No sábado, se perguntassem a quente a Bruno de Carvalho o que iria fazer após o que se passou na assembleia geral do clube, era muito provável que o presidente do Sporting avançasse com a demissão. Depois, se ia ou não avançar num próximo ato eleitoral, logo se veria; no entanto, o líder verde e branco, a quem alguns acusaram de fazer uma tempestade num copo de água, tinha enchido o copo e as últimas gotas vieram da reunião magna. No domingo, entre os posts que foi publicando, recebeu inúmeras mensagens de apoio. Pediram-lhe para repensar, prometeram dar mais o peito às balas por ele e começou a repensar. Seguiu-se a derrota no Estoril, outro facto que levou a uma maior ponderação. Esta segunda-feira, já depois depois da reunião com os restantes membros do Conselho Diretivo, que voltaram a apelar à continuidade, a decisão foi mesmo a de ficar no comando do clube. Mas com um ponto: vai fazer depender essa medida dos resultados de uma nova assembleia geral.

As regras de “jogo” são simples: no próximo dia 17 de fevereiro, a partir do início da tarde, haverá uma nova assembleia geral, desta feita no Pavilhão João Rocha (o que deixa no ar a possibilidade de uma adesão sem precedentes na era de Bruno de Carvalho a não ser a reunião magna no Pavilhão da Ajuda sobre a reestruturação financeira). E com três pontos: novos estatutos, regulamento disciplinar e continuidade ou não imediata dos órgãos sociais. Nos dois primeiros, é necessário um total de 75% para serem aprovados; se não alcançar esse registo, a direção demite-se em bloco. Ou seja, o futuro da liderança verde e branca está nas mãos dos sócios. E promete ser um dia escaldante em Alvalade. Até porque, cá fora, à comunicação social, Bruno de Carvalho deixou uma outra garantia: “E caso existam novas eleições, nunca mais voltarei”.

Após a conferência, Bruno de Carvalho garantiu que não voltará ao clube se houver novas eleições (Foto: João Porfírio/Observador)

Após anunciar, de novo via página oficial do Facebook, que a decisão pessoal estava tomada, que haveria reunião de direção às 16 horas e que, duas horas depois, seria feita uma comunicação oficial sobre o assunto. Não foi à hora inicialmente marcada, longe disso, mas o tabu foi finalmente desfeito. E foi desfeito perante muitos associados que responderam ao apelo deixado por Bruno de Carvalho e quiseram estar presentes neste momento que será sempre marcante no trajeto deste segundo mandato do atual líder na presidência do clube.

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Entre domingo e segunda-feira, as pistas das linhas fortes do discurso de Bruno de Carvalho já tinham sido deixadas: a enumeração de mais de 50 “sportingados” entre páginas nas redes sociais, ex-dirigentes, ex-candidatos derrotados a órgãos sociais do clube, ex-atletas de referência (incluindo um “campeão surpresa”, que não quis nomear, e que mais para a frente irá abordar de forma concreta) e até antigos apoiantes nos sufrágios eleitorais anteriores; o seu resumo da assembleia geral, com várias críticas não só a quem o critica mas também à própria Mesa da Assembleia Geral, liderada por Jaime Marta Soares; e a denúncia dos encontros de sportinguistas com rivais, bem como a passagem de informação confidencial para a comunicação social.

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“O Sporting é um clube que, de quem está deste lado, exige um esforço que quem não está aqui não consegue perceber. Não ir ao jardim com a minha filha, não ir ao café, ir a peças de teatro onde mudam textos da peça para me chamarem atrasado mental como já aconteceu… Têm noção da exposição pública e dos meus posts no Facebook mas não têm noção do que é viver uma vida de completo sequestro durante cinco anos ou sete. Vou lendo os fóruns, dizem que não gosto de ser criticado. É falso. Não vamos é confundir diferenças de opinião com ofensa gratuita, difamação e isso começa a pesar, voltar a ver o Sporting, em termos internos, regressar aos tempos antigos não quero. E é verdade, algumas pessoas exageram na forma como às vezes me defendem por gostarem do meu estilo, mas também se deve perceber que se queira mostrar alguma gratidão”, começou por referir.

“As pessoas às vezes têm memória curta e são ingratas. Claro que cometo erros e vou cometer, tal como todos. Não podemos numa assembleia geral ter sócios que acham que em vez de democracia se vive em anarquia, que chamam o presidente de mentiroso, que mandam baixar a bolinha… Este é o Sporting da treta, da manipulação… Criou-se uma mentira em torno dos estatutos e não posso admitir trabalhar 24 sobre 24 horas e nem sequer poder discutir as coisas. Não concordam, votem 100% contra; brincar com o nosso trabalho é que não. O que fizeram foi uma falta de respeito. Nem estamos agarrados ao poder nem queremos ganhar tudo, apresentamos o nosso trabalho e depois dizem sim ou não”, prosseguiu, sem nunca abrir por completo o jogo.

