.

No prefácio, acentua que “a propaganda do Estado Novo tentou espalhar a perceção de que a ameaça do ‘comunismo’ espanhol, com as suas ideias iberistas, colocava em risco a própria independência de Portugal”.

Na sua opinião, a quarta expedição promovida pelo RCP “foi a mais significativa”, tendo reunido 410 viaturas “que transportaram centenas de toneladas de alimentos de todos os distritos”, com destino a Madrid e Salamanca.

“O exército rebelde patrocinou e celebrou a chegada destas caravanas como um triunfo, utilizando-as para legitimar a sua política social e a sua causa militar”, sublinha o docente da Universidade de Vigo.