Foi distinguido por duas vezes com o prémio máximo da indústria musical norte-americana, mas prefere não criar grandes expectativas quanto à próxima edição dos Grammys, já em janeiro, cujas nomeações serão divulgadas a 28 de Novembro.

Quando lhe perguntamos se espera ser nomeado, ouve-se uma gargalhada do outro lado do telefone. E sai esta resposta: “Não fiz o disco a pensar nos Grammys, isso é um extra, é secundário. Se a nomeação acontecer, excelente, mas não trabalho a pensar nisso.”

Gregory Porter é neste momento um dos cantores mais mediáticos de jazz e da soul e tem um novo disco, Nat ‘King’ Cole & Me, a editar esta semana pela Blue Note. É esse o mote da conversa com o Observador.

Trata-se do quarto longa-duração de Porter, ex-ator estreado nos discos há apenas sete anos com o álbum Water. Uma fulgurante ascensão levou-o depois a assinar pela Blue Note: Be Good (2012), Liquid Spirit (2013) e Take Me To The Alley (2016) – estes dois últimos vencedores do Grammy para Melhor Álbum de Jazz Vocal.

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[teledisco de “Smile”, primeiro single do novo álbum]

O mais recente registo contém 15 temas, clássicos de Nat King Cole na sua maioria: “Quizás, Quizás, Quizás”, “Nature Boy” “Smile” ou “The Lonely One”. Uma das canções é da autoria do próprio Gregory Porter, “When Love Was King”, original de 2013.

“Nat King Cole faz parte de mim e esteve na raiz do meu entendimento sobre o que é a música”, explica o intérprete, a partir de Dublin, na Irlanda, onde esteve há poucos dias a promover o disco.

“Ele foi uma das minhas primeiras influências, ouvia-o com cinco, seis, sete anos, e adorava. Era mais do que a música, as letras também me seduziam. Aos seis anos, com um pai ausente, ouvia a música do Nat e retirava dali os conselhos de um pai. Foram canções que me ajudaram a curar feridas. Foi sempre assim que ouvi o Nat pela vida fora. A discografia dele é tão extensa que é como se tivesse um tema para cada momento da nossa vida.”

Nat King Cole morreu em 1965, aos 45 anos, precisamente a idade atual de Gregory Porter, e indiretamente ensinou-lhe que “as emoções são o mais importante” para um intérprete. “Com ele aprendi a levar a voz mais abaixo, e depois acima, para com isso interpretar as letras com clareza e sabedoria. Foi um enorme intérprete e soube levar sentimentos às pessoas”, sublinha Porter.

O álbum tem a participação de Vince Mendoza, conhecido maestro que aqui dirigiu a London Studio Orquestra, com 70 instrumentos. As gravações repartiram-se entre os EUA e a Europa. As canções de big band foram registadas nos famosos Capitol Studios, em Los Angeles, por onde passaram Frank Sinatra, os Beach Boys e o próprio Nat King Cole. “Usámos o mesmo microfone que o Nat usava, foi excelente”, comenta Gregory Porter. O outro local foi o lendário estúdio londrino AIR, fundado em 1969 pelo produtor George Martin (1926-2016), considerado o quinto elemento dos Beatles, por ter tido um papel determinante nos álbuns do quarteto de Liverpool.

Filho de uma pastora protestante e intérprete de gospel, Gregory Porter nasceu em Sacramento e cresceu em Bakersfield, na Califórnia, tendo-se virado para a música já perto dos 30. Viveu 13 anos em Brooklyn, Nova Iorque, e começou por ser ator de teatro musical. Em 2004, escreveu uma peça autobiográfica, homónima do álbum agora editado.

“Cantar foi uma descoberta tardia que fiz. Era um daqueles sonhos impossíveis, com os quais às vezes já nem sonhamos, porque não se realizam. A ideia de ter uma carreira como cantor e de atuar perante cinco mil pessoas era um sonho impossível para mim, em criança. Fui criado numa família humilde, a humildade era um valor importante. Ter milhares de fãs e vender milhões de discos era algo que nem me passava pela cabeça. Por isso, acho que ainda estou a viver um sonho”, revela.

Novamente radicado em Bakersfield, Gregory Porter passa agora a maior parte do tempo fora de casa. Pelas suas contas, dá entre 200 e 250 concertos por ano.

“Adoro estar em casa, mas há um fascínio enorme em andar pelo mundo ao encontro de quem me quer ouvir, seja na África do Sul, em Singapura ou no Reino Unido. Ainda estou a viver um sonho e continuo a beliscar-me para ter a certeza de que estou acordado”, reforça.

Os portugueses puderam vê-lo pela primeira vez ao vivo em 2013, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Tem regressado com frequência. Passou festival Cool Jazz, em Oeiras; pela Casa da Música, no Porto; pelo Coliseu de Lisboa; por Matosinhos e pelo Theatro Circo de Braga.

“Nat ‘King’ Cole & Me”, quinto álbum de Gregory Porter, é publicado na sexta-feira, dia 27

O barítono diz que a voz não se ressente da agenda preenchida. Chá de limão e gengibre é um dos segredos, afirma. “Tento descansar, embora quando chega a hora de ir dormir ainda esteja a pé, em bares e clubes. Mas, sim, tento descansar, é muito importante. Também evito estar em ambientes muito frios e uso sempre roupa para me proteger” – ele, cuja imagem de marca é um gorro passa-montanhas (ou balaclava), adereço um tanto misterioso, sabendo-se apenas que passou a usá-lo quando há alguns anos foi submetido a cirurgias no rosto.

“O público dá-me alento e a minha voz também recupera bem. A única coisa de que não gosto são as viagens muito, muito longas. Aliás, mesmo com tantos concertos não trabalho tanto quanto trabalhava a minha mãe, por isso, a minha voz aguenta”, confia.

Além de Nat King Cole, cita como influências Abbey Lincoln (1930-2010), Donny Hathaway (1945-1979) ou Marvin Gaye (1939-1984) e reafirma uma ideia que tem deixado noutras entrevistas: a vontade de juntar o jazz e a música de inspiração cristã. “Não é uma vontade original”, explica. “Todos os nomes que me influenciaram passaram pelo gospel, que é onde a música acontece com enorme capacidade de expressão. É a isso que me refiro, à capacidade de cantar com uma grande emotividade, sentir de verdade, estar próximo da letra.”