Em mais de duas horas de explicações, com muitos números e respostas, o presidente executivo da EDP procurou desmontar a tese de que a elétrica recebeu rendas excessivas pela venda da energia. Embalado pela recuperação das ações em bolsa — EDP valorizou 2,8%, recuperando da queda do dia anterior — e pelo apoio manifestado pelos principais acionistas, fica aqui uma síntese das explicações dadas por António Mexia.

A origem das rendas

Um das ideias que o presidente da empresa contrariou foi a de que as compensações atribuídas à elétrica tenham sido decididas em 2004 ou em 2007. Estas são as duas datas chave para a história dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) negociados durante o Governo de Durão Barroso, aprovados por Santana Lopes — Mexia diz que quase não se lembra que na altura era ministro das Obras Públicas sem ligação à energia, sublinha — e colocados em prática em 2007, com o Executivo de Sócrates e Manuel Pinho. Mas a história, diz, é mais antiga e tem pelo menos 20 anos.

O presidente da EDP argumenta que esses contratos limitaram-se a manter as condições de remuneração (rendas) que tinham sido fixadas anos antes em 1995, pelo Governo de Cavaco Silva em que Mira Amaral era ministro da Indústria, e em 1997, no quadro da privatização da elétrica. Em 2004, a EDP aceitou a cessação dos CAE (contratos de aquisição de energia) e a transição para os CMEC porque foi “obrigada” e para cumprir a lei. Foi a única operadora a aceitar correr o risco dos CMEC. Em parte, porque o Estado era o maior acionista, ainda que, assegura o gestor, a empresa tenha defendido os seus interesses.

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As contas das compensações

A administração da empresa veio preparada com um conjunto de números sobre o valor dos CMEC. Sendo uma compensação na receita de venda da energia pelas centrais, o indicador fundamental para as contas é a previsão do preço da eletricidade no mercado grossista. Quanto maior for este preço, menor é a compensação a que a empresa tem direito, porque o CMEC tem como finalidade compensar a EDP caso as receitas fiquem abaixo dos níveis fixados nos contratos originais.

Em 2004, quando ocorreu a negociação inicial, os CMEC foram valorizados em 3.356 milhões de euros, pressupondo um ajustamento anual durante dez anos. Em 2007, quando foram postos em execução, o valor dos CMEC foi reduzido para 833 milhões de euros porque o preço de referência da energia foi revisto de 36 euros para 50 euros por megawatt hora. A EDP conclui que houve uma redução de 75% no valor.

Dez anos depois, as contas do regulador, avançadas pelo Observador, mostram que a elétrica recebeu em compensações pagas pelas tarifas elétricas cerca de 2.500 milhões de euros.

Quanto valem os contratos polémicos: EDP recebeu 2,5 mil milhões em dez anos

O administrador João Manso Neto reconhece que a compensação foi sempre favorável à EDP porque as condições do mercado degradaram-se por via da recessão económica, logo o preço baixou e o acerto de contas subiu. A EDP garante contudo que não foi atingido o teto máximo acordado logo em 2004 com Bruxelas de 5,5 mil milhões de euros. O valor final do ajustamento dos últimos dez anos de CMEC deverá ser definido nos próximos meses com base num estudo realizado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

A extensão do prazo de concessão das barragens

As decisões coincidem no tempo e nos protagonistas, mas a extensão do prazo de concessão das barragens da EDP em 25 anos foi um processo autónomo decidido em 2007. Na prática, o Governo deu mais tempo de concessão à elétrica, que teria direito a receber 1.356 milhões de euros de compensação caso a exploração daquelas barragens voltasse para o Estado.

Pelo prolongamento do prazo de concessão, a EDP pagou um valor adicional de 759 milhões de euros ao Estado, uma parte desse dinheiro serviu para travar o aumento do preço da eletricidade, mas também beneficiou o défice público. A elétrica considera que o valor económico desta decisão para o Estado foi de 2.115 milhões de euros, incluindo a indemnização que deixou de pagar e o adicional recebido e conclui que houve um ganho de 56% para o Estado, face ao cenário de partida que era a devolução da concessão. O prolongamento do prazo de concessão das barragens, que representavam à data 27% da capacidade de produção de energia, não incluiu a extensão do direito a receber os famosos CMEC que termina em 2027.

Os processos e as investigações

O presidente executivo da EDP abriu a conferência de imprensa desta terça-feira a afirmar que a polémica à volta das rendas destes contratos e das barragens eram processos antigos que foram escrutinados por Governos, parlamento e Comissão Europeia. A iniciativa de mudar as regras de venda da energia partiu, aliás, do Executivo de Durão Barroso, para avançar com a criação do mercado liberalizado e do mercado ibérico de eletricidade, o Mibel. O processo foi finalizado no Governo de Santana Lopes.

