Nadja Cristina tem 42 anos e vive no bairro Jordão Baixo, em Recife, Brasil, com o marido, João Batista, e o filho Jonatan, de 15 anos. A notícia de uma gravidez tardia assustou-a inicialmente. “Não foi uma gravidez planeada, pela minha idade, mas já que aconteceu, tive de aceitar. No começo, tinha medo, tive depressão”, confessa. “Quando finalmente estava aceitando [a gravidez], aí veio a bomba com 7 meses”. A bomba era que o seu bebé tinha microcefalia.

Ela é um dos 3.670 casos que estão a ser investigados da relação entre o vírus zika e o contágio a grávidas que causa microcefalia aos bebés. O disparar de ocorrências desta malformação no Brasil, no contexto do surto do vírus, desafiou médicos e cientistas sobre a possível relação entre o problema e as infeções. Segundo o Ministério de Saúde do país, até ao dia 30 de janeiro, foram notificados 4.783 casos de microcefalia, com 709 casos já descartados e 404 com o diagnóstico confirmado. Destes 404, apenas em 17 pacientes as autoridades foram capazes de estabelecer uma relação com o zika. O número pode parecer pequeno, mas para as mães de crianças com microcefalia é suficiente para criar medo e dúvidas sobre o futuro dos seus filhos.

O que muda para uma grávida após saber a notícia de que o seu bebé tem microcefalia? Como é lidar com uma criança com esta condição neurológica após o nascimento? O Observador conversou por telefone com duas mulheres que deram à luz bebés com microcefalia para entender os seus desafios e expectativas. Em comum, além de terem tido bebés com a malformação, há o facto de viverem em Recife, capital do Pernambuco, estado líder em casos confirmados de microcefalia no Brasil.

Nadja soube depois de uma ida ao Hospital de Ávila, em Recife, para fazer uma ecografia de rotina. Foi alertada pelo profissional que a atendeu de que “havia pouco líquido na placenta e uma pequena diferença na cabeça”, descreve. Assustada, ligou para o seu obstetra para relatar o incidente, e ele aconselhou-a a fazer outra ecografia com um médico especialista de sua confiança.

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O médico disse-me: ‘Mãe, não cresceu nada, ela está com a cabeça e o cérebro de 4 meses. Se chegar a nascer, vai viver em estado vegetativo. Achei que estava num sonho.”

Nadja voltou a ligar imediatamente para o seu obstetra, que pediu para falar com o especialista. “O médico da ecografia disse: ‘A sua paciente está aqui, a bebé tem microcefalia, encaminhe para o hospital para interromper a gravidez’”. Mas o obstetra, que estava em viagem, aconselhou Nadja a esperar pelo seu regresso antes de tomar qualquer decisão. “Foram seis dias de sofrimento, de espera”, revela a mãe.

Quando o obstetra olhou finalmente para as imagens da ecografia, avaliou que todos os órgãos de Alice estavam a desenvolver-se bem e aconselhou Nadja a continuar a gravidez. “Ele perguntou-me: ‘Você acredita em Deus?’. Disse que sim e então ele respondeu-me que tínhamos de esperar e ter fé em Deus”.

A notícia de que a criança tinha microcefalia assustou a família Bezerra. “A minha mãe ficou arrasada, o meu marido até hoje não aceita o que aconteceu, não acredita que ela tem esta doença”. Nadja teve dificuldades em lidar com o resto da gravidez. “Parei tudo, até cancelei o chá de bebé. Quis devolver o quarto [do bebé] à loja, que já tinha chegado e estava todo embalado.”

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À esquerda, Nadja Cristina durante a gravidez. À direita, a sua filha Alice Vitória aos dois meses de vida

A gravidez continuou e Alice Vitória Gomes Bezerra nasceu a 14 de outubro de 2015.

O nome dela ia ser Alice Valentina, mas quando estava a entrar na sala de parto decidi mudar. O nascimento dela foi uma verdadeira vitória”, conta a mãe.

A pernambucana relata que foi a equipa médica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, quem a avisou do que poderia ter causado o problema no bebé. Ela teria contraído o vírus zika durante a gestação. “Aos dois meses de gravidez tinha umas pintinhas no corpo, como sarampo, mas não tive febre, nem nada. Quando fui ao médico, disseram que era uma virose e que em cinco dias ia passar”, relembra.

No entanto, confessa que até hoje não sabe se contraiu o vírus. “Vamos raciocinar, se eu tive zika quando estava grávida de dois meses e ela [a bebé] nessa altura estava perfeita, ela não poderia estar saudável até aos cinco meses, perfeita. Como é que pode?”, questiona.

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Até ao dia 4 de fevereiro, o estado de Pernambuco apresenta 1.447 casos de microcefalia notificados e 153 confirmados.

A dúvida também se estende a outras grávidas com bebés com microcefalia que conheceu no hospital. “Quando vou ao hospital, faço muitas amizades, e muitas mães dizem que nunca tiveram nada, que tiveram uma gravidez sadia, que o bebé nasceu assim e não sabem porquê”, conta.

Mas Nadja relata que houve um surto de casos de zika na sua rua apenas uma semana antes do Natal. Acredita que a rápida propagação do mosquito não está relacionada com a falta de informação dos vizinhos, ainda que muita gente não tenha ligado aos avisos das autoridades. “Passa aqui informação, mas nem toda a gente tem esta noção, há pessoas que não estão nem aí.” Em janeiro deste ano, Nadja contraiu o vírus chikungunya. “Aí sim tive febre, não conseguia levantar, tinha dor nas juntas, pernas e muita febre.” Daí que não pare de ter dúvidas.

