— Boa tarde, Manuel José. Daqui Hugo Tavares da Silva, do jornal Observador…

— Donde?

— Observador.

— Olhe que eu já vejo mal, amigo (eheheh). Já estou velho. Dê-me meia hora, já falamos.

Era quinta-feira à tarde. Os minutos passaram e a conversa sobre o clássico lá arrancou, com o entusiasmo e desenvoltura já habituais. A pergunta essencial centrava-se nas escolhas do treinador do Benfica perante jogos grandes, aqueles especiais e decisivos. O que significam, ao nível da mensagem e estratégia, algumas alterações táticas ou mudanças de jogadores mais ou menos inesperadas? Pelo menos para o público.

As utilizações de Rúben Amorim e David Luiz como laterais contra o Liverpool na Liga Europa (1-4), em 2010, quando havia Fábio Coentrão e Maxi Pereira no banco — os laterais que haviam jogado na 1.ª mão, que sorrira aos homens da Luz por 2-1 (bis de Cardozo, de penálti) –, é um exemplo. Tal como a decisão de colocar David Luiz a defesa esquerdo com a missão de travar Hulk, no tal 5-0 no Estádio do Dragão. Estes são, porventura, os exemplos que ganharam o direito à eternidade nas conversas entre amigos e rivais. Enquanto uns adeptos usam estas alterações como arma de arremesso, para justificar o receio e medo de Jesus, outros entendem as opções do treinador, que quererá sobretudo olhar para a solidez defensiva e ser mais pragmático. Mas, já se sabe, é como diz este experiente treinador entrevistado pelo Observador: “Jogar ao totobola à segunda-feira todos jogamos.” Ou seja, falar depois é fácil.

Manuel José, que foi treinador do Benfica entre janeiro de 1997 e outubro de 1997, considera que a primeira surpresa de Jesus poderá passar pela utilização de André Almeida na esquerda, em vez de Eliseu. “Os extremos do FC Porto são rápidos e hábeis, e o André Almeida defende muito melhor do que o Eliseu. A atacar é mais fraco, não é canhoto.”

Mas, lá está, esse tipo de alteração não passará uma mensagem de receio ou desconforto com o que vem aí? “Se agarrarmos no André Almeida, a mensagem é a solidez defensiva e o caráter defensivo do jogador.” Quando já estava aberta a porta para concluir, afinal, que as mudanças indicam um recuo, um stop na ambição caseira do costume, Manuel José antecipa-se, agarra na bola e explica que não é bem assim.

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“Eu dou um exemplo. Eu era treinador do Sporting quando ganhámos 7-1 ao Benfica [1986/87], em Alvalade. Joguei em contra-ataque em nossa casa, porque conhecia as características do Benfica. O Veloso com 34 anos, depois Dito, [António] Oliveira e Álvaro [Magalhães], com uma certa idade e um défice de velocidade. Perdíamos a bola, baixávamos todos. Não marcámos mais porque não calhou!”, garante. O Observador agarrou-se à calculadora e confirmou que, afinal, António Veloso tinha 29 anos. Mas as histórias deste treinador são tantas, com números e pormenores que nunca mais acabam, que acaba por ser natural verificarem-se lapsos.

E os jogadores, como recebem essa mensagem? Como aceitam que vão estar fechados e a tentar explorar o contra-ataque, em casa? Estamos a falar de um Sporting… “Foi um pouco estranho para eles, mas treinámos durante a semana. Fiz a análise na altura, sem os meios que há hoje, naturalmente. Expliquei-lhes as características do meio-campo e defesa do Benfica. Eles eram melhores do que nós, tanto que foram campeões, mas tínhamos jogadores que podiam aproveitar essa veteranice e a falta de velocidade dos quatro defesas, como Mário Jorge e Litos. Depois, contávamos com o poderio físico do [Raphael] Meade e a categoria do Manuel Fernandes, que marcou quatro…”

O tal guião, que até detalhava o que fazer nas bolas paradas, saiu como previsto. “Marcámos quatro golos de bola parada. Saiu tudo direitinho. Só sai direitinho se os jogadores acreditarem naquilo que vão fazer. Eles acreditaram”, lembra. Essa mudança de estratégia, de esperar e oferecer a bola ao inimigo enquanto piscava ao olho ao contra-ataque, já se viu este ano no Porto-Benfica (0-2), recorda o treinador e comentador da RTP. “O Porto gosta de ter bola e de se organizar desde trás. O Benfica é contra-ataque, transições, deixando o rival sair do seu meio-campo. Vai ser interessante de ver”, explica.

Por isso tudo, as mudanças “são convicções”, garante. “Não são invenções nem medo, mas os treinadores têm de ser um bocado aventureiros. O efeito-surpresa também joga. Às vezes tomam decisões impensáveis, mas são eles que conhecem a equipa. (…) Qualquer decisão é importante. Se ganhar, está tudo bem… Se perder, vão explorar isso até à exaustão, vão crucificar o treinador.”