903kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Beck Amsterdam 1996
i

Beck Hansen em Amesterdão, em 1996

Getty Images

Beck Hansen em Amesterdão, em 1996

Getty Images

25 anos de "Odelay". A vitória de um "Loser" chamado Beck

A 18 de junho de 1996 saía o quinto álbum de estúdio de um herdeiro do espírito DIY. Isilda Sanches põe a tocar o disco que marcou os anos 90 e provou que Beck era mais que fogo de vista.

A história da música nos anos 90 tem muitas ramificações e curvas. Aconteceu de tudo um pouco: consolidação de tendências, novos géneros, cruzamentos de linguagens, micro cenas que geraram grandes estrelas. A democratização da tecnologia, que já vinha detrás, e tornou normais, primeiro o sampler, depois os computadores pessoais, facilitou a reinvenção do conceito do-it-yourself que vinha do punk e lembrava que é possível fazer as coisas de forma artesanal, música incluída, e quem não tiver guitarras, pode experimentar outros instrumentos. Surgiram bandas, editoras, revistas, edições domésticas, clubes.

Beck, uma das figuras mais carismáticas e criativas reveladas nos anos 90, vem desse espírito DIY, à deriva entre as referências do passado e a procura de uma identidade. Nunca foi punk mas tocava guitarra, porque gostava de folk e blues. Também se interessava por hip hop e usava outras ferramentas, nomeadamente pratos de gira-discos e microfone, como esclarece o refrão “I