A solução aplicada ao Banif no final de 2015 foi “custosa para os contribuintes”, na versão de António Costa, mas também foi a que melhor salvaguardou a estabilidade do sistema financeiro e o financiamento à economia,”face às circunstâncias e restrições impostas (pelas autoridades europeias)”, segundo o Banco de Portugal.

As duas conclusões têm a data de 20 de dezembro de 2015, dia em que foram anunciadas ao país as condições da venda do banco ao Santander Totta por 150 milhões de euros, através de uma resolução. A solução custou ao Estado, no imediato, 2.250 milhões de euros, valor que poderá atingir 3.800 milhões de euros, dependendo da materialização de outras contingências e somando os 825 milhões de euros públicos já aplicados e perdidos.

Mas aquela que, para alguns, parece ter sido a pior solução possível para o Banif, foi o modelo defendido pelo Banco de Portugal dois anos antes como a melhor opção no caso de ser aplicada uma medida de resolução ao banco. Com uma diferença importante. O tempo de concretização da solução.

Isso mesmo foi transmitido pelo governador Carlos Costa à então ministra das Finança, Maria Luís Albuquerque, numa carta de 25 de outubro de 2013 que está entre os documentos enviados à comissão parlamentar de inquérito ao Banif.

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“Em face daqueles resultados e conclusões, entende-se que a venda do Banif em contexto de resolução seria a solução preferível para a intervenção. Para além de constituir uma solução definitiva, eliminando de forma célere qualquer incerteza junto dos clientes e investidores em geral e dos depositantes em particular, será a solução que melhor preserva o valor do banco e que apresenta menores riscos de execução”.

E para que “resultados e conclusões” remete a preferência assumida pelo Banco de Portugal? Perante as incertezas que rodeavam ainda a viabilidade do banco, alvo de uma recapitalização pública concretizada no início de 2013, e em linha com a insistência dos ministros das Finanças, primeiro Vítor Gaspar, e depois Maria Luís Albuquerque, o supervisor financeiro desde 2012 que está a estudar e a preparar planos de contingência para cobrir o pior cenário.

Nesse sentido, foram consideradas quatro alternativas principais, entre as quais estratégias possíveis para o cenário de resolução e que contemplavam duas vias: a constituição de um banco de transição (como veio a ser feito para o Banco Espírito Santo) e a alienação do património do Banif a um banco. Estas hipóteses foram trabalhadas com o apoio técnico da consultora Oliver Wyman, que, no final de 2015, veio a colaborar no desenho da medida aplicada ao banco. E são:

A eventual liquidação do Banif geraria custos e necessidades de financiamento à cabeça consideravelmente mais elevados do que os outros cenários. O custo final foi estimado em 5,3 mil milhões de euros (valor central). Este cenário foi, também, apontado como o que apresenta um maior risco para a estabilidade financeira, sendo também mais suscetível de abalar a confiança dos depositantes no sistema bancário.

A hipótese de nacionalização teria um custo estimado de 2,7 mil milhões de euros na avaliação central. É, contudo, logo afastada como sendo a que poderia causar o maior dano à imagem do sistema financeiro nacional e aquela em que a partilha de perdas entre os diversos stakeholders seria menos adequada, uma vez que seria o Estado a assumir grande parte dos custos, com significativo impacto nas contas públicas. O documento não refere, ainda, as limitações legais entretanto introduzidas a esta hipótese por força das diretivas europeias de resolução bancária.

Entre as alternativas de resolução, a criação de um banco de transição afigura-se como um cenário potencialmente mais oneroso e implica necessidades de financiamento mais elevadas no curto prazo do que o cenário de venda. As comparações apontam para um custo final de três mil milhões de euros versus 2,8 mil milhões de euros, e para 1,5 mil milhões contra mil milhões de euros ao nível das necessidades de financiamento de curto prazo. O banco de transição apresentava, também, riscos de execução mais significativos e um potencial mais elevado para gerar desconfiança junto dos depositantes, o que, a materializar-se, faria subir as necessidades de financiamento, onerando a intervenção. Esta ressalva terá sido, entretanto, suavizada pela experiência do Novo Banco, o primeiro banco de transição criado em Portugal.

Depois de analisadas e quantificadas estas hipóteses, a estratégia selecionada para intervir junto do Banif “passa pela venda de património e da atividade do banco no mais curto espaço de tempo possível”.

