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1, 2, 3. Diga lá televisão outra vez

O 21 de novembro é sinónimo de Dia Mundial da Televisão. Por isso o Observador foi limpar o pó às primeiras emissões dos três canais generalistas portugueses.

Três, dois, um e pronto. Estavam no ar. Câmaras a gravar, teleponto a rolar frases, luzes afinadas e silêncio no estúdio. Ouvia-se a primeira frase: “Boa noite. Hoje, 20 de fevereiro de 1993, nasce a Televisão Independente.” Assim, sucinta, mas dita pausadamente. Depois viriam as notícias. Afinal a estreia era um notíciário, o da noite, e Clara de Sousa ali estava, “um bocadinho nervosa”, para o apresentar. Era a primeira emissão de sempre da TVI e só faltou ser transmitida em direto. De resto, “tudo correu bem”.

O noticiário, a emissão com que a TVI se mostrou aos portugueses, foi gravado “30 minutos antes” da hora do arranque. “Era a primeira vez, havia algumas dúvidas e receios de poder haver alguma falha a nível técnico, e queríamos que as coisas saíssem perfeitas”, garante, e confessa, a mulher que deu a cara e a voz ao início da estação. A tal que já mora nas televisões portuguesas há quase 22 anos e está à distância de um clique no botão que mostra o número quatro do comando.

Antes das novelas, dos reality shows, jogos de futebol, filmes e programas da tarde, houve “excitação” e “um grande nervosismo”. Tudo “ao mesmo tempo”, recorda Clara de Sousa, ao telefone com o Observador, varrendo o pó à memória para falar da azáfama do primeiro dia de vida da TVI. “Não houve imprevistos de última hora. Existiram dúvidas e tal, alguns receios, mas não aconteceu nada”, explica a jornalista que, no dia, e para fintar os nervos, pensava: “‘Vá lá, já sabes isto há tanto tempo, não te esqueças que isto não é muito diferente do que fazias na rádio!’”

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Clara de Sousa ainda nem completava 26 anos quando apareceu à frente da câmara, na primeira emissão. “Ainda era inexperiente”, admite, mesmo que antes tivesse “feito televisão” no “É Desporto”, um programa da RTP. Mas ainda estava habituada à rádio. E aos ritmos de quem apenas dá a voz a conhecer aos outros. “Notava-se alguma coisa no ritmo com que falava, porque na rádio isso era um pouco diferente. Mas tinha que ser, e todos tínhamos que lidar com o facto de, a partir daquele dia, passarmos a ter mais exposição”, resume, com o à vontade que na altura lhe fugia.

Tudo misturado, Clara de Sousa “nunca” se esquecerá do 20 de fevereiro de 1993. “Começar uma televisão é por alguma coisa cá fora, neste mundo”, resume, ignorando por momentos “a grande pressão” que, na altura, todos na TVI sentiam. “A responsabilidade era muito maior: era uma nova televisão e estava tudo de olhos postos nela, para ver o que iam fazer a seguir à SIC”, argumenta, indo buscar a concorrente que se antecipara em pouco mais de um ano.

O terceiro canal. Com “pica”

A SIC. Esse sonho que Francisco Pinto Balsemão alimentou durante anos e conseguiu ver finalmente concretizado em outubro de 1992. A comandar as tropas da informação estava Emídio Rangel, a quem coubera a escolha de toda a redação. Os homens estavam em maioria, mas coube a uma mulher a inauguração da antena.

O primeiro rosto que os portugueses viram na SIC foi o de Alberta Marques Fernandes, pouco passava das 16h30 da tarde dessa terça-feira, 6 de outubro de 1992. E as suas primeiras palavras no ar nada tinham a ver com o nascimento da primeira televisão privada em Portugal. “Boa tarde, estudantes de luto contra as propinas”, disse, introduzindo imediatamente o tema que dominava a opinião pública por esses dias.

Era a primeira vez que a pivot se mostrava ao mundo. O normal seria, no mínimo, sentir umas borboletas na barriga. Mas Alberta Marques Fernandes garante hoje que nem isso. “Nada, fiz aquilo como uma experiência de laboratório”. Como uma das muitas que já tinham feito, nas semanas anteriores ao lançamento da SIC.

A jornalista chegou à televisão num grupo de dez mulheres estagiárias e “até uma semana antes” do arranque não sabia que lhe caberia a si aquele marco histórico. “Pouco tempo antes de a SIC abrir, o Rangel escolheu um grupo de pessoas para ser pivot”, lembra. Podia ter sido qualquer um no seu lugar. Mas foi ela. “Estava entusiasmadíssima, era miúda. Estava num projeto em que toda a gente queria estar, estar ao lado dos melhores”.

E esse entusiasmo fez com que nem se apercebesse bem de que estava a registar o seu nome na história da televisão em Portugal. “Eu não tinha noção nenhuma. Só bastante mais tarde é que fui percebendo o impacto. Quando for velhinha ainda me vão lembrar”, ri-se a apresentadora, hoje na RTP, em conversa com o Observador.

Não era só na redação da SIC que a estreia do canal era aguardada com ansiedade. No piso de baixo, onde funciona ainda o departamento de edição e pós-produção, a azáfama também era grande – como atestam as imagens que José Dias captou na altura e decidiu divulgar, há dois anos, quando a SIC cumpriu o seu vigésimo aniversário.

Em 1992, José Dias tinha 32 anos e “era dos mais velhos da área técnica” da estação, que tinha meia dúzia de pessoas divididas por duas salas. “Hoje temos 11 salas e um total de 20 pessoas”, relata, quando o Observador o obriga a ir ao baú das memórias. Mas é uma obrigação que cumpre com prazer.

“O ambiente era ótimo, o pessoal estava cheio de pica. Estava tudo cheio de vontade de fazer uma coisa bem feita, ninguém pensava em comer sequer”, diz, entusiasmado, o homem que há 22 anos era um editor de vídeo acabado de aterrar, pela primeira vez, num projeto da dimensão da SIC. Agora é o coordenador de toda a pós-produção da estação.

A grelha da SIC de uma semana de novembro de 1992

A grelha da SIC desta semana, de novembro de 2014

A SIC era uma novidade em vários aspetos. Era a primeira televisão privada portuguesa, tinha uma equipa jovem e motivada, e pretendia ser uma ‘pedrada no charco’ na comunicação social. E foi. Como? Através de programas como ‘Praça Pública’, por exemplo, que diariamente levava ao ecrã os problemas do Portugal real e que Alberta Marques Fernandes considera que “personificava o que Rangel queria que fosse a SIC” — isto é, uma tentativa de “democratizar a televisão”.

Mas também a nível técnico “foi uma coisa um bocadinho revolucionária”, diz José Dias, que cita as “montagens mais dinâmicas, o grafismo, a música” como marcas distintivas da nova estação. “Na altura não havia VHS, satélite, cabo, nada disso…”. E existiam só dois canais de televisão, que muitos consideravam bafientos.

No princípio era a preto e branco

Foi no já muito longínquo ano de 1957 que os portugueses descobriram as maravilhas da caixa mágica. E, de repente, entrou-lhes pela sala de estar a figura de Maria Helena Varela Santos, a primeira locutora a surgir nos ecrãs da RTP, que saudou com um formal “boa noite, senhores espectadores” os muitos que aguardavam. “Recordo-me que decorei um breve texto que começava com o “boa noite, senhores espectadores”, e quando acendeu a luzinha vermelha quase entrei em pânico. Mas procurei dominar-me e a ‘coisa’ lá saiu”, recordaria, anos mais tarde, ao semanário Se7e.

https://www.youtube.com/watch?v=_kllkWKAm5A

Se a SIC e a TVI são ainda jovens raparigas, a RTP, com os seus 57 anos, é já uma senhora de respeito. De muitas história e caras é feita a sua vida. Uma das mais famosas é a de Margarida Mercês de Mello, a já histórica apresentadora da estação que, no entanto, quer tudo menos olhar para o passado.

O telefonema do Observador surpreende-a enquanto trabalha num novo desafio, sobre o qual prefere, para já, não falar. “Tenho imensos projetos”, diz com a mesma voz alegre que sempre foi imagem de marca e que levou para programas como o Festival da Canção, ‘Maria, Maria, Maria’, ‘Ela por Elas’ e o concurso ‘SMS – Ser Mais Sabedor’, de 2003, sobre o qual ainda recebe comentários do público. “Enche-me de alegria porque disse alguma coisa a estas pessoas”, um público jovem que já não a vira num dos seus programas mais marcantes, ‘Dias Úteis’, “que foi líder de audiências algumas vezes numa altura em que a RTP já não era líder”.

