A ressaca não é fácil. Uns choram, outros ainda rezam para acordar uns momentos antes do jogo, a tempo de mudar o triste fado. Esqueçam. Ontem vimos história a acontecer à frente dos nossos olhos. É daqueles momentos em que já nos adivinhamos a contar a filhos, sobrinhos e netos, como nos contaram a nós sobre os Campeonatos do Mundo de 1966, 1974, 1986 ou 1990. O brilhozinho nos olhos será óbvio. É por momentos destes que seguimos a bola…
Vamos lá ao que interessa. Foi a maior goleada sofrida pelo Brasil em Mundiais? Foi, sim senhor. Sete-um vai ser eterno, como o foi o Maracanazo de 1950. As derrotas mais pesadas da canarinha situavam-se no “socialmente aceite” na escala futebolística. Na final do França-98, o escrete perdeu por 3-0 contra a equipa da casa. Em 1954, os húngaros despacharam a seleção do samba por 4-2, embaladas pelo magnífico Kocsis, que acabaria o torneio com 11 golos, entre eles dois hat-tricks.
Longe de Campeonatos do Mundo é que isto descamba. Em 1934, um particular contra a Jugoslávia acabou numa tareia de 8-4. Numa partida a contar para a Copa Roca (Superclássico das Américas), em 1940, os argentinos davam a primeira machadada profunda no orgulho brasileiro com uma vitória por 6-1. Mas uma diferença de seis golos, tal como aconteceu ontem, só aconteceu uma vez. Cortesia do Uruguai, em 1920, o mesmo que 30 anos depois roubaria a glória à canarinha no Maracanã, com o tal golo de Alcides Ghiggia.
O Brasil assinou ainda outro recorde negativo: sofreu cinco golos em 29 minutos — quatro deles em seis minutos –, o que superou os cinco golos em meia hora da Jugoslávia ao Zaire, em 1974. Nunca um país organizador tinha perdido por uma diferença tão grande.
Já os germânicos são agora o país com mais jogos em Copas (105), mais golos (223) e mais finais (oito) em toda a história dos Campeonatos do Mundo, que teve o seu dia 1 em 1930, no Uruguai. Miroslav Klose vingou Gerd Müller, que havia sido alcançado em golos nos Mundiais por Ronaldo “Fenómeno” (15), e marcou o seu 16.º. Histórico.
GOLEADAS DO MESMO GABARITO EM MUNDIAIS
Esta derrota digna de uma qualquer realidade paralela levou-nos a folhear os livros, remexer na história e respirar a poeira de tempos idos. Esta goleada da Alemanha sobre o Brasil é a 18.ª que regista uma diferença de seis golos ou mais. Os brasileiros até já o tinham feito, precisamente por 7-1, na sua Copa de 1950. O adversário foi a Suécia: Ademir brilhou com quatro golos. O último a fazê-lo foi Portugal, sabia? O tal sete-zero à Coreia do Norte, em 2010.
Pelo meio, foram muitas as batalhas épicas, mas que se distanciam da memória, para aqueles tempos onde a baliza parecia ser maior e as defesas mais ternas e meigas, o que ajuda a perceber o grau de gravidade do que se passou ontem. Em pleno século XXI, onde a defesa e organização parecem ser o ABC do futebol, é complicado explicar como uma equipa com o legado do Brasil sofre tal derrota. Pior: uma coisa é cair, outra é cair renegando o seu princípio máximo de ideologia canarinha — “joga bonito”.
1934 – Itália 7-1 EUA
1938 – Hungria 6-0 Holanda, Suécia 8-0 Cuba
1950 – Uruguai 8-0 Bolívia, Brasil 7-1 Suécia
1954 – Hungria 9-0 Coreia do Sul, Turquia 7-0 Coreia do Sul, Uruguai 7-0 Escócia
1974 – Jugoslávia 9-0 Zaire, Polónia 7-0 Haiti
1978 – Alemanha Ocidental 7-0 México, Argentina 6-0 Perú
1982 – Hungria 10-1 El Salvador
1986 – URRS 6-0 Hungria
2002 – Alemanha 8-0 Arábia Saudita
2006 – Argentina 6-0 Sérvia e Montenegro
2010 – Portugal 7-0 Coreia do Norte
2014 – Brasil 1-7 Alemanha