A proibição do uso do burkini, uma peça de roupa usada por algumas mulheres muçulmanas para irem à praia sem exporem o corpo, está por trás do recente aumento de tensão entre a comunidade muçulmana francesa e alguns setores da restante sociedade daquele país. Pelo menos três autarquias já proibiram o uso do burkini nas praias, alegando tratar-se de um símbolo religioso e, por isso, contrário ao princípio ao princípio da laicidade, previsto na Constituição de França.

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Uma mulher veste um burkini numa praia francesa (Crédito: D.R.)

O caso mais recente aconteceu no final da tarde de sábado numa praia em Sisco, na ilha da Córsega. Os media franceses falam de quatro feridos, incluindo uma grávida, em confrontos entre três famílias de origem magrebina, residentes num bairro social da cidade próxima de Bastia, e alguns turistas e também locais daquela vila no Norte da Córsega. De acordo com os relatos na imprensa francesa, os distúrbios terão começado depois de jovens não-muçulmanos terem tirado fotografias a várias mulheres de origem magrebina que estavam na praia, vestidas com um burkini, por volta das 17h30.

As famílias muçulmanas, entre elas pessoas que apareceram na praia depois de as duas partes terem começado a trocar insultos, terão reagido com violência contra as pessoas que fotografavam as mulheres que vestiam o burkini.

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Ao jornal Libération, um jovem de 16 anos contou o caso de um turista e da sua mulher que, depois de confrontados pelos protestos das famílias de origem magrebina, foram “postos à parte” para depois lhes serem “atiradas pedras”. A mesma testemunha, que falou sob anonimato, conta como “um dos homens tinha uma catana e atingiu várias vezes um amigo meu”. (Outros relatos referem um machado — uma confusão que pode ter sido causada pela semelhança entre as duas palavras. Em francês, “catana” é machette e “machado” é hachette.)

Alguns dos pais de jovens que também tiraram fotografias às mulheres de burkini intervieram, tendo sido igualmente recebidos de forma hostil por alguns membros da comunidade muçulmana. Um daqueles pais terá sido atingido por um arpão nas costas. Além disso, durante a noite, foram incendiados três carros.

Os feridos tiveram todos alta do hospital no domingo.

Manifestação de corsos em bairro social: “Nós estamos na nossa casa!”

Nesse mesmo dia, foi emitido um comunicado pelo Governo onde se lia que o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve “condena fortemente esta violência” e garantiu “a mobilização dos seus meios no âmbito do inquérito liderado pelas autoridades judiciárias para levar toda a luz a estes atos intoleráveis e interpelar os responsáveis”. Por fim, Cazeneuve apelou “cada um a ter calma e a ter sentido de responsabilidade”.

Porém, o momento de tensão continuou a estender-se até ao dia seguinte, com vários cidadãos corsos a deslocarem-se até ao bairro social de Lupino, na cidade de Bastia, de onde se acredita serem provenientes os agressores de sábado à tarde. “Nós estamos na nossa casa!”, gritou o grupo que, de acordo com o Le Figaro, contava com cerca de 500 pessoas. O Libération refere “várias dezenas” entre os manifestantes, que estiveram reunidos com o presidente da câmara de Bastia, Ange-Pierre Vivoni, e que depois foram até ao bairro de Lupino.

É possível que a tensão entre os corsos e os cidadãos de origem magrebina que vivem naquela ilha esteja agora mais alta do que nunca — mas esta história está longe de ser original. Segundo um relatório de 2015 da Comissão Nacional Consultiva dos Direitos do Homem, um órgão estatal que aconselha o Governo francês em matérias de Direitos Humanos, a Córsega era “incontestavelmente” a região com maior incidência de “atos anti-muçulmanos”. De acordo com aquele relatório, em 2015 houve uma ocorrência por cada 18 mil habitantes. Em segundo lugar, ficou a região de Champagne-Ardenne, com uma ocorrência por cada 87 mil habitantes.

https://twitter.com/MarionFFRAA/status/764800545689313280

Praia interdita a quem não “respeite os bons costumes e a laicidade”

No domingo, o presidente da câmara de Bastia, Ange-Pierre Vivoni, anunciou que, depois de uma reunião com o executivo municipal, iria entrar em vigor uma proibição do uso do burkini nas praias daquela cidade a partir de 16 de agosto, terça-feira.

Assim, Bastia entrará para o lote dos municípios que recentemente tomaram medidas semelhantes. A medida foi primeiro implementada em Cannes, a 28 de julho, e mais tarde replicada em Villeneuve-Loubet, a 5 de agosto. Ambas as cidades são dirigidas por autarcas do partido Os Republicanos, antigo UMP, liderado pelo ex-Presidente Nicolas Sarkozy.

Em Cannes, a autarquia declarou que estava interdita nas suas praias “qualquer pessoa que não esteja vestida de forma correta, que respeite os bons costumes e a laicidade”. Porém, ao jornal Nice Matin, o autarca de Cannes, David Lisnard, não alegou o motivo da laicidade para justificar a decisão do seu executivo, mas antes o da segurança. “Tomei esta medida de proibição, entre tantas outras, para assegurar a segurança da minha cidade num contexto de estado de urgência”, disse. “Nós não proibimos o véu [islâmico], nem a kippa [judaica], nem as cruzes [cristãs], proibimos um uniforme que é o símbolo do extremismo islamita.”

Em protesto contra esta medida, o Coletivo Contra a Islamofobia em França (CCIF) colocou uma ação em tribunal contra a câmara de Cannes, a quem a justiça deu razão.

Em reação a estas proibições, uma associação de mulheres muçulmanas francesas reservaram um parque aquático nos arredores de Marselha durante um dia, para que pudesse ser usado o burkini.