Wimbledon é a catedral do ténis. Pode gostar-se mais de Roland Garros por se preferir terra batida a relva, mas é ali, naquele imenso complexo onde os atletas só vestem de branco (este ano, até a roupa interior já foi inspecionada num jogo de homens…), que se encontra a Meca da modalidade. É ali que se faz história. Ou, neste caso, que nascem heroínas: Garbiñe Muguruzu surpreendeu tudo e todos e venceu Venus Williams na final.

“É um dia especial. Cresci a ver a Venus jogar, nunca pensei que fosse encontrá-la na final. Estou muito feliz”, disse a jovem espanhola de 23 anos, que venceu a veterana norte-americana de 37 anos com os parciais de 7-5 e 6-0 depois de ter salvo dois set points que se revelaram fundamentais para o resto do encontro. Não foi um jogo épico, nos primeiros encontros houve até mais erros de ambas do que é costume, mas a verdade é que, quando nada parecia ser capaz de se intrometer entre Serena e Venus para mais um título das Williams em Wimbledon (seria o 13.º), eis que surgiu um cometa a desmontar este conto de fadas.

Recuperemos o primeiro parágrafo de um artigo de opinião de Toni Nadal, tio e treinador de Rafa Nadal, publicado este sábado no El País. “No final de novembro de 2015, anunciei, como embaixador e posterior diretor do torneio de Maiorca, a participação de Garbiñe Muguruza na nossa primeira edição. Nesse dia, previ que a espanhola ia ganhar todos os torneios importantes e ia ocupar a primeira posição do ranking feminino em pouco tempo. Qualquer treinador com as mínimas noções de ténis podia ter vaticinado isso”, escreveu.

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Nascida na Venezuela, Muguruza começou a jogar ténis com apenas três anos, mudando-se para Espanha aos seis, onde começou a treinar perto de Barcelona, na Bruguera Tennis Academy. Foi crescendo, tornou-se profissional em 2012 e teve sempre uma grande referência para chegar ao topo, também de apelido Williams: Serena, a grande ausente da edição deste ano por estar grávida. Foi com a americana que perdeu a primeira final do Grand Slam, curiosamente também em Wimbledon, em 2015 (6-4 e 6-4).

Não se foi abaixo e serviu a vingança numa bandeja de terra batida: em 2016, ultrapassou Serena Williams na final de Roland Garros (7-5 e 6-4) e conquistou o primeiro Grand Slam da carreira. Hoje, alcançou o feito em Wimbledon, com um segundo set arrasador que dizimou por completo Venus Williams. Curiosamente, tem como treinadora a antiga jogadora Conchita Martínez, que foi a três finais do Grand Slam mas apenas ganhou uma, também em Inglaterra, no longínquo ano de 1994 (venceu Martina Navratilova, a mais titulada de sempre em Wimbledon).

“A Conchita sabe como ganhar no Centre Court e isso é um grande ponto. Penso que uma série de coisas estão a dar o clique nela e na equipa esta semana. Ela sabe bem como se prepara uma final e o que se deve fazer. Não é que vá fazer alguma coisa diferente, mas ter a Conchita do meu lado dá-me aquela confiança que estar com alguém que também já ganhou em Wimbledon no passado”, tinha assumido Muguruza antes da final. “Ter uma jogadora como ela é o sonho de qualquer treinadora”, retribuiu Conchita Martínez sobre a espanhola de 23 anos.

Estas foram as duas semanas mais especiais na carreira de Garbiñe. Instalada num apartamento e não num hotel, como costuma acontecer, saiu apenas uma vez para jantar fora e foi-se entretendo a ouvir música e a cozinhar para libertar a tensão de um grande torneio. Sempre mais pastas, com o atum a ganhar à carne, sem as batatas fritas que outrora comia. O final do último ano não foi fácil para a espanhola, mas a troika constituída por Conchita Martínez (parte técnica), Laurent Lafitte (parte física, um problema nos primeiros anos de carreira) e Alicia Cebrián (fisioterapeuta responsável pela recuperação após os jogos) ajudou-a a chegar ao topo. E à velocidade de um cometa, capaz de se colocar entre Terra e Venus para ganhar o título em Wimbledon.

Há 41 dias, Muguruza abandonou a conferência de imprensa após a derrota nos oitavos-de-final de Roland Garros a chorar. Queixou-se do público. Hoje, só tem razões para sorrir. E o público de Wimbledon retribuiu-lhe isso.

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