A presidente do conselho de administração da Fundação de Serralves, Ana Pinho, voltou a desmentir esta quarta-feira quaisquer interferências no trabalho no diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea da fundação, João Ribas, que se demitiu face ao que considerou ingerência e censura na exposição dedicada ao fotógrafo Robert Mapplethorpe. “Em Serralves não há nem nunca houve censura. Não haverá complacência à falta de verdade”, afirmou Ana Pinho, em conferência de imprensa.

Ana Pinho afirmou que as acusações de interferência no trabalho do diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves reportavam a uma eventual retirada de duas fotografias previamente selecionadas para a exposição e à criação de um núcleo reservado a público adulto. A presidente do conselho de administração de Serralves reitera que “não mandou retirar quaisquer obras de exposição” e que “todas as fotografias expostas foram escolhidas pelo curador” da exposição.

As 20 obras que não foram expostas, por iniciativa do curador, não justificam nenhuma ação de censura”, acrescentou, afirmando que o próprio João Ribas “propôs que a exposição” em questão “tivesse um núcleo reservado com as obras mais sensíveis, com esclarecimento à entrada sobre o caráter mais sensível” dessas imagens. João Ribas, disse, “propôs que houvesse uma sala restrita. Se não concordava com os avisos [colocados] teve toda a oportunidade para se pronunciar sobre isso, coisa que não fez”.

A questão dos avisos é essencial para perceber as acusações de censura feitas ao conselho de administração da fundação de Serralves. Há quem considere que se não apenas os avisos sobre o conteúdo das obras, mas a restrição de acesso foi imposta pelo conselho de administração e não pelo curador, artista ou programador, tal configura um caso de ingerência ao trabalho do diretor artístico e de censura artística. Desde que estalou a polémica, a Fundação de Serralves já alterou os avisos sobre o conteúdo das obras. Anteriormente estava impresso a grande dimensão, colocada com letras escuras na porta. Agora o aviso está mais discreto, assim:

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2 fotos

A exposição dedicada ao fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe “foi proposta pelo curador e pelo diretor do museu. E desde o princípio que a proposta contemplava a existência de uma área reservada. Não houve qualquer contestação em relação a isso, foi absolutamente pacífico”, apontou ainda Ana Pinho, que revelou que o conselho de administração não falou pessoalmente com João Ribas, já que a demissão aconteceu “por e-mail”.

Sobre as 20 obras que não foram incluídas na exposição, Isabel Pires de Lima, que integra o conselho de administração da fundação, afirmou que “deverão corresponder às que o curador [João Ribas] por sua única e exclusiva iniciativa não incluiu”. Ana Pinho admitiu estranhar “que seja um número tão grande de obras” a ficar de fora, até porque “as obras estão aqui, foram pagas, estão emolduradas”.

Pedro Lapa: “Obviamente, houve censura” na exposição de Mapplethorpe

Relativamente ao próximo diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, sucessor de João Ribas, o conselho de administração da Fundação afirma estar “a conversar sobre como fazer. Como habitualmente vai ser de uma forma transparente”. Questionada sobre se existe um mal estar em Serralves desde que assumiu a presidência do Conselho de Administração, Ana Pinho preferiu evitar a pergunta: “Não vou aqui responder a esse tipo de questões”.

A conferência de imprensa é sobre a exposição Mapplethorpe. Mas não deixa de ser estranho que nos dois anos e meio desta administração, os resultados obtidos, absolutamente excecionais, tenham sido obtidos num clima interno tão conturbado”, referiu Isabel Pires de Lima, do conselho de administração da fundação.

Na conferência de imprensa, estão presentes, além de Ana Pinho e Isabel Pires de Lima, Manuel Cavaleiro Brandão, José Pacheco Pereira e Manuel Ferreira da Silva, também eles membros do conselho de administração.

O conselho de administração de Serralves: Pacheco Pereira, Ferreira da Silva, Ana Pinho, Isabel Pires de Lima e Manuel Cavaleiro Brandão. (Leonel de Castro/Global Imagens)

A administração da Fundação de Serralves tinha convocado para esta quarta-feira uma conferência de imprensa para “abordar assuntos relacionados com a Instituição”, explicou em comunicado. O anúncio surgiu dias depois de rebentar a polémica com a exposição de Robert Mapplethorpe que estará na origem da demissão de João Ribas do cargo de diretor artístico.

Joana Vasconcelos? “Não vou responder”

Além do “caso Mapplethorpe”, Serralves viu-se envolto numa polémica recente, a propósito da inclusão de uma exposição antológica sobre a carreira de Joana Vasconcelos que está prevista para o próximo ano. João Ribas, diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea que recentemente se demitiu, não terá sido o responsável pela decisão de incluir a exposição no programa de Serralves.

Ao jornal Expresso, Isabel Pires de Lima afirmou: “O João Ribas não era diretor do museu quando foram feitos os primeiros contactos. Era a Suzanne Cotter. O João Ribas nunca se manifestou contra a exposição de Joana Vasconcelos”. O problema é que, ao jornal Público, anterior diretora, Suzanne Cotter, afirma não ter sido responsável pela programação da exposição, pelo que a decisão poderá ter partido do próprio conselho de administração. Questionada sobre esse caso, a presidente da Fundação, Ana Pinho, recusou falar do assunto: “Não vou responder”, disse.

Pacheco Pereira: “Há muita inveja”

José Pacheco Pereira, membro do conselho de administração da fundação, também falou durante a conferência de imprensa desta quarta-feira. Começou por dizer quer tem “uma vida e uma formação diferente da que teve a Ana Pinho”, presidente, mas que nunca viu “ninguém num conselho de administração que trabalhasse pro bono, que não recebe salário, a defender tão bem os interesses de Serralves como a Ana. Há muita inveja”.

Lembrando que o museu é “visitado por crianças”, Pacheco Pereira defendeu que a administração não podia “correr o risco de pais e professores processarem Serralves por obras que considerem chocantes”. Obras que, apontou, por “responsabilidade”, “nenhum jornal passou na primeira capa nem passaram em nenhum noticiário”. Tal não é exatamente verdade, já que algumas televisões (pelo menos a SIC) mostraram nos seus serviços informativos obras que o conselho de administração considerou serem “sensíveis”.

Não houve retirada de nenhuma obra, estão lá todas. As 20 obras [muitas das quais sem nenhum conteúdo sexualmente explícito] foram separadas pelo curador em função da economia da exposição. Não tivemos nenhuma responsabilidade a não ser ter que as pagar. Se o curador tinha objeções sobre a conceção final da exposição, não devia ter apresentado a assinatura dele próprio sobre o resultado final. Sou muito sensível a acusações de censura e em Serralves não houve nenhuma censura, houve um sentido de responsabilidade sobre crianças de 5, 6, 7, 8, 9 anos. Não há censura nenhuma, está lá tudo”, apontou ainda o comentador político.

Polémica atrai visitantes

O diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, João Ribas, apresentou na sexta-feira a sua demissão, porque “já não tinha condições para continuar à frente da instituição”, explicou ao jornal Público. Uma saída que surge depois de a administração ter limitado a maiores de 18 anos uma parte da exposição dedicada ao fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe, comissariada por Ribas, e ter alegadamente imposto a retirada de algumas obras com conteúdo sexualmente explícito.

À entrada de uma das salas da exposição está uma placa com a indicação: “Dado o caráter sexualmente explícito de obras expostas nesta área, o acesso à mesma é reservado a maiores de 18 anos e a menores acompanhados dos respetivos representantes legais”. Contudo, num primeiro aviso, lia-se afixado na porta: “Alertamos para a dimensão provocatória e o caráter eventualmente chocante da sexualidade contida em algumas obras expostas. A admissão nesta sala está reservada a maiores de 18 anos”.

Exposição de Mapplethorpe em Serralves recebeu 6.000 visitantes em quatro dias

Num comunicado enviado no sábado, o Conselho de Administração da Fundação de Serralves garantiu que “não retirou nenhuma obra da exposição”, composta por 159 fotografias, “todas elas escolhidas pelo curador”, João Ribas. A administração acrescenta ainda que “desde o início a proposta da exposição foi apresentar as obras de cariz sexual explicito numa zona com acesso restrito”, afirmando que considerou “que o público visitante deveria ser alertado para esse efeito, de acordo com a legislação em vigor”.

No entanto, há registo de que a exposição contaria inicialmente com 179 obras, conforme foi apresentado à imprensa. Um funcionário confirma que houve muitas alterações em cima da abertura: “dias antes, horas antes”. As fotos em falta, explicou na altura fonte de Serralves, teriam sido retiradas pelo próprio Ribas e apenas duas conteriam representações sexualmente explícitas. Na versão apresentada por Michael Ward Stout, sempre foram 159 as fotos previstas e, destas, duas foram removidas pelo diretor demissionário. Algo que Isabel Pires de Lima, da administração de Serralves, diz estranhar: “Surpreende-nos que ele [João Ribas] tenha excluído 20 obras. É bastante penalizador para a fundação, que pagou 179.”

Já Paulo Mendes, artista e curador, sustenta o argumento de interferência da administração. “Durante os três últimos dias de montagem foram feitas três visitas por elementos da administração às salas de exposição. Esses três elementos da administração, Ana Pinho, Isabel Pires de Lima e Manuel Ferreira da Silva, durante essas visitas apontaram várias obras que tinham de mudar de localização na exposição”, disse ao jornal i. “Essas ‘imagens de sexo’ tinham de’ser remetidas para as salas do fundo, de acesso restrito. A exposição tinha de ser expurgada do teor sexual e potencialmente controverso”, reforçou.

“A exposição teve que ser remontada três vezes por imposição da administração. Se a administração acha que está a falar verdade, então mostrem as imagens da montagem e depois vemos quem está a falar verdade. Nessas salas havia várias pessoas.”

Na sequência desta situação, no domingo, dezenas de pessoas manifestaram-se para exigir a demissão do Conselho de Administração da Fundação de Serralves.

Carta aberta à administração de Serralves contra restrições a Mapplethorpe

Em reação ao protesto, Isabel Pires de Lima, em representação do Conselho de Administração da Fundação, considerou surpreendente o processo de contestação à presidente da instituição, Ana Pinho, dizendo não haver motivos para a demissão da administração.

Mal estar dentro da fundação

A exposição, com fotografias de nus, flores, retratos de artistas como Patti Smith ou Iggy Pop e imagens de cariz sexual foi inaugurada na quinta-feira. Serralves apresentou esta segunda-feira a programação da 10.ª edição da Festa de Outono que, ao contrário do que é habitual, não teve a presença de nenhum elemento da administração.

O aparente mal estar vivido dentro da fundação há muito que é comentado por quem trabalha em Serralves e também por quem já passou pela instituição. Paulo Mendes considera que “uma pessoa como a presidente Ana Pinho, que vem da área da gestão e que não tem qualquer relação com a arte contemporânea, devia deixar que aqueles que conhecem e têm experiência exercessem o seu trabalho, não ingerindo e tomando decisões que ela acha que correspondem ao público que quer agradar para poder ter mais visitantes.”, diz ao Observador. “É o caso de exposições que não eram do agrado da direção artística [de João Ribas] como a da Joana Vasconcelos. De uma forma informal, sabemos que essa não é uma exposição que faz muito sentido na linguagem e no discurso que Serralves quer construir.

Outro momento de mal estar é relatado ao Observador por um ex-funcionário. “Há um aspeto que posso falar que é muito anterior à minha saída que tem a ver com a Grande Gala de Setembro 2014: foi um momento da comemoração dos 25 anos de Serralves”, conta. “A dra. Ana Pinho não era presidente, mas foi a dra. Ana Pinho que dirigiu o processo da gala. Aí sentiu-se alguma interferência de cima para baixo, talvez tenha sido o primeiro momento em que se tenha sentido alguma interferência. Havia tensão que vinha de cima e se calhar sendo a dra. Ana Pinho que liderava esse processo, é fácil de associar.”