Quando a vida de treinador não correu assim tão bem no Rayo Vallecano (2003) e Real Madrid B (2008/2009), Julen Lopetegui aventurou-se no mundo encantado das palavras. O tiki-taka do papel ganhava forma em construções de frases sedutoras, em transições com ritmo e ideias com força, para deixarem o leitor a pensar. É esse o poder da retórica. A identidade de quem escreve é como o futebol que uma equipa de futebol pratica: único, prometedor ou vulgar. As reflexões são muitas, mas por ocasião do FC Porto-Bayern Munique é obrigatório selecionar o que o basco disse sobre Pep Guardiola, o rival de quarta-feira.
O atual treinador do FC Porto assinava o blog “Lopeteguía” no jornal La Información e o Observador, qual 007 do mundo online, encontrou algumas ideias e cartas de amor à doutrina de Guardiola, que datam de 2009. Lopetegui comparou o Barça de Pep ao Milan de Sacchi, descreveu uma lição do catalão e até convidou Maradona, o então selecionador argentino, a imitar Guardiola. Vamos a isto?
“A diferença entre uma equipa feita (Barça) e um onze de estrelas em formação (Real Madrid)” — 21 de outubro, 2009
“Jogadores diferentes fazem um futebol diferente”, foi assim que atual treinador do FC Porto começou o texto. “O onze de Guardiola é uma equipa, uma equipaça, que interpreta o futebol na perfeição quando não tem a bola.” Depois, explicou que uma equipa é muito mais do que um conjunto de estrelas. Foi aqui que puxou a fita atrás e comparou esse Barça ao Milan de Arrigo Sacchi, que ficara na história, segundo o basco, por causa da pressão na hora de defender. Essa foi a inovação, é redundante mencionar os craques holandeses e defesas italianos que por lá andavam…
O jogo coletivo do Barça, dizia então, estava “acima de tudo”. Era isso que o cativava, era isso que ele gritava ao mundo: uma equipa de jogadores que estão na mesma página é mais importante do que uma com craques que muitas vezes resolvem recorrendo à arte individual.
A explicação para Lopetegui era simples: “Pellegrini [o então treinador do Real Madrid] tem de conseguir que os seus jogadores cheguem a um nível de compromisso tão alto sem bola, que aconteça como no Barcelona, que quando perguntam a alguns jogadores sobre [o desempenho de] Ibrahimovic não respondem que remata bem, nem que é goleador… o que mais destacam é que Ibrahimovic ‘está muito comprometido com a pressão'”. As ideias, o fascínio do passado pelo objetivo comum e o discurso de agora de Lopetegui vão sempre na mesma direção: equipa engole o individual.
“O Barcelona volta a encantar e o Real Madrid continua a viver na dúvida” — 25 de outubro, 2009
Neste texto Lopetegui fez uma curta análise a todas as equipas da Liga Espanhola, definindo de forma clara o que gostava e o que não gostava. No Barça agradava-lhe o estilo e o compromisso que continuava vivo entre jogadores, equipa técnica e clube. “É uma equipa que toda a gente sabe que joga bem. (…) Por cima de qualquer consideração, é uma equipa muito compacta defensivamente.”
As palavras mais simpáticas tinham Pep como alvo: “Encanta-me como Guardiola gere as distintas situações. Dá inteligência e equilíbrio a tudo o que rodeia a equipa, e consegue manter a mesma concentrada no mais importante, libertando-a de qualquer pressão que chegue de fora.”
E o que não gostava Lopetegui? O basco diagnosticava na altura que as consecutivas vitórias pudessem estar a roubar pujança e agressividade ao Barça. O atual treinador do Porto também não era fã de plantéis curtos. Nem da forma como a Argentina, seleção, afetava Messi. Este é, aliás, o tema que o Observador deixou para o fim, por ser deliciosa a comparação entre Maradona e Pep.
“A lição de Guardiola é mais importante que os três pontos” — 25 de novembro, 2009
“Jogo redondo do Barcelona. Mas mais do que pelo resultado, pelo impressionante golpe de autoridade e de autoestima que deu a equipa”, assim começava. O cronista opinava sobre a vitória do Barcelona sobre o Inter. “Guardiola elevou à máxima expressão o significado da palavra ‘equipa’, e saiu-lhe na perfeição.” Mais uma vez, sempre a paixão pelo coletivo, objetivo comum, jogador comprometido sobre o craque egoísta.
O que mais agradou a Lopetegui foi o porquê da ausência de Messi e Ibrahimovic, que estavam em dúvida, mas que até poderiam ter jogado ainda que arriscando algo mais grave. Pep preferiu sentá-los no banco, lançando Pedrito e Henry. “Messi e Ibra podem ser tão decisivos no Barcelona, ou em qualquer outra equipa, que jogar a Champions sem eles soa a ousadia e até a inconsciência”, escreveu Lopetegui. “Mas Guardiola voltou a enviar uma mensagem transcendental à equipa, que reafirma tantas vezes e na qual acredita de verdade. Para Guardiola todos os jogadores são importantes.” Mais: “O Barcelona de Guardiola demonstrou ontem que é a equipa que faz grandes as individualidades.” O fascínio pela liderança do catalão era evidente…
“Maradona ou Guardiola? Quem gostarias de ter como chefe? Pois, o Messi também” — 23 de outubro, 2009
O antigo jogador da Real Sociedad, Real Madrid, Logroñés, Barcelona e Rayo Vallecano parece ter aprendido rápido a magia e o poder dos títulos. Quem não está tentado a ler este texto? Ainda para mais com este arranque: “O futebol é muito semelhante à vida. À tua, à dos teus amigos, à de todos.” A temática desta crónica andava à volta da eterna conversa sobre a pressão que sofrem os craques, a quem lhes é exigido que joguem nas seleções como nos clubes. Era Messi quem estava no centro desta reflexão.
“As declarações contínuas de Maradona sobre Messi só servem para retirar-lhe naturalidade e adicionar-lhe pressão. Não se pode responsabilizar Messi pelo êxito ou fracasso da albiceleste. Como se toda a culpa fosse sua. Como se o facto de o mundo continuar a existir amanhã dependa apenas dele.” De seguida, fez a tal analogia com a vida do comum dos mortais. Como seria se um patrão colocasse tanta pressão no êxito de uma empresa em cima dos ombros de apenas um funcionário? Ele iria trabalhar melhor? Pois…
“Agora vejamos o que diz Guardiola. Porque o que Pep faz é sacar-lhe as pedras da mochila [as que Maradona havia colocado]. Tira-lhe peso e devolve-lhe o ar que necessita para fazer uma cueca, arrancar sem pensar, tentar uma loucura em solitário… A Guardiola não lhe falta exigência. É tremendamente exigente com os seus jogadores, mas também consigo mesmo. E Guardiola sabe que Messi é um tipo absolutamente responsável e auto-exigente.”
“A principal diferença entre os dois chefes é que Guardiola confia plenamente em Messi e no que ele demonstra. Pep sabe que a maioria dos grandes futebolistas é responsável. Mas Maradona não pensa igual. Nem lhe transmite segurança. Exige quando deveria motivar.”
E qual seria a solução de Maradona, senhor Lopetegui? “Maradona pode encontrar uma resposta muito fácil: fazer como Guardiola”. Et voilà!