O futebol é um fenómeno que muitas vezes pode provocar o síndrome da memória curta. Um dia uma equipa pode ser a melhor do mundo aos olhos dos seus adeptos, no seguinte as palmas podem transformar-se em assobios. Por isso, e quando olharmos para trás daqui a uns tempos, é mais provável que recordemos o 1-0 que foi insuficiente para superar o Atl. Madrid nos quartos da Liga Europa do que propriamente uma exibição gigante que os leões fizeram contra um adversário que esteve recentemente duas vezes na final da Champions mas esta noite foi vulgarizado em Alvalade. À parte disso, esta eliminatória será lembrada por outros aspetos. E durante mais tempo.

Do golo sofrido aos 22 segundos em Madrid, o primeiro que o Sporting consentido no minuto inicial 30 anos depois em termos históricos, à crise que se abriu no futebol leonino após as críticas de Bruno de Carvalho no Facebook a alguns atletas, a segunda vez que os leões cruzaram com o Atl. Madrid teve a sua história. Mais uma, entre muitas da formação verde e branca contra adversários espanhóis. E estas são as sete principais que antecederam a de 2018.

Um dia inteiro a chover, a rega extra e os passos de Meszaros

Apesar de ter sido a primeira equipa portuguesa a participar num jogo europeu em 1955 (por sinal, o primeiro de sempre, quando empatou a três com o Partizan de Belgrado no Jamor), o Sporting defrontou pela primeira vez uma equipa espanhola na temporada de 1982/83, nos quartos de final da Taça dos Clubes Campeões Europeus. A Real Sociedad seguiu-se ao Dínamo Zagreb e ao CSKA Sófia e o nível de dificuldade aumentou bastante: conhecidos pela agressividade e entrega, os bascos jogaram para o resultado e foram traídos em Alvalade por um golo de Manuel Fernandes ao carismático Arconada a dois minutos do final. A equipa de Alberto Ormaechea mostrava-se confiante para a segunda mão, que deixaria os leões indignados antes do apito inicial: após um dia de dilúvio, os responsáveis decidiram regar o relvado do estádio Atocha numa aberta sem chuva, colocando o relvado mais pesado. António Oliveira, então treinador, pediu para os jogadores trocarem de botas, mas estaria difícil de jogar. E a Real Sociedad venceu mesmo, com golos de Laranaga (41′), após um livre indireto por falta do guarda-redes leonino Meszaros que terá dado mais de três passos com a bola nas mãos, e Bakero (69′). Os espanhóis seriam depois eliminados pelos alemães do Humburgo, que conquistaram a competição depois de vencerem a Juventus na final por 1-0.

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O dia em que Futre se apresentou ao mundo europeu de futebol

Na época seguinte, o Sporting estreou-se nessa Taça UEFA frente ao Sevilha, naquela que muitos consideram ter sido a maior deslocação de sempre de adeptos leoninos a um encontro europeu. Após o empate na Andaluzia (com golos de Magdaleno, na primeira parte, e Manuel Fernandes, no segundo tempo), os leões conseguiram passar a eliminatória num encontro de loucos em Alvalade, onde estiveram duas vezes em vantagem (Montero, aos 27′, e Alvarez, aos 47′, marcaram para os espanhóis) até à reviravolta consumada por Mário Jorge, aos 62′, e Oliveira, a um minuto do final (Buyo tinha feito autogolo aos 32′). Ponto curioso? Foi nesse confronto que Paulo Futre se estreou nas provas europeias pelos leões, tornando-se então o mais novo de sempre a atuar na competição (17 anos e 198 dias). E ajudou a virar o jogo da segunda mão.

Jordão, um artista que fez em Bilbau o que ninguém mais “conseguiu”

Para quem ainda se recorda ou para quem ouviu as histórias dos mais velhos, Jordão era daqueles avançados que dava gosto ver. Máquina de golos à parte, o avançado que antes passara pelo Benfica era daqueles jogadores que tinha classe em tudo o que fazia. E era correto em campo, sempre correto. Por isso, acaba por ser quase antagónico quando esta história tem o internacional português como interveniente: em 1985, na terceira ronda da Taça UEFA (antes os leões tinham eliminado o Feyenoord e o Dínamo Tirana), o conjunto verde e branco então comandado por Manuel José defrontou o Athl.Bilbao no San Mamés e viu Jordão ver um cartão amarelo… ainda antes do apito inicial (ameaçou duas vezes o pontapé de saída, explicou ao árbitro que os adversários já estavam no seu meio-campo e acabou punido). Os bascos, orientados por Javier Clemente e com alguns jogadores que depois seriam referências no Barcelona (Zubizarreta, Goicoechea ou Julio Salinas), chegaram ao 2-0 com golos de Sarabia e Salinas mas, quando já estavam reduzidos a dez (Jordão seria mesmo expulso mais tarde, por acumulação de cartões), os leões, que jogavam sob protesto pelas condições do relvado, reduziram por Meade. Em Alvalade, tudo se inverteu e Manuel Fernandes (19′), Meade (55′) e Sousa (74′) deram a vitória por 3-0 na segunda mão.

Fernando Mendes teve direito a lagosta, Roberto estragou o prato principal

A temporada de 1986/97 ainda hoje está marcada no Sporting em termos europeus, com a maior vitória de sempre como visitante na deslocação à Islândia para defrontar o Akranes (9-0, seguido de um 6-0 em casa). Na segunda eliminatória da Taça UEFA, os leões cruzaram logo com o poderoso Barcelona que tinha Gary Lineker como uma das grandes figuras. No Camp Nou, Negrete (que ganhou esta semana o prémio para melhor golo marcado num Mundial) teve uma oportunidade de baliza aberta que desperdiçou antes de Julio Alberto, aos 73′, fazer o único golo da partida num livre indireto onde se ouviu o apito depois da sua marcação mas que acabou por ser válido. Os catalães venceram pela margem mínima mas, em Alvalade, Negrete (41′) e Meade (60′) colocaram o conjunto verde e branco na frente, o que valeu ao jovem lateral Fernando Mendes uma lagosta por ter ganho a aposta com o treinador Manuel José de que faria duas assistências para golo. No entanto, faltou o prato principal: Roberto, num grande golo a seis minutos do final, fez o 2-1 que valeu a passagem aos blaugrana.

