Alguns dos moradores do extremo nascente da Praia de Faro não estão dispostos a abandonar as suas casas, consideradas clandestinas, reclamando os mesmos direitos concedidos à comunidade piscatória da Ilha da Culatra.

Os fogos para realojar os moradores que queiram sair dos extremos da praia integrada na Península do Ancão deverão estar prontos até abril, no âmbito de um processo que se arrasta há mais de uma década, embora o problema seja bem mais antigo.

Para chegar à casa de Gilberto Silva — nascido na praia e há mais de 50 anos a viver na extremidade nascente da península —, é preciso percorrer cerca de meio quilómetro num passadiço de madeira que começa no final da estrada e vai quase até à Barrinha.

Agora reformado, o pescador de 73 anos representa a terceira geração da sua família a viver ali e antes de se mudar para uma das pontas da praia, a sua família habitava numa casa de madeira onde é hoje o Parque de Campismo Municipal de Faro.

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Governo anuncia investimento de 20,2 milhões de euros em obras de proteção do litoral

“O problema começou quando houve as primeiras demolições, em 1956, quando a Câmara tomou posse administrativa da zona central da praia, onde viviam os pescadores e onde se fez a estrada”, recorda.

Nessa altura, as pessoas foram “empurradas” da zona desafetada do Domínio Público Marítimo para as pontas nascente e poente, esta confinante com o concelho de Loulé, e começaram ali a construir casas.

Em 1987, ano em que nasce o Parque Natural da Ria Formosa, mais demolições: vão abaixo 204 casas no extremo nascente, quando o secretário de Estado do Ambiente de Cavaco Silva era o algarvio Macário Correia.

O processo seria retomado 20 anos depois com a criação da Polis Litoral Ria Formosa, que em 2010 começou a fazer o levantamento do edificado das ilhas-barreira nos concelhos de Faro e Olhão, onde identificou mais de 700 construções clandestinas.

“Dizem que o perigo da praia está nas pontas, mas a zona central é a mais perigosa. É ali que o mar galga a estrada”, diz Gilberto Silva, prometendo que da praia não sai, muito menos “para um apartamento no Montenegro a pagar renda”.

Outro morador, Luís Marmelete, de 52 anos, partilha da mesma opinião: “não há garantia de futuro para as pessoas que fizeram a sua casa com o seu esforço. Lá, se não pagarem [a renda], são despejados. Nas condições atuais, a maioria não quer sair”.

O também presidente da Associação para a Defesa e Desenvolvimento da Praia de Faro (APRAFA) defende que as pessoas deviam ser realojadas em casas próprias, pois as suas “também têm o seu valor”, sugerindo a possibilidade de um “ajuste” de valores.

Luís Marmelete considera que os moradores das casas consideradas ilegais na Praia de Faro, por estarem em zona de risco, são discriminados face aos da Culatra, ilha-barreira do mesmo concelho onde a comunidade piscatória residente se manteve.

“Lá, os pescadores têm direito de propriedade e são reconhecidos. Deem-nos um título [de propriedade] de 20 ou 30 anos, enquanto vivermos e, se não tivermos descendência, acaba-se. Isso era o justo”, reivindica.

Em 2010, a Polis tinha identificado 100 famílias que necessitariam de realojamento, mas, segundo Gilberto Silva, algumas pessoas já morreram e neste momento deverão ser no máximo 80, contando com os dois extremos.

Na semana passada, o Governo anunciou o investimento de 20,2 milhões de euros em obras prioritárias de proteção do litoral, pacote que inclui a renaturalização da Península do Ancão, através da remoção de construções ilegais e do reforço de sistemas dunares.

As demolições na Ria Formosa ao abrigo do plano de renaturalização previsto no Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Vilamoura — Vila Real de Santo António iniciaram-se em 2014 com o derrube de construções ilegais nos ilhotes.

Em 2015 avançam as primeiras demolições na Praia de Faro, seguindo-se depois, a partir de 2017, os núcleos do Farol e dos Hangares, na ilha da Culatra, sob forte contestação popular. Em 2018, encerrava-se o ciclo de demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa.