30 de julho, 24:00, hora de Nova Iorque. É esta a data limite para a Argentina chegar a um acordo com os fundos abutre ou entrar em ‘default’, pela segunda vez em apenas 13 anos.

A Argentina tinha de pagar 900 milhões de euros aos credores, que já tinham aceitado reestruturar a sua dívida, até 30 de junho (com um prazo de carência de mais 30 dias), mas justiça norte-americana determinou que só poderia pagar aos primeiros, se pagasse também aos que não aceitaram a reestruturação.

O incumprimento no pagamento da dívida parece cada vez a opção mais provável, mas a Argentina mandou uma equipa de última hora para tentar negociar um acordo com os “abutres” para Nova Iorque.

Ainda assim, a estratégia seguida até agora tem sido a de vilificar estes fundos, as decisões do Supremo Tribunal de Justiça e recusar negociar. Em parte, diz a Argentina, não pode negociar porque um acordo significaria um custo de 15 mil milhões de dólares, o que considera incomportável.

As consequências de um ‘default’ são sempre consideráveis, mas a estratégia até pode não ser tão suicida como parece.

A Argentina tem defendido a sua posição de não negociar com os chamados ‘holdouts’ com mais uma cláusula dos contratos na dívida que vendeu, chamada RUFO. Esta cláusula ‘Rights Upon Future Offers’ diz que se a Argentina oferecer voluntariamente um negócio melhor a alguns credores, tem de igualar os termos para todos os outros, o que significaria dar o mesmo negócio aos credores que aceitaram reestruturar a sua dívida, que acordarem dar ao NML Capital e aos outros fundos que recusaram aceitar a reestruturação.

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No entanto, como explicou ao Observador Hung Tran, executive managing director para os mercados de capitais e mercados emergentes do Institute of Internacional Finance (IIF) – um instituto criado pelas instituições financeiras para defender os seus interesses a nível internacional e que foi o principal negociador do lado dos credores na reestruturação da dívida grega – estas cláusulas têm prazo de validade: até ao final do ano.

Isto significaria que o impasse pode não ser tão prolongado, e, com a Argentina fora dos mercados há mais de uma década, não passará um ‘default’ técnico.

“Haverá consequências negativas para a economia da Argentina, mas menos severas que o ‘default’ original em 2001. A Argentina não tem conseguido aceder aos mercados de financiamento desde essa altura”, considera Hung Tran. Este responsável do IIF diz que o impacto e as consequências da situação vão depender de quanto tempo durar estes “incumprimento técnico”.

“Penso que não vai durar assim tanto, porque um dos principais bloqueios é a cláusula RUFO e essa vai expirar no final do ano”, explicou, acrescentado que depois de essa cláusula expirar, o acordo com os credores pode ser mais fácil, porque não tem consequências nos acordos conseguidos com os outros credores anteriormente.

Isto colocaria a Argentina numa posição mais favorável para resolver um impasse que dura há uma década.

A posição negocial e a falta de acesso ao mercado até podem fazer algum sentido, mas as consequências de um novo incumprimento não são negligenciáveis. O impacto nos fluxos de comércio com os países vizinhos (caso do Brasil) podem ser limitados, tal como o impacto no setor financeiro, mas as consequências económicas serão sentidas na vida das famílias.

“Vai aumentar a incerteza, enfraquecer o peso ainda mais, a inflação vai subir ainda mais, a economia vai ficar mais frágil e as consequências na vida das pessoas serão ainda maiores”, explicou.

Independentemente dos acontecimentos em mais este episódio da já longa novela da dívida pública da Argentina, para Hung Tran, uma das coisas boas que sai desta batalha é a clarificação dos termos associados aos contratos de dívida.

“Já vemos algum impacto nas futuras emissões de dívida, porque as novas obrigações já têm mudanças de linguagem nos contratos. Por exemplo, as cláusulas pari-passu já não dizem as mesma coisa” – esta cláusula esteve na origem da decisão da justiça americana em obrigar a argentina a tratar todos os credores de forma igual -, tal como as novas Collective Action Clauses, explica o responsável do IIF, que impedem que um país fique refém de meia dúzia de credores que não aceitam negociar.

Estas cláusulas de ação coletiva e de agregação fazem com que um acordo com uma maioria de credores se estenda aos restantes, impedindo casos como o da Argentina, onde um punhado de investidores tem feito de tudo para conseguir receber a totalidade da dívida que detêm.