Quando a receita não é tudo (e a culpa é sobretudo dos postes)

O Sporting não foi propriamente bafejado pela sorte no sorteio da primeira eliminatória da Taça UEFA, cruzando logo com o Real Madrid que tinha sido reforçado a Michael Laudrup, ex-Barcelona (e ainda havia Zamorano, Hierro, Luis Enrique ou Michel, entre outros). Martín Vázquez, num lance onde Lemajic acabou por ser traído por um desvio, inaugurou o marcador logo aos 12′ mas foram os leões a dar espetáculo, com Sá Pinto, Oceano e Juskowiak a gelarem o Santiago Bernabéu com bolas no poste e na trave em que Buyo nada poderia fazer. No segundo jogo, com Alvalade cheio e uma receita recorde acima dos 200 mil contos (os bilhetes para a central custavam 15 contos), Sá Pinto inaugurou o marcador logo aos três minutos mas Laudrup, aproveitando uma saída fora de tempo da baliza de Lemajic, fez o empate que durou até aos 31′, quando Oceano fez o 2-1. No segundo tempo, a equipa de Carlos Queiroz carregou mas os ferros voltaram a frustrar as intenções verde e brancas, quando Juskowiak rematou rasteiro, a bola bateu no poste, andou a passear na linha, Cadete ainda conseguiu passar para trás mas a recarga de Balakov bateu num defesa merengue e acabou por sair pela linha de fundo.

O gesto de paz antes da batalha campal (que teve dois episódios distintos)

A época de 2009/10 foi das mais conturbadas para o Sporting, que viu em novembro Paulo Bento sair após quatro anos no comando da formação sénior. Carlos Carvalhal entrou para o seu lugar e, após a passagem num grupo que tinha Heerenveen, Ventspils e Hertha Berlim, levou a equipa ao triunfo por 3-0 frente ao Everton, após derrota por 2-1 em Liverpool. Seguia-se o Atl. Madrid nos oitavos de final da Liga Europa, naquele que foi um duelo que passou todos os limites fora dos relvados (e que motivou um reforço policial para novo cruzamento agora em 2018) mas começou com um gesto de “paz”, muito aplaudido no Vicente Calderón: os leões levaram uma coroa de flores em homenagem às vítimas dos atentados de 11 de março de 2004 (coincidiu com o dia de jogo), num jogo sem golos e com expulsões de Grimi e Tonel. Já tinham existido alguns atos de violência em Espanha, mas na segunda mão o cenário foi muito pior, tendo começado logo à hora de almoço quando membros da claque Frente Atleti tentaram invadir a sede da Juventude Leonina no estádio. O resto do dia foi marcado pela tensão, tal como o jogo que ao intervalo já registava 2-2 (Liedson e Polga; Agüero) e assim ficou, com os colchoneros a passarem. Em paralelo, este encontro marcou também a confirmação do litígio entre Izmailov e Costinha, então diretor desportivo.

O minuto 88 onde um velho conhecido impediu que se fizesse história

Jorge Jesus falhou a qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões na época de estreia pelo Sporting (na polémica eliminatória com o CSKA Moscovo), mas depois do segundo lugar em 2015/16 teve entrada direta na temporada seguinte e fez a estreia logo contra o Real Madrid, no Bernabéu. E foi uma exibição quase perfeita, para gáudio dos milhares de adeptos que se deslocaram até à capital espanhola, coroada com um golo de Bruno César aos 48′. No entanto, os últimos cinco minutos acabaram por ser fatídicos e frustraram a ambição leonina: através de um livre direto, Ronaldo fez empate a dois minutos do final e Morata, nos descontos, apontou o 2-1 que deu o triunfo aos merengues, que se sagrariam depois campeões europeus.

Os confrontos do Sporting com equipas espanholas, todos nos últimos 35 anos, foram os seguintes:

* 1982/83, Taça Campeões Europeus: Real Sociedad, 1-0 (casa) e 0-2 (fora)

* 1983/84, Taça UEFA: Sevilha, 1-1 (fora) e 3-2 (casa)

* 1985/86, Taça UEFA: Athl. Bilbao, 1-2 (fora) e 3-0 (casa)

* 1986/87, Taça UEFA: Barcelona, 0-1 (fora) e 2-1 (casa)

* 1988/89, Taça UEFA: Real Sociedad, 1-2 (casa) e 0-0 (fora)

* 1994/95, Taça UEFA: Real Madrid, 0-1 (fora) e 2-1 (casa)

* 2000/01, Liga dos Campeões: Real Madrid, 2.2 (casa) e 0-4 (fora)

* 2008/09, Liga dos Campeões: Barcelona, 1-3 (fora) e 2-5 (casa)

* 2009/10, Liga Europa: Atl. Madrid, 0-0 (fora) e 2-2 (casa)

* 2011/12, Liga Europa: Athl. Bilbao, 2-1 (casa) e 1-3 (fora)

* 2016/17, Liga dos Campeões: Real Madrid, 1-2 (fora) e 1-2 (casa)

* 2017/18, Liga dos Campeões: Barcelona, 0-1 (casa) e 0-2 (fora)

* 2017/18, Liga Europa: Atl. Madrid, 0-2 (fora) e 1-0 (casa)