Andam constantemente a correr atrás do tempo e funcionam em quase tudo ao contrário dos restantes partidos. É à sexta-feira à tarde depois do plenário, quando o Parlamento entra em modo fim de semana, que o deputado eleito pelo PAN (Partido das Pessoas, Animais e Natureza) reúne o seu “grupo parlamentar” para planear a semana que vem. Num gabinete com “menos do que 20 metros quadrados”, André Silva é o mestre de cerimónias de uma equipa de “quatro ou cinco pessoas”, muitos papéis e dossiers, pouco espaço livre e um quadro branco ao fundo cheio de apontamentos de memória, notas de agenda e ideias.
O ambiente é de total brainstorming. “De tal forma que às vezes temos de pedir para alguns irem trocar ideias lá para fora”, brinca André Silva numa breve visita do Observador ao gabinete que foi atribuído ao PAN na Assembleia da República no início da legislatura, fez agora precisamente 100 dias. “Muitas vezes temos de sair para falar ao telefone ou apenas para pensar”, completa a assessora de imprensa que passa mais tempo na sede do partido do que na Assembleia da República para não roubar lugar aos restantes. Uns querem ouvir televisão mais alta para assistirem ao plenário ou às notícias, outros querem a televisão mais baixa para poderem falar ao telefone ou escrever – a “luta” é diária. Valem os headphones, que são material imprescindível a cada um dos sete elementos.
Naquele gabinete de menos de 20 metros quadrados, situado para lá da sala do Senado, contíguo aos gabinetes dos vice-presidentes da Assembleia e bem longe dos gabinetes dos restantes partidos, trabalham “habitualmente quatro ou cinco pessoas”, chegando a ser sete nos dias mais preenchidos. Ao Observador, o deputado começa por se queixar do espaço – ou melhor, da falta dele, porque o gabinete “era ótimo se fosse para uma ou duas pessoas” – mas depressa acrescenta que só não bate mais o pé porque ainda esta semana os serviços da Assembleia lhe atribuíram uma sala extra para reuniões. Pormenor: fica do lado oposto do palácio, mas é melhor do que nada.
A Assembleia da República atribui a cada grupo parlamentar uma fatia do orçamento para despesas com pessoal, em consonância com o número de deputados, e é com essa quantia que, explica André Silva, estão asseguradas as assessorias do PAN. Entre uma chefe de gabinete, uma assessora de imprensa e mais quatro colaboradores para áreas específicas como saúde e educação, é assim que o deputado do PAN se desdobra para poder ter olhos e ouvidos em todas as comissões e acompanhar o máximo possível dos trabalhos parlamentares. É que, de acordo com o regulamento da Assembleia, um deputado só pode ser efetivo em três das 12 comissões parlamentares existentes, pelo que, na impossibilidade de se desdobrar, são os assessores do PAN que fazem corpo presente na maior parte das reuniões.
André Silva é efetivo nas comissões de Economia, Inovação e Obras Públicas, na de Agricultura e Mar e na comissão de Ambiente e Ordenamento do Território, mas mesmo assim, explica ao Observador, é “extremamente difícil estar presente em todas porque o horário das reuniões ou é coincidente umas com as outras ou ocorre ao mesmo tempo que outras audições“. Além de que estas comissões reúnem frequentemente às quartas-feiras de manhã, dia também reservado à conferência de líderes, onde estão presentes os líderes dos grupos parlamentares mas onde André Silva – por não estar integrado num grupo parlamentar – não foi autorizado a participar. Mas onde faz questão de aparecer na qualidade de observador.
“Quanto às restantes comissões procuramos que os nossos assessores assistam e acompanhem o mais possível os trabalhos para estarmos acima de tudo informados dos vários assuntos”, afirma. A preocupação é clara: estar por dentro de tudo o que se passa nas mil e uma paredes do palácio de São Bento para não lhe perder o resto e não ficar perdido no labirinto. “Faço questão de analisar todos os temas em que sou chamado a votar, definir as intervenções, a presença em comissões, receber entidades de fora para audições, audiências parlamentares…”, acrescenta.
Nem tudo é fácil neste partido (este sim) de um homem só. Há uma expressão que André Silva repete várias vezes dentro do estreito gabinete que faz soltar gargalhadas aos seus colegas por resumir bem o espírito dos últimos três meses de experiência parlamentar: “Ainda não podemos brincar na piscina dos grandes”. O PAN só pode agendar três iniciativas por legislatura e no plenário, nomeadamente nos debates quinzenais com o primeiro-ministro, tem o cronómetro como sombra a lembrar-lhe que só tem um minuto e meio para falar. Tic-tac. Todos sabem que é assim, que há restrições e limitações da ordem regimental pela representatividade mínima que o partido tem, mas esforçam-se por contrariar as evidências. Como? Com trabalho.
“O tempo de que disponho para intervenções em plenário e nos debates quinzenais obriga-me a épicos exercícios de apelo à capacidade de síntese e sinto que muito fica por dizer”, afirma André Silva.
Há mais de 20 anos que a Assembleia da República não via um deputado eleito isoladamente. A última vez que tal aconteceu foi entre 1991 e 1995 com Manuel Sérgio, do Partido da Solidariedade Nacional (afeto aos reformados), mas André Silva garante que não se guia pelos direitos que o deputado teve na altura para pedir tratamento igual. Guia-se sim pela procura da igualdade de tratamento face aos restantes deputados, dentro daquelas que são as limitações regimentais.
Sozinho, ao centro, sem aplausos nem reforços
Quando foi eleito, em outubro do ano passado, a geografia do plenário foi uma das primeiras questões que se impôs. André Silva optou por se sentar ao centro, entre o PS e o PSD, a pender mais para o lado da bancada dos socialistas. Mas garante que não se revê na categorização esquerda-centro-direita. “O que defendemos não visa um eleitorado de esquerda ou de direita, visa todas as pessoas, defendemos valores que são transversais a todos os movimentos políticos e sociais”, garante. E prova disso é que tanto vota com o PS, como vota com o PSD e o CDS.
Começou por se juntar à esquerda para chumbar o programa de Governo PSD/CDS, e na altura disse que não estava a rejeitar o Governo de direita mas apenas a votar contra um programa que não ia ao encontro dos princípios e valores do PAN; depois votou contra o Orçamento Retificativo do Governo socialista sobre o Banif, aprovou as medidas adicionais da redução da sobretaxa de IRS e reposição salarial, ao lado da esquerda, mas na redução da Contribuição Extraordinária de Solidariedade juntou-se ao PSD e CDS para dar a mão ao PS. Nos temas ditos fraturantes, da adoção por casais do mesmo sexo às taxas moderadoras no aborto ou ao aumento dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida, esteve sempre do lado esquerdo da barricada.
Cada proposta, garante, é analisada com cuidado antes de decidir o sentido de voto. “Votamos em ideias e propostas, independentemente da sua origem, fazendo uma avaliação integral do que defendem”, diz.
A verdade é que está sozinho e não pode chamar reforços, para o bem e para o mal. Por vezes ficam a faltar os aplausos no final das intervenções. Foi o caso da última discussão, esta quinta-feira, de vários projetos de resolução sobre a “promoção da produção e consumo da alheira”, onde André Silva se viu literalmente “sozinho” no debate, a argumentar contra a direita e a esquerda. “Era o único a não concordar com a alocação de verbas públicas para apoiar a produção e o consumo de produtos categorizados pela OMS carcinogénicos”, explica ao Observador.
Foi o único a votar contra, mas não faz mal. André Silva aponta mesmo este debate como um dos que mais gozo lhe deu travar. Era um contra 229 mas “foi notória a falta de argumentos que obrigou os deputados a rodear a verdade para poderem defender o indefensável”, sublinha.
Uma das primeiras propostas que assumiu quando chegou ao Parlamento foi recuperar uma iniciativa legislativa de cidadãos, que já tinha sido apresentado na legislatura passada mas caducado deste então, que visava acabar com o abate de animais em canis. Em resultado da iniciativa, que era uma das bandeiras eleitorais do PAN, foi criado no Parlamento um grupo de trabalho para deliberar sobre a matéria, com audições previstas aos municípios, freguesias e os veterinários, entre outras entidades, nomeadamente associações de animais.
Seguiram-se iniciativas sobre a melhor alimentação nas cantinas públicas, a regulação das actividades de distribuição, venda e aplicação de produtos fitofarmacêuticos, a proibição de produzir e cultivar organismos geneticamente modificados ou uma proposta de recomendação ao Governo para intervir junto do governo espanhol tendo em vista o encerramento da central nuclear de Almaraz (que, diz, representa perigos para Portugal pela sua proximidade geográfica). Para já, entre as 13 iniciativas do PAN, só a proposta para alterar o sistema alimentar nas cantinas públicas com maior incentivo para a produção local e biológica, foi votada e aprovada, merecendo os votos a favor do PS, PCP, BE e PEV. Isto para além das propostas relacionadas com temas também levantados pela esquerda, como é o caso da adoção por casais homossexuais.
De resto, André Silva promete que vai continuar a lutar pelas alterações ao estatuto jurídico do animal, mas não só. Os temas ambientais e ecológicos vão continuar na linha da frente do caderno de encargos do PAN, que tem questionado o Governo (inclusive o primeiro-ministro nos debates quinzenais) sobre a exploração de petróleo na costa portuguesa, propondo a revogação “imediata” dos contratos de exploração de petróleo em vigor em Portugal.
O dia em que mandou um ministro ver o Cowspiracy
Mas o melhor momento destes 100 dias enquanto deputado, André Silva sabe qual foi. Foi durante o debate temático sobre a Cimeira do Clima (COP 21), com a presença do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, quando André Silva subiu à tribuna para uma intervenção e, admitindo a falta de tempo de que dispunha para poder debater com o ministro, lhe sugeriu antes que visse o documentário “Cowspiracy”, relacionado com a pegada ecológica causada pela criação de animais para alimentação. “Foi o que mais me gozo deu”, admite agora.
“Não disponho de tempo para debater, não me é mesmo possível, teremos outras oportunidades. Mas para terminar gostaria de lhe lançar um desafio: convido o senhor ministro a investir uma hora e meia no visionamento do documentário ambiental ‘Cowspiracy’, que tenho aqui comigo, e que solicito aos serviços que lhe façam chegar”, disse na altura, lembrando que o documentário já tinha sido visto no Parlamento Europeu e no Parlamento italiano.
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E o pior momento? Foi, diz, ter de votar contra (enquanto todos os restantes partidos votaram a favor) da composição dos chamados grupos parlamentares da amizade com outros países, constituídos durante todas as legislaturas para reforçar a cooperação inter-parlamentar. “São 49 grupos de amizade com 11 deputados cada, e o PAN, por força do regimento, não estava em nenhum”, recorda, lamentando a “discriminação” e a atitude “antidemocrática” que diz ter ficado evidente naquela eleição.