A requisição civil de bens, serviços ou empresas só deve ser imposta pelo Governo em “casos excecionalmente graves” para “assegurar o regular funcionamento de certas atividades fundamentais” que afetem “um setor da vida nacional ou uma fração da população”, conforme a legislação em vigor desde 1974 (Decreto-Lei nº 637/74 de 20 de novembro). Na resolução de Conselho de Ministros desta quinta-feira um dos argumentos é o degradar do “elemento identitário e agregador simbolizado pela natureza das respetivas festividades [Natal e passagem de ano]”.

O que é uma requisição civil?

O Decreto-Lei de 1974 foi aprovado em Conselho de Ministros e promulgado pelo então Presidente da República, Francisco da Costa Gomes. Agora, o atual executivo, volta a usar esta forma legal para obrigar, pelos menos, 70% dos trabalhadores da TAP a apresentarem-se ao serviço nos dias anunciados da greve 27, 28, 29 e 30 de dezembro. Ou, pelo menos, os que “se mostrem necessários para assegurar o regular funcionamento da atividade de transporte aéreo”, segundo a portaria publicada em Diário da República. O objetivo é garantir que todos os voos que estavam previstos se realizam.

É em reunião de Conselho de Ministros que se decide a necessidade da requisição civil e se cria a portaria que a efetiva. Nela devem constar qual o objetivo e duração, assim como “o regime de prestação de trabalho” e, até, se será necessária a intervenção das forças armadas. A requisição pode decretar que o funcionamento normal do serviço público ou empresa seja garantido, mas também pode definir apenas um conjunto limitado de serviços ou, pelo contrário, “pode determinar-lhe uma atividade de natureza diferente do normal, desde que assim o exijam os interesses nacionais que fundamentam a requisição”.

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No caso da presente requisição o período diz respeito os quatro dias previsto de greve com o objetivo de assegurar todos os serviços o grupo TAP deveria prestar durante esses dias. Nada mais se pede aos trabalhadores do que cumpram as “funções que lhes estão habitualmente cometidas no âmbito da estrutura e dos quadros da respetiva empresa, bem como dos deveres a que estão obrigados”.

Os transportes e as comunicações, o abastecimento de água e energia, a prestação de serviços hospitalares ou de salubridade pública, são alguns dos serviços tidos como essenciais. Mas na lei de 1974 também se incluem como “serviços essenciais de interesse público ou de setores vitais da economia nacional”: as explorações mineiras, a construção e reparação de navios ou o “funcionalismo do sistema de crédito”. A legislação acrescenta ainda que “a requisição civil dos navios ou aeronaves nacionais pode executar-se fora do território nacional, efetivando-se por notificação da requisição na sede da empresa proprietária ou exploradora”. O mesmo acontecendo agora: “A presente portaria requisita, dentro e fora do território nacional” os trabalhadores do grupo TAP.

É possível uma requisição civil antes de definidos os serviços mínimos?

Enquanto o presidente do Conselho Económico e Social, Silva Peneda, e o secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, ambos em entrevista à TSF, defendem que a requisição civil não pode ser aprovada antes de se verificar se os serviços mínimos são cumpridos ou não, os juristas dividem-se na interpretação desta regra. Uns defendem que só pode ser aprovada após o primeiro dia de incumprimento dos serviços mínimos, outros que pode ser aprovada antecipadamente, mas só se pode tornar efetiva após o primeiro dia de incumprimento, lê-se na página da Rádio Renascença. António Vilar, especialista em Direito do Trabalho, disse ao Expresso que “a antecipação pode ter lugar, mas a sua efetivação só pode acontecer se durante a greve não forem cumpridos os serviços mínimos”.Contudo, os serviços mínimos só serão definidos na sexta-feira.

O que motivou as requisições anteriores?

À requisição decidida esta quinta-feira juntam-se outras duas. A primeira foi em 1977, a outra em 1997. Na primeira requisição civil, 1977, o Governo de então recorreu ao argumento da recuperação económica, mas em 1997, tal como agora, o que pesou na decisão foram os emigrantes – desta feita, os viajantes de verão. Na resolução do Conselho de Ministros de 1997 lê-se que a TAP representava “uma das principais modalidades utilizadas pelos emigrantes portugueses que aproveitam a época estival para estreitar os laços de solidariedade que unem as comunidades portuguesa”.

De que forma podem ser penalizados os trabalhadores?

Embora a penalização dos trabalhadores que não cumpram a requisição civil não conste na legislação de 1974, o ministro da Economia, António Pires de Lima, disse esta quinta-feira que se tirariam as “devidas consequências de qualquer desrespeito que eventualmente se viesse a fazer relativamente a esta decisão”. O que se refletiu na portaria publicada: “A competência para a instauração de processos disciplinares é cometida ao conselho de administração da sociedade à qual o trabalhador está vinculado, para os efeitos e nos termos definidos na lei”. Porém, se os trabalhadores faltosos forem acusados de abandono ou negligência das funções podem ser acusados de crime e condenados a um ano de prisão ou a uma multa de 120 dias.

Em 1997 vários trabalhadores da TAP não se apresentaram ao emprego, entregando uma justificação de falta por motivo de doença. Ainda que uma baixa fraudulenta possa originar faltas injustificadas ou o pagamento de uma multa, pode ser efetiva na falta de comparência dos funcionários nos dias de greve, porque o comprovativo só tem de ser entregue até cinco dias úteis depois da primeira falta.

Em caso de incumprimento da requisição, sem justificação válida, os trabalhadores “ficam sujeitos à disciplina e à justiça militar, que é muito mais dura”, disse António Vilar. “A expulsão ou a prisão são as sanções mais graves a aplicar”. Acrescentando que se todos adoecerem ao mesmo tempo, é motivo suficiente para se fazer uma “averiguação da prova apresentada”. A única forma de os sindicatos impedirem esta requisição civil é mediante a apresentação de uma providência cautelar, mas o especialista em Direito do Trabalho não quis abordar essa hipótese. Mas, conforme noticia o Expresso, não é uma possibilidade que os sindicatos descartem.

Serve a requisição civil de garantia aos clientes da TAP?

Com uma imposição do Governo para que os mais de mil voos sejam assegurados, mas cientes que os trabalhadores podem mesmo assim faltar ao trabalho, os clientes não têm certezas sobre a situação. A única certeza, neste momento, é que a TAP já não aceita o reembolso dos bilhetes ou a transferência das reservas para outras companhias, apenas a alteração dos voos para datas propostas pela empresa, noticiou o Público. Contudo, segundo o comunicado da Associação Portuguesa de Direito do Consumo a requisição obriga não só os trabalhadores a comparecer, como a empresa a assegurar os serviços. “Quem vir a sua viagem prejudicada por cancelamento ou atraso de voo deve invocar os seus direitos perante a companhia, como o direito ao reembolso, alternativa de viagem e assistência de viagem, e até uma indemnização pelo transtorno causado”, disse Mário Frota, presidente da associação.

Para quem já tenha alterado o voo e pretender voltar à data original, o melhor é contactar diretamente a empresa, seja pela página no Facebook, seja pela linha de apoio aos utilizadores 707 205 700.

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