“Achei que podia não ser nada”

A má notícia demorou quatro meses a chegar a Daniele Santos, de 29 anos. Descobriu que o seu filho, Juan Pedro, teria microcefalia aos quatro meses de gravidez, também durante uma ecografia de rotina. Inicialmente, o diagnóstico era outro: o de que o seu bebé sofria de hidrocefalia, um nível anormal de líquido no crânio que leva ao inchaço e ao aumento de pressão no cérebro devido a infeções, como defeitos congénitos, por exemplo.

“Fui então encaminhada ao IMIP [Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, em Recife], que tem um setor de medicina fetal. Quando refiz a ecografia foi diagnosticada a microcefalia”, explica.

Inicialmente já foi um baque, porque era uma má formação, estava ciente. Depois, na minha ignorância, pensei que ele tinha ficado melhor [com a mudança de diagnóstico], mas o doutor disse-me o que significava, explicou-me sobre o tamanho da cabeça e que ele podia ter alguma deficiência. O baque foi ainda maior”, relembra.

Daniele confessa que a sua família também não sabia o que era a microcefalia. “A gente tinha uma visão totalmente diferente, como não tínhamos informação pensávamos que seria um bebé vegetativo.”

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À esquerda, Daniele durante a gestação de Juan Pedro. À direita, a mãe comemora os dois meses do filho

A pernambucana conta que estava a ter uma gravidez tranquila até à notícia da microcefalia. Recorda apenas um incidente aos quatro meses de gestação, quando teve febre e manchas no corpo. “Não procurei a unidade de saúde porque não me coçava e, como foi uma febre baixa, não tomei nada. Dois dias depois desapareceu. Como não havia surto de dengue na época e não tinha comichão, achei que podia não ser nada”, justifica. Daniele conta que a suspeita de zika foi levantada apenas no último mês de gravidez. Ainda fez os exames para detetar se tinha os vírus da dengue e da chikungunya, mas os resultados deram negativo.

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A microcefalia pode ser detetada ainda durante a gravidez, através de ecografias, no final do segundo trimestre ou no início no terceiro trimestre da gestação.

Após o nascimento de Juan Pedro, a 4 de dezembro na Maternidade IMIP, em Recife, repetiu os exames. Os resultados foram os mesmos. Foi então que a equipa médica começou a fazer outros testes para investigar as causas mais comuns de microcefalia, como sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus ou herpes. Todos descartados. “Os médicos diziam que havia muitos bebés com má formação e que as mães tinham tido manchas no corpo como eu durante a gravidez. Elas tinham tido zika”, conta, ainda sem acreditar que possa ter apanhado o vírus.

Garante que foi a única grávida da sua vizinhança a apresentar sintomas de zika. “A picada foi no bairro onde trabalho”, acredita.

“A mãe torna-se uma mãe mais especial”

Passados três meses e meio do nascimento de Alice Vitória, Nadja reconhece os desafios diários no cuidado da filha. “Agora está um pouco melhor, mas nos primeiros 15 dias [de vida], chorava dia e noite, o médico dizia que era refluxo, alimentação, mas não melhorava.” Um mês depois, descobriu que a bebé tinha crises convulsivas. “Ela começou a tomar remédios e melhorou”. Nadja leva a sua filha a quatro instituições públicas diferentes na região metropolitana do Recife para receber assistência médica.

Daniele faz a mesma peregrinação que Nadja pelos serviços de saúde locais. Juan Pedro, agora com dois meses, vai a sessões de fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, oftamologia e neurologia. “Ele tem consultas durante toda a semana. Foi na segunda, foi na terça, foi na quarta, foi hoje e vai amanhã, quando uma criança normal passa apenas uma vez por semana numa clínica”, conta. Mas diz que “não lhe falta força” para o levar aos médicos.

Entre os destinos semanais de Juan Pedro está a Fundação Altino Ventura, local onde Daniele convive com outras mulheres cujos filhos têm microcefalia. A solidariedade e companheirismo entre as mães têm sido uma fonte de força para seguir em frente, assegura. “Fizemos uma festinha para comemorar os dois meses de Juan, as mães organizaram-se, cada uma levou um bolo, um salgadinho. Combinamos que todo mês faríamos uma festa para alguma das crianças, porque, querendo ou não, estamos a passar pelo mesmo problema”.

A partilha de experiências também se estende ao mundo digital. “Criamos um grupo no Whatsapp onde trocamos informações. Uma mãe disse que o seu bebé estava a chorar mais alto por causa de uma vacina. Veio outra e tranquilizou-a, disse que era normal. Estamos sempre a comunicar para trocar estas informações”, revela Daniele.

Nadja não faz planos para o futuro. “Fico sempre na expectativa, não sei o que vai acontecer. Veja só, ela vê, ela escuta, mas os médicos não sabem se ela vai andar. A expectativa é saber se ela vai andar, mas só com o tempo vou saber”.

Expectativa também é uma palavra que aparece no discurso de Daniele. “Quando ele nasceu, não abria as mãos, agora com a fisioterapia já está a abrir. Quem sabe ele pode ir à escola para poder escrever. Cada gesto, cada iniciativa, vai dando esperança para o futuro”. E finaliza. “Microcefalia não é o fim do mundo, é uma nova jornada, uma nova vida. Cada bebé que nasce, a gente se torna uma mãe mais especial. A criança pode ter uma vida boa, depende do nosso amor.”