A transição dos contratos de energia de longa duração para os CMEC foi escrutinada por Bruxelas logo em 2004, tendo sido dada luz verde às compensações futuras atribuídas às centrais da EDP, com a fixação do tal teto máximo de 5,5 mil milhões de euros.

Depois de os CMEC começarem a ser executados, com o pagamento das primeiras compensações à EDP, o dossiê volta a Bruxelas. A iniciativa partiu de um conjunto de personalidades que em 2012 apresentou uma queixa, invocando tratar-se de uma ajuda de Estado ilegal, considerando as alterações que foram introduzidas em 2007. Segundo a EDP, a Comissão Europeia — a direção geral da concorrência — “afastou qualquer dúvida sobre a legalidade e correção”, concluindo que se mantinha a análise feita em 2004.

A extensão do prazo de concessão das barragens da EDP, decidida em 2007 sem concurso público, também foi alvo de queixa por violação das regras da concorrência. A Comissão abriu uma investigação aprofundada e só em maio de 2017, no mês passado, encerrou o procedimento formal, concluindo que a compensação paga pela EDP ao Estado “era compatível com as condições de mercado”, segundo informação divulgada pela empresa. A EDP acrescenta que Bruxelas considerou que a metodologia usada para calcular o preço da extensão do prazo “foi adequada e resultou num preço de mercado justo”.

Menos de um mês depois, os dois casos estão na origem das buscas efetuadas pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) à EDP, à REN e à consultora Boston Consulting. Estas diligências resultam de uma queixa anónima feita em 2012, numa investigação que procura apurar suspeitas de corrupção passiva, corrupção ativa e participação económica em negócio.

Foram pedidos documentação relacionada com os CMEC entre 2004 e 2014 visados os administradores, atuais e antigos, que assinaram documentos e contratos relacionados com este processo. No total, e segundo informação dada pela EDP, foram visados quatro gestores da elétrica — António Mexia e Manso Neto, da atual administração, e Pedro Rezende e Jorge Ribeirinho Machado, da administração anterior. Na REN foram visados três gestores — administrador João Conceição, o diretor Pedro Furtado — e o ex-presidente Rui Cartaxo.

Segundo informação avançada na sexta-feira, foram constituídos quatro arguidos: António Mexia, João Manso Neto (da EDP), João Conceição e Pedro Furtado (da REN), todos em exercício de funções. Não há indicação sobre os outros três visados.

O curso dado por Manuel Pinho com patrocínio da EDP

Este é um dos temas abrangidos pela investigação judicial, confirmou a EDP. A empresa revela que foram pedidos elementos sobre as doações feitas pela elétrica à Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde o ex-ministro da Economia socialista foi um dos professores convidados a dar um curso sobre energias renováveis em 2010.

Manuel Pinho tinha a pasta da energia em 2007, tendo decidido os dois processos que estão agora sob investigação na justiça: a última versão dos CMEC e a prolongamento do prazo de exploração das barragens.

A EDP diz que foi abordada pela universidade americana para desenvolver uma parceria, com apoio financeiro, uma ação académica que desse “visibilidade aos temas das energias renováveis”. Lembrando os grandes investimentos feitos nas renováveis americanas, com a compra da Horizon em 2007, a EDP justifica assim o apoio dado para atividades de educação, investigação na energia e ambiente de 300 mil dólares anuais por quatro anos, num total de 1,2 milhões de dólares.

Na conferência de imprensa, Mexia “validou” a escolha de Manuel Pinho para dar a formação, assinalando que o ex-ministro dá aulas em várias universidades internacionais, que não são apoiadas pela EDP.

O apoio dos acionistas e o “não me demito”

A presença de Eduardo Catroga, presidente do conselho geral e de supervisão da EDP na conferência de imprensa podia ser entendido como um sinal. Eduardo Catroga foi muito claro no apoio e solidariedade do órgão que reúne os maiores acionistas da elétrica dá à atual administração da EDP. Revelou que o conselho reuniu na segunda-feira que e que 10 membros que representam os maiores acionistas da elétrica foram unânimes na solidariedade. Já sobre a posição assumida pelos 11 membros independentes deste órgão, não foi dada informação.

Eduardo Catroga deixou avisos ao Governo e ao poder político. “Deve fazer parte da estratégia do Governo não violar contratos, sobretudo contratos que vendeu. Esperemos que este principio seja respeitado.” Mas também aqueles que avançaram com uma denúncia anónima na justiça, admitindo mesmo apresentar queixa contra terceiros.

“Não se brinca com empresas cotadas, lançando estas denúncias anónimas.”

Questionado sobre se ponderava demitir-se, António Mexia respondeu: não. O gestor está à frente da elétrica portuguesa, a maior e mais lucrativa empresa portuguesa, há mais dez anos, — foi nomeado em 2006. O mandato atual termina em 2018.