A mesma carta de Carlos Costa detalha como seria feita essa venda por resolução, que admitia até o destaque do património imobiliário da operação a vender, mostrando-se contudo contra o desmantelamento da instituição que resultaria em destruição de valor. Neste plano, o Banco de Portugal sublinha que tem ao seu dispor instrumentos para facilitar a venda, nomeadamente determinando que o Fundo de Resolução pudesse garantir ao comprador o valor de determinados ativos, reduzindo a incerteza e potenciando a atratividade dos ativos.

Venda rápida ou meteórica?

Aparentemente foi isso que veio a acontecer no final de 2015, quando o Banif foi alienado ao Santander Totta. Ou não? Nem por isso. Uma venda rápida, para o Banco de Portugal, não era o mesmo que vender num fim de semana. Este cenário partia de uma operação em dois passos.

  1. O Banco de Portugal adotava a medida de resolução que passava pela alienação dos ativos e dava início ao processo de venda.
  2. Num segundo momento, o BdP selecionaria a proposta mais adequada face aos objetivos de resolução e decidia a alienação de ativos e passivos ao comprador escolhido. A venda seria concretizada mais tarde do que a resolução e os “dois passos terão que decorrer num período relativamente curto (tipicamente entre dois a seis meses)”.

Para que fosse possível este compasso de espera, em que o Banif continuaria a operar em condições normais, o Banco de Portugal teria de fornecer os recursos necessários para acautelar o não aparecimento de investidores. Para tal, seria necessária uma solução de recurso que passava pela criação de um banco de resolução com uma gestão nomeada pelo regulador.

Ora, foi precisamente esta proposta feita pelo regulador português que não passou no crivo do Banco Central Europeu (BCE). Segundo o testemunho de António Varela, que representou o Banco de Portugal no conselho de supervisão, o pedido para criar um banco de resolução para o Banif foi rejeitado, numa primeira instância, com o argumento das experiências do Novo Banco em Portugal e de casos que aconteceram em Itália.

O ex-administrador do BdP contou, durante a sua audição na comissão parlamentar de inquérito, que foi possível ganhar algum tempo para a reavaliação desta opção, mas a decisão de retirar o estatuto de contraparte ao Banif a partir de segunda-feira, já tomada pelo conselho de governadores, acabou por impor uma venda mais do que rápida: foi rapidíssima, concretizada durante um fim de semana. E com apenas um candidato. O Santander acabou por fazer um “excelente negócio, é pena que tenha sido à custa dos contribuintes portugueses”, concluiu.

Entre a venda rápida defendida em 2013 e a que aconteceu em 2015, houve outras diferenças para além do tempo e que se prendem, sobretudo, com restrições por parte das instituições europeias. O Banco de Portugal defendia que todos os bancos portugueses pudessem vir a concorrer ao Banif, propondo mesmo que se negociasse com a direção europeia da concorrência a possibilidade de permitir ao BCP, BPI e Caixa apresentarem ofertas, apesar de estarem limitados pelo facto de terem recebido ajudas públicas.

Sabemos que, no ano passado, o governador propôs a integração do Banif na Caixa Geral de Depósitos, mas Bruxelas, mais precisamente o órgão da concorrência, não deixou. Outro pressuposto que foi alterado foi o desconto imposto aos ativos a vender do banco, o que poderia, também, passar pelo calendário acelerado da operação.

Em 2013, o Banco de Portugal já assumia que o Estado perderia todo o montante aplicado no Banif numa operação de resolução e sublinha que a dimensão da perda dependeria do valor das propostas de compra. Os cálculos feitos partem de um desconto médio de 20% para a totalidade dos ativos com base nas estimativas da Oliver Wyman que, dois anos mais tarde, viria a impor um haircut (corte) bem mais expressivo ao valor dos ativos objeto de resolução — de 66%. Foi este desconto avultado, justificado com as regras europeias, que determinou necessidades de financiamento mais altas.

Curiosamente, as perdas totais, em resultado de uma venda em contexto de resolução, foram estimadas em 2,8 mil milhões de euros, um valor que não é muito diferente daquele que veio a ser anunciado. O cenário mais pessimista da Oliver Wyman indicava que as perdas resultantes do processo de venda poderiam atingir 4,3 mil milhões de euros.