Pedro Passos Coelho visita esta quinta-feira o cemitério de Richebourg, em França, onde estão enterrados 1.831 combatentes portugueses da I Grande Guerra. Será a primeira vez que um primeiro-ministro português visita aquele local. A deslocação ocorre horas antes de Passos participar no Conselho Europeu, em Ypres, no sul da Bélgica e insere-se numa homenagem a propósito dos 100 anos do início da I Grande Guerra, que se assinalam no sábado. Naquele cemitério francês, está ainda enterrado o único fuzilado português da I Grande Guerra, o soldado Ferreira Almeida, para quem a Liga dos Combatentes está agora a pedir uma amnistia.

Portugal entrou na guerra em 1917 (um ano antes do fim), se tivermos em conta apenas o Corpo Expedicionário Português que foi mandado para a Flandres sob as ordens do comando inglês. As tropas portuguesas perderam ali cerca de dois mil efetivos em combate e tiveram outras tantas baixas por doença. Portugal esteve ainda noutras frentes da guerra: a frente naval e a de África (Angola e Moçambique).

Segundo o historiador António José Telo, Portugal teve algumas dificuldades em lidar com a memória desta guerra, na qual Portugal entrou por vontade do regime de Afonso Costa (que aproveitou o clima de  “guerra civil larvar” no país para mandar para a Flandres alguns opositores), a que se seguiria o anti-guerrista Sidónio Pais, que não queria ouvir falar numa página negra da história de Portugal. “Como lidar com a memória da guerra? Como um grande esforço patriótico da nação. Era uma forma de dizer ‘nós tínhamos razão, lutámos ao lado dos vencedores'”, afirmou ao Observador. Depois da I Grande Guerra, Portugal travou “uma guerra pela memória da guerra”.

A Liga dos Combatentes, criada em 1919 com a benção do então Presidente António José de Almeida, tentou, nesse esforço, “expurgar a política da guerra para dignificar os ex-combatentes”. O dia 9 de abril, dia da batalha de La Lys, foi nessa altura o escolhido para celebrar o dia do Combatente. “Os ingleses ficaram muito espantados porque esse dia representa uma derrota”, explica o historiador.

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Durante o Estado Novo, a historiografia oficial nunca tocou no tema, reconhece Telo. Só no final dos anos 80 e 90, as universidades começaram a produzir trabalhos sobre a participação portuguesa na I Grande Guerra. João Marques, presidente da União Franco-Portuguesa, organização responsável pela divulgação do património militar português na zona de Richebourg e pela ligação com as autoridades francesas, congratulou-se à Lusa com a anunciada visita de Passos Coelho em 2014.

“Conseguimos pôr-nos de acordo para mandar fazer uma placa para a visita dele e pôr aqui neste muro. Isto foi um pouco assim uma surpresa, mas, enfim, estamos felizes e acho que os portugueses todos estão honrados por saber que o primeiro-ministro vem cá, agora tenho dúvidas é que vamos ter aqui muita gente, porque de semana as pessoas trabalham”, afirmou o português, que vive naquela região há mais de quarenta anos.

A União Franco-Portuguesa gostava que Passos se deslocasse também ao monumento português de La Couture, de homenagem aos militares portugueses, inaugurado em 1928 e obra do escultor António Teixeira Lopes. Inicialmente, não tinham indicações que Passos o fizesse, mas a agenda oficial entretanto divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro confirmou essa deslocação. Antes de Passos, só o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, visitou este cemitério. Foi em 2004, acompanhado pelo secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, Henrique de Freitas, e o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, Mendes Cabeçadas.

“Esta terra mostra ainda as cicatrizes da guerra”, onde se registou “um enorme desperdício de vida, de juventude, de esperanças engolidas pela voracidade de uma guerra ditada pela ambição desmedida de poder”, disse, na altura, Sampaio, acrescentando: “É necessário progredir, mas o futuro faz-se de identidade e a identidade é memória”.