A história multimilionária da Yupido começou a invadir o Twitter na terça-feira, depois de um professor da Universidade do Minho ter descoberto que o valor do capital social da empresa atingia 28,8 mil milhões de euros. Mas o estranho caso da Yupido — que tem duas vezes o capital social da Galp ou 15 vezes o da Sonae — começa a 20 de julho de 2015, quando Cláudia Sofia Pereira Alves, Torcato André Jorge Claridade da Silva, Filipe Antunes Besugo e os advogados da Pares Advogados Tiago André Rodrigues Gama e Sofia Cristina Asseiceiro Marques Ferreira constituem a Yupido S.A.

Capital inicial: 243 milhões de euros. Sede jurídica: Rua Tomás da Fonseca, Torre G.1, 1º andar, em São Domingos de Benfica, mas não há lá ninguém a trabalhar. Esta morada corresponde a um escritório virtual das Torres de Lisboa, onde estão sediadas várias empresas.

O Observador apurou que algumas das reuniões de trabalho que os fundadores da Yupido tinham com pessoas externas à empresa aconteciam num apartamento na zona de Telheiras. Dirigimo-nos para lá. Quando chegámos à morada indicada por fonte próxima dos fundadores — um prédio onde constam apenas quatro espaços para escritórios — questionámos um dos vizinhos sobre qual era a porta da Yupido, explicámos que se tratava de uma empresa de consultoria formada por jovens e que éramos jornalistas do Observador. Só havia duas portas que não tinham indicação do nome da empresa e a vizinha apontou, de imediato, para aquela que correspondia à nossa descrição.

Quando tocámos à campainha, houve alguém que se aproximou e abriu o “olho mágico”, que permite ver quem está do lado de lá da porta, e o movimento foi facilmente audível no silêncio do corredor do prédio. A partir daí, silêncio total do lado de lá, apesar de a luz estar acesa e do ruído inicialmente ouvido. Tocámos várias vezes à campainha, batemos à porta. Nunca ninguém abriu. Uma hora e meia depois, continuávamos a bater à porta e a afirmar que éramos jornalistas do Observador. Não obtivemos resposta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Voltámos aos vizinhos e mostrámos as fotografias de Torcato Jorge e Filipe Besugo. Um deles reconheceu-os de imediato, e sem margem para dúvidas disse que trabalhavam naquele espaço e que via sempre entrar “uns quatro ou cinco jovens” para o apartamento. Outro vizinho confirmou, salvaguardando que estava no local há pouco tempo, que estes jovens até o tinham ajudado num episódio barulhento e caricato com a caixa de correio. Outro, também no prédio há pouco tempo, não reconheceu a imagem destas duas pessoas, apesar de efetivamente ver alguns jovens naquele escritório, inclusive uma rapariga de óculos, mas que se cruzaram poucas vezes, não são muito faladores e que “até acha que vivem e dormem ali também”.

Torcato Jorge e Filipe Besugo desapareceram entretanto das redes sociais, mas pelo que o Observador pode apurar foram militantes da Juventude Popular (organização política jovem autónoma do CDS-PP) até lançarem a empresa. Pertenciam à concelhia de Loures, mas demitiram-se em novembro de 2015 e no início de 2016. Torcato Jorge, que estudou Ciência Política no ISCTE, foi o primeiro a sair da Juventude Popular “por motivos profissionais”. Pouco depois, Filipe Besugo informou que ia juntar-se ao amigo e demitiu-se também. “Sumiram-se” depois disso, diz fonte da Juventude Popular que reforça que depois deste momento não se soube mais do seu paradeiro.

O Observador já tinha contactado a empresa na quarta-feira e o porta-voz Francisco Mendes informou por email que os fundadores só estavam disponíveis para uma conversa pelo telefone ou presencial na próxima terça-feira. Francisco Mendes encontrava-se no estrangeiro, o número de telefone tinha o indicativo dos Estados Unidos. Antes de facultar o seu contacto para que pudéssemos conversar pelo telefone, Francisco Mendes pediu que lhe indicássemos o número da carteira profissional da jornalista que iria fazer a entrevista, para que pudesse colocar essa informação “na base de dados”. O número do título profissional — embora público — foi enviado de imediato.

De acordo com o que foi avançado pelo jornal Expresso, Francisco Mendes diz que “o capital tem por base uma operação global”, que a empresa trabalha “em tecnologias de informação” e que “está a preparar plataformas que visam servir pessoas e empresas” e que os primeiros serviços seriam “lançados para o ano”. A mesma publicação avança que a empresa opera em Portugal com as marcas Quaquado e a Kuaboca (o porta-voz da Yupido não explicou do que se tratavam) e que a Polícia Judiciária já estava a “analisar” a empresa.