Quando Margarida Mercês de Mello chegou à RTP, a televisão já tinha 21 anos mas ainda não despira os tons cinzentos. Foi em 1978 e a cor só apareceria em 1980. “Apesar de ter nascido em África, onde não havia televisão, sempre gostei de falar em frente a um espelho, com os sapatos da minha mãe”, relembra a apresentadora numa breve referência ao passado. Porque é do futuro que mais gosta e quer falar.

Vamos falar do futuro?

“A televisão em Portugal é tão grande como em qualquer outro país do mundo, não envergonha ninguém”. A frase é de Clara de Sousa, que considera mesmo que em Portugal “há canais de altíssima qualidade, excelentes profissionais, tanto ao nível de apresentação como de reportagem, além do grafismo. Olhamos para outras televisões, de outros países, e às vezes até achamos que têm coisas um bocadinho ultrapassadas”.

Nuno Santos, cujo nome está intrinsecamente ligado à SIC e, mais recentemente, à RTP, não tem a mesma opinião. Se, a nível técnico, “estamos em linha com o que se passa nos mercados mais desenvolvidos”, nos conteúdos a história já é diferente. Há “uma crise de imaginação, talvez porque há muitos anos ‘se faz mais com menos’. Chega a um momento em que o fôlego parece esgotado”, comenta, acrescentando que “há pouco arrojo, pouca inovação, demasiadas fórmulas repetidas” na televisão portuguesa.

O ex-diretor de programas e informação da RTP e SIC trabalha, desde 2013, na África do Sul, como diretor de conteúdos em língua portuguesa da Multichoice, uma plataforma de televisão paga presente em 49 países africanos. “Faço a escolha, gestão e programação geral dos canais para Angola e Moçambique em ligação muito estreita com o Brasil e Portugal”, explica. E “há enormes diferenças” entre o mercado português e os da África. “Quer conteúdo local, é muito aspiracional, está pronto para – por exemplo – ver conteúdo dobrado e não legendado”.

É esse o caminho que Portugal deve seguir, defende. “A televisão está muito ‘normalizada’. O mundo também, as pessoas é que fazem a diferença.” Só assim se contraria uma globalização à qual a televisão também não ficou indiferente. “Temos é que ser capazes de produzir alguns conteúdos distintivos. ‘Locais’, de proximidade”.

Estamos melhor do que há 22 anos? “Nós tínhamos coisas muito boas, as salas eram muito bem equipadas, mesmo muito bem, não sentíamos falta de nada”, refere José Dias. Ainda assim, a área de edição de vídeo e som sofreu assinaláveis mudanças nos últimos anos. “Para uma sala tínhamos uma mesa de mistura de vídeo enorme, uma mesa mistura de áudio enorme e cerca de vinte monitores. Hoje há um computador e dois monitores. Era preciso muita formação, uma pessoa muito especializada, hoje em dia qualquer pessoa com um PC em casa faz.”

Isso é um risco. “As pessoas parecem menos sensíveis à qualidade. Aceitam tudo. Vês coisas hoje em dia no ar…”, desabafa, antes de recorrer a uma metáfora: se uma prenda for boa, mas tiver um mau embrulho, as pessoas não ficam tão impressionadas como deviam, caso o embrulho fosse bom. O mesmo se passa com as produções televisivas, diz. Bons conteúdos merecem bom trabalho técnico. “Conteúdos vai sempre haver – e vai sempre haver espaço para coisas bem feitas, vai sempre continuar a haver procura de conteúdos bem feitos” — é o que o descansa.

Isso e a “pica”. O sentimento de fazer parte de algo, de querer inovar, de ter vontade renovada todos os dias. De querer sempre melhorar. É isto, dizem, que é essencial. E mais: é o que, muitas vezes, não deixa o motor arrefecer. E a melhor prova está nos risos com que, aos 61 anos, Margarida Mercês de Mello mantém a tal “pica” : “Cheguei entusiasmada e continuo entusiasmada, para mal dos meus pecados.”

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