“Qualquer caminho leva a toda a parte/Qualquer ponto é o centro do infinito.” As palavras são de Fernando Pessoa, a história poderia ser a de Julen Lopetegui e Pep Guardiola. É que o basco e o catalão partilharam o mesmo infinito e agora, o tal qualquer caminho que leva a toda a parte, junta-os nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. Aquele abraço cúmplice no Estádio Vicente Calderón, para observar o Atlético-Leverkusen, atestava a amizade, mas estava longe de adivinhar um duelo entre ambos. Sabe o que venceram juntos?

Comecemos pela troca de galhardetes na conferência de imprensa, na véspera do jogo no Estádio do Dragão (quarta-feira, 19h45). Primeiro foi Guardiola, que falou em sorte e elogiou o futebol do FC Porto. “O Julen e eu temos sorte por estarmos aqui. Quando éramos novos não esperávamos estar um dia nos quartos-de-final da Liga dos Campeões e de estarmos os dois a treinar equipas enormes como Porto e Bayern. Por isso, temos muita sorte…”

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As palavras têm peso, saem da boca de alguém que na aventura no Barcelona conquistou 14 dos 19 troféus que disputou. A cabeça pensadora de Guardiola mudou o futebol, tal como outrora fizeram Rinus Michels (pai do “futebol total”), Johan Cruyff e Arrigo Sacchi, por exemplo. Antes, os únicos reis das camadas jovens eram aqueles com as melhores cuecas e golos. No pós-Guardiolismo começaram a circular nas redes sociais vídeos de muitas equipas que haviam adotado o estilo do passe curto, ousado e arriscado. Ganhar é o mais importante, dirão muitos, mas ganhar com identidade ou estilo próprio é a maior conquista de todas.

Pep deu ainda os parabéns a Lopetegui, pelo trabalho desenvolvido no Dragão e por serem a única equipa sem derrotas na competição. O tom de voz era sincero, sereno, algo roco, com um tom muito digno de quem sabe do que fala. O catalão lamentou ainda as ausências, que do lado do Porto serão apenas “dedos das mãos”, enquanto do lado bávaro serão mesmo “as duas mãos” — Schweinsteiger, Robben, Ribéry, Benatia e Alaba estarão fora de combate.

Julen Lopetegui respondeu no mesmo tom simpático: “As palavras são recíprocas. Somos dois treinadores espanhóis que se vão defrontar, com objetivos diferentes mas que se respeitam. Tenho um grande carinho e respeito por Guardiola, um dos melhores treinadores da história”, sentenciou o treinador basco do FC Porto.

GUARDIOLA E LOPETEGUI VENCERAM QUATRO CANECOS JUNTOS EM BARCELONA

Mas onde e quando começou a caminhada lado a lado? Foi em Camp Nou, Barcelona, em 1994, altura em que o ex-guarda-redes se mudou para a Catalunha. Nesse mesmo verão ganhou o primeiro troféu nos culés. O treinador era Johan Cruyff, um dos homens que inspirariam Pep Guardiola como treinador. A Supertaça jogava-se contra o Zaragoza, a duas mãos, uma em cada estádio. A primeira correu maravilhosamente, mas na baliza esteve Carles Busquets, o pai de Sergio Busquets, o atual trinco do Barça — Guardiola entrou na segunda parte. Dois-zero, com golos de Stoichkov e Amor.

A segunda mão, desta vez com Lopetegui (n.º17) e Guardiola (n.º7) no ‘onze’, foi uma complicação: 5-4 para o Zaragona, em Camp Nou, perante 70 mil adeptos. Higuera fez um hat-trick para os visitantes, enquanto Stoichkov e Begiristain, ambos com um bis, minimizaram as coisas. Lopetegui teve muitos problemas, e chegou a dar um frango depois de um livre direto. Foi suada, mas foi assim a primeira conquista da dupla Julen-Pep nos blaugrana.

O segundo troféu de ambos voltou a ser uma Supertaça de Espanha, em 1996. Na primeira mão a baliza pertenceu a Vítor Baía e o Barça venceu por 5-2, com golos de Ronaldo (2), Giovanni, Pizzi e De La Peña. Guardiola, já com o número 4, e Figo foram também titulares. A segunda mão, desta vez com Lopetegui, voltou a traduzir-se em derrota, embora suficiente para a conquista do troféu: 1-3. Bobby Robson levou a melhor sobre Radomir Antić.

As conquistas mais importantes ficaram para o fim, o último ano de Lopetegui em Barcelona (1997). O único caneco europeu que levantaram, um daqueles por que agora vão combater, foi conquistado em Roterdão: era a velhinha Taça das Taças, lembra-se? Baía foi o titular, Busquets o suplente, por isso Lopetegui ficou na bancada a ver. Do outro lado estava o PSG de Ricardo Gomes, o ex-central do Benfica, que contava com craques como Leonardo e Raí — Daniel Kenedy ficou no banco. Ronaldo, o “Fenómeno”, marcou o único golo da final. Este jogo é muitas vezes recordado pelo especial abraço entre Guardiola e José Mourinho, treinadores que dariam que falar muitos anos depois.

A derradeira memória em conjunto remonta, ironicamente, ao Estádio Bernabéu numa noite de junho de 1997. Julen Lopetegui voltou a ficar de fora das opções de Robson, mas viu os companheiros tratarem bem do assunto: 3-2 vs. Betis, após prolongamento. O duelo quentinho, observado por cerca de 82 mil adeptos, foi apimentado por golos de Figo (2), Pizzi, Alfonso e Finidi. Guardiola esteve em campo durante os 120′. Ah, que bela viagem ao passado, hein?

QUARTOS-DE-FINAL DO EUA-94

Para o Campeonato do Mundo nos Estados Unidos, Javier Clemente, o então selecionador, escolheu três guarda-redes para a aventura do outro lado do oceano. Zubizarreta recebeu o número 1, que anunciava a titularidade; Cañizares vestiu o 13 e Julen Lopetegui o 22, o último da lista. Guardiola também estava nesse lote: recebeu o estranho número 9. O quatro, o que ele mais gostava, pertenceu a Francisco Camarasa, do Valência.

Lopetegui jogava no Logroñes, clube para onde se mudou depois de uma discreta passagem pelo Real Madrid, entre 1985 e 1991. O guarda-redes não disputou nem um minuto nesse Campeonato do Mundo, que seria vencido dramaticamente pelo Brasil depois do penálti falhado de Roberto Baggio. E o que foi de Guardiola? Foi apenas titular contra a Alemanha (1-1) e Bolívia (3-1) na fase de grupos. Ou seja, falhou o primeiro duelo contra a Coreia do Sul e os jogos dos “oitavos” e “quartos”, contra a Suíça (3-0) e Itália (1-2), respetivamente.