Contas de 2016 não foram aprovadas pelo ROC

O relatório e contas da empresa em 2016, consultado pelo Observador, dá conta de prejuízos no valor de 21.570 euros, depósitos à ordem em bancos no valor de 243,297 milhões de euros, um passivo a fornecedores no valor de 217,23 euros e um aumento de capital em bens em espécie ou intangíveis (isto é, não em dinheiro) no valor de 28.524.864.970, ou seja, de 28,5 mil milhões de euros. Não há registo de pagamentos a funcionários ou a sócios. Não há vendas. Não há, até à data, registo de que a Yupido tenha colaboradores.

No relatório e contas de 2016 da Yupido há indicação de que foi sido emitida uma certificação legal das contas da empresa, e que esta se apresentava “sem reservas e sem ênfases”. Mas não tinha anexada a habitual certificação assinada pelo Revisor Oficial de Contas (ROC) da empresa, José Rito, da J.Rito & Associada, que comprova a veracidade desta informação. O Observador apurou que não foi emitido qualquer relatório pela parte do ROC, porque o auditor não “estava satisfeito com a informação que foi dada” para justificar o aumento de capital da empresa.

Ou seja, “não havia informação suficiente para concluir que aquele valor (os mais de 28 mil milhões) estava correto. “Não havia no relatório objetividade para dizer se aquele ativo estava ou não conforme”, apurou o Observador. O auditor José Rito já tinha entretanto apresentado a sua exoneração à empresa, suspendendo a ligação que tinha à Yupido.

“Era uma coisa do outro mundo”

O aumento de capital da empresa foi efetuado no início do ano de 2016 e assinado pelo Revisor Oficial de Contas (ROC) António José Alves da Silva, independente à empresa. Segundo o que foi avançado pelo Eco, José Alves da Silva escreveu no relatório que avalia os bens da empresa em cerca de 28,8 mil milhões, que se tratava de uma “plataforma digital inovadora de armazenamento, proteção, distribuição e divulgação de todo o tipo de conteúdo media” e que se destacava “pelos algoritmos que a constituem”.

Contactado pelo Observador, José Alves da Silva confirmou o valor que deu ao bem intangível da Yupido e que a tal plataforma digital inovadora “era uma coisa do outro mundo”, pedindo para ser contactado mais tarde.

José Alves da Silva é consultor da sociedade de advogados Rogério Fernandes Ferreira & Associados, tem mais de 50 anos de carreira, reconhecido pelos seus pares como um dos profissionais mais respeitados da área. Foi também reconhecido como “Senador da Fiscalidade” pelo Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal e pela Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, numa sessão onde foi orador o então ministro da Saúde Paulo Macedo. Foi presidente da Sociedade Portuguesa de Contabilidade e do Conselho Técnico da Câmara dos Técnicos de Contas.

Para este aumento de capital, apurou o Observador, Cláudia Alves, uma das sócias administradoras, entrou com 19,9 mil milhões de euros nos tais bens em espécie, Torcato Jorge participou com 8,3 mil milhões de euros igualmente em espécie e Filipe Besugo 275,8 milhões de euros em bens intangíveis.

A Yupido assume-se como uma empresa de serviços de “consultoria para os negócios e gestão, bem como, todas as atividades que garantam a concretização dos fins estabelecidos. Consultoria tecnológica e desenvolvimento de serviços de informação, bem como gestão e tratamento de informação. Fornecimento de infraestruturas para domiciliação, serviços de processamento de dados e atividades relacionadas. Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades que asseguram o bom desenvolvimento das anteriores. Inclui também as atividades especializadas de domiciliação, tais como: domiciliação de páginas Web (Web hosting), serviços de streaming ou domiciliação de aplicações, serviços de fornecimento de aplicações, disponibilização de tempo de mainframe”. Ou seja, é uma espécie de faz tudo da era digital.

A isto, junta a “prestação de serviços de contabilidade e auditoria e todas as atividades associadas, bem como, consultoria fiscal. Consultoria de design, que envolve várias áreas de intervenção, quer no domínio da criação de projetos específicos, quer de consultoria”.

O presidente do Conselho de Administração é Torcato Jorge e a vice-presidente é Cláudia Alves, mas na estrutura que a empresa apresenta no site o presidente executivo é Hugo Martins. Pedro Malafaia é o responsável pelo desenvolvimento tecnológico, Torcato Jorge pelo Marketing, Cláudia Alves pela parte financeira, Filipe Besugo pelas vendas e há, ainda mais quatro membros com cargos de chefia. A lista de pessoas ligadas à empresa termina aqui.

*Com Ana Suspiro e Rui Pedro Antunes