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“Ligar a pormenores pequenos? Não se deixem enganar, no Sporting nada é pequenino, por cada pedrinha que se levanta aqui temos lá dezenas de lacraus… Acha bem ter feito uma lista de pessoas? No momento em que se diz que sou contra todas as pessoas que dizem mal, disse não, é com estas pessoas. A diferença é entre sportinguistas e sportinguistas de azia. E não é a azia da Amoreira com que estamos hoje todos. Estou a ser humilhado e difamado por sportinguistas há sete anos. Que fizeram cartazes e puseram na 2.ª Circular, que fizeram flyers, que fazem grupos que acham que são muito privados no Facebook, que se arrogam no direito de fazer comunicados meia hora antes de uma reunião importante… Eu ganho o quê em perpetuar-me aqui? Custa-me que continuemos manipulados por grupos e grupinhos. Há quase um ano que digo: quando não se estima, às vezes olha-se para o lado e ninguém está lá, e as pessoas acham que isto é porque me agrada ou que preciso”, queixou-se, recordando os lamentos que foi deixando numa série de intervenções no ano passado.

Bruno de Carvalho falou num sentimento autofágico que existe no Sporting desde a sua existência (Foto: João Porfírio/Observador)

“Democracia é ser censurado por tudo? Há um homem que faz uma coisa onde me chama drogado e as minhas filhas têm de crescer a ver isto? Coloco muitos processos? Gatuno, entrou com três mil euros para comprar um cofre, tenho provas que andas a roubar, drogado… Estavam à espera do quê? Tenho de aguentar o quê? Antes de ser presidente do Sporting sou pai, filho, tenho família e pessoas em casa. Avance comandante… Qual é exército? Quando olho para trás vejo sempre uma parede. As pessoas têm de ser livres, não libertinas; têm de estar à vontade, não é para estarem à vontadinha”, atirou, reforçando a questão de falta de militância.

“Quem foram as pessoas que colocaram os requerimentos na assembleia geral? Carlos Severino, Pedro Paulino e Rui Morgado. Quem foi o associado que disse o que estava bem, o que estava mal, qual era o artigo? É normal que eu não diga a um ex-presidente que é um sportinguista aziado quando diz que o meu lugar é no manicómio? Ou que sou um garoto ou uma trampa. À frente é só sorrisos e depois é o grupo da Versailles, o do Café Império. Mas acham que eu não me preparei para ser presidente? Que não conheço isso tudo? E não podemos andar sempre com o chavão dos 90%, aliás viu-se na assembleia. Disse o que tinha para dizer, o Sporting deve ter um regulamento disciplinar condizente com a sua condição. Isto passa-se no Sporting há 112 anos, esta coisa do grupo, grupinhos e grupetes é desde que nascemos, desde aí que temos este sentimento autofágico”, destacou.

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“Quem cá está e faz um bom trabalho tem de ser protegido. O que é esse chavão do clube não é presidente? Mas é claro que o Sporting vai continuar a existir, mas afinal o que é que isso quer dizer? O que provoca grande celeuma é isso do método de Hondt? Se propus é porque acho que é o melhor pelo princípio da responsabilização: se não fazem bem, assembleia geral e rua. O método de Hondt deixa-nos desatentos, faz passar a responsabilidade para outros e foi esse falso sentido de segurança que quis tirar. Mas isto era tudo debatido e falado, agora nunca esta direção tirou representatividade e devemos ser os mais claros e transparentes do mundo. Esse é que se calhar foi o erro! E tanto que mudou no futebol com o meu Facebook: o vídeo-árbitro, os fundos, as denúncias. Acham que vou porque me apetece? Não, porque é aquilo que eu acredito. E foi nisso que votaram”, prosseguiu.

No final da comunicação no auditório Artur Agostinho, Bruno de Carvalho falou aos jornalistas (Foto: João Porfírio/Observador)

“Cheguei a um clube todo falido e sempre disse que queria títulos europeus, sempre! Tudo se inverteu. Fizemos uma reunião, a seguir estivemos reunidos com a Assembleia Geral e com o Conselho Fiscal. No próximo dia 17 às 14 horas vamos fazer uma AG no Pavilhão João Rocha. Três pontos: novos estatutos, regulamento disciplinar e se querem ou não a saída imediata dos órgãos sociais. Se algum dos pontos não passar, e é preciso 75%, saímos. Está na altura de mostrar se querem ou não estes órgãos sociais e este presidente ou não. Sei que existe aí alguém preparado para ser presidente que manda os peões de brega à frente, veremos. Mas uma coisa é certa: é a última vez que vai acontecer isto comigo. Arrumem as cabeças, já basta aturar os outros”, anunciou.