“Temos de ver o que queremos para o nosso clube. Aquilo que se está aqui a passar é igualzinho ao que assisti na assembleia geral da Liga. O Conselho Diretivo vai reunir-se para decidir se se demite ou não”.

Pouco tempo depois do final da assembleia geral do Sporting no passado sábado, que terminou de forma precipitada entre as 20h30 e as 21 horas sem a votação de dois dos oito pontos que estavam na ordem de trabalhos, já circulava um vídeo com as últimas palavras de Bruno de Carvalho na reunião magna no Multidesportivo de Alvalade. Quando soube, o presidente leonino não gostou. Não que fizesse questão de guardar segredo (que também sabia ser muito complicado, tendo em conta o teor da frase em causa), mas por um sinal de respeito. Por si e pelos próprios trabalhos. Mas essa foi apenas mais uma gota no seu descontentamento.

No sábado à noite, se Bruno de Carvalho tivesse de tomar uma decisão em torno do seu futuro no Sporting, era possível que avançasse mesmo com um pedido de demissão, ficando em gestão até ao final da época (se depois seria ou não candidato, isso era outra questão). E porquê? Porque confirmou na assembleia geral três ideias que foi formando nos quase cinco anos que leva na liderança do clube. O principal, a militância. Ou a falta dela.

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Num dos pontos da inflamada intervenção no início da assembleia geral, que durou quase uma hora, o número 1 verde e branco insurgiu-se contra quem tinha criticado de forma prévia a alteração estatutária à alínea k) do 21.º artigo (Deveres dos sócios). O que dizia a proposta desse novo ponto? Que os associados do clube devem “dar conhecimento ao Conselho Diretivo do exercício de quaisquer cargos sociais, incluindo a mera participação em listas
eleitorais para os mesmos, em outras coletividades desportivas, bem como do exercício de funções de representação de outras coletividades desportivas, associações ou federações desportivas a que pertençam”. “Aiiiii, o homem quer montar um Big Brother… Não! Queremos saber com quem contamos e onde contamos para que nos possam dar o seu know how. Mas será que têm de ver maldade em tudo?”, exclamou.

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Do que se fala aqui? Militância. Ou falta dela, no entender de Bruno de Carvalho. E essa é uma ideia que não é de agora: já antes das últimas eleições, no ano passado, o presidente leonino tinha aflorado o tema em entrevista. “Os outros têm um exército que se mexe e influencia, nós não. Estou a falar dos que podem ter uma intervenção pública, como presidentes de câmaras, aqueles que estão em Procuradorias ou na Assembleia da República. Não digo que sejamos beneficiados, não é isso, mas que tenham militância e não exista medo de assumi-la”, comentou. Mas há mais: também por culpa próprio, sente-se sozinho na hora de dar a cara. E com isso foi-se desgastando. Ao ponto de ser apelidado agora pelos seus críticos como alguém que quer provocar a censura para se eternizar no poder.

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Há o desgaste na condição de presidente do Sporting a defender o clube para fora e o desgaste na condição de presidente do Sporting a defender-se, a atacar e a contra-atacar para dentro. Não é segredo que Bruno de Carvalho tem (e terá) uma particular atenção a tudo o que se passa nas redes sociais e, quando se sente visado, tão depressa responde em termos públicos como envia mensagens. Esta parte não é novidade. Mas, nos últimos tempos, sente que esses ataques passaram a linha limite no plano pessoal (como mostrou num post feito no Facebook este domingo) e essa é uma realidade que recusa aceitar. Até porque a isso junta mais dois pontos: ter visto através dos emails de responsáveis do Benfica tornados públicos ou de outros que lhe vão chegando que existem ex-dirigentes e associados que passam informação interna do Sporting; e não se sentir apoiado nas denúncias anónimas que foram feitas na Procuradoria-Geral da República e que motivaram a abertura de inquéritos por parte do Ministério Público. Para uns, queria arranjar defesa via estatutos; para outros, espera que também lhe façam uma defesa.

Por fim, uma questão de reconhecimento. “Somos a direção mais escrutinada da história do Sporting”, chegou a dizer na assembleia geral do clube. Ao longo de cinco anos, e partindo de uma situação limite onde os leões estavam no fundo em termos desportivos e financeiros, Bruno de Carvalho conseguiu a reestruturação, construiu o pavilhão, aumentou o número de modalidades, foi à procura de títulos europeus (que alcançou, no atletismo, no andebol e no hóquei em patins) e apenas no futebol não tem conseguido os resultados que pretendia a nível de troféus. Na assembleia, e sem que nada disso fosse referido, ouviu acusações como em mais nenhuma tinha ouvido. Perante isso, “pegou-se” verbalmente com alguns associados. Alguns, de forma dura. E revoltou-se com o sucedido, atribuindo também culpa à forma como a Mesa conduziu os trabalhos desde o atraso no seu arranque.

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Perante este cenário, Bruno de Carvalho chegou a estar inclinado para apresentar o pedido de demissão. E foi o próprio a alimentar essa ideia. “Mais dois títulos europeus para a saída ser em grande”, escreveu. Mas as coisas foram mudando este domingo. Veremos se, 36 horas depois, mudaram o suficiente para ficar.

A derrota no Estoril, a primeira ao fim de 30 jogos nas três provas nacionais na presente temporada (Campeonato, Taça de Portugal e Taça da Liga), acabou por refrear a intenção de saída: qualquer anúncio nesse sentido poderia provocar um clima de instabilidade que em nada beneficiaria a equipa nas três frentes que tem ainda em aberto (Primeira Liga, Taça e Liga Europa). É como aquela velha lei que o futebol português fez questão de enraizar com o passar dos anos: a diferença entre o estado de graça e a desgraça pode ser dois ou três resultados.

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Ao mesmo tempo, e desde a manhã de domingo, Bruno de Carvalho foi recebendo mensagens de variados quadrantes pedindo para que reconsiderasse a sua posição, o que lhe provocou um sentimento de conforto que não sentira na véspera. Mensagens telefónicas, através das redes sociais e até na Amoreira, onde foi levantada uma tarja na zona onde estavam as claques que dizia “Bruno, a nossa união é de aço. 90% estão do teu lado”.

Todos estes pontos serão debatidos e levados em consideração na reunião desta segunda-feira do Conselho Diretivo em Alvalade. Sendo que, recuando na intenção de sair, Bruno de Carvalho sabe que alguns dos problemas que o levaram a ponderar a demissão não irão desaparecer; a questão é a forma como tentará contorná-los. Que, como se viu sobretudo na parte final da última assembleia, pode não ser uma tarefa fácil. Certo é que estarão três cenários em cima da mesa: permanecer no cargo; demitir-se, haver um novo sufrágio e avançar de novo como candidato (muito provavelmente com algumas mexidas na equipa que iria avançar aos quatro órgãos sociais); ou demitir-se e não avançar no próximo ato eleitoral. Desta decisão sairá tudo o resto. Porque a decisão em si, qualquer que seja a sua causa, terá sempre uma consequência. Tal como nos quase cinco anos de mandato que o atual líder já leva no clube, capazes de gerar amores e ódios dentro e fora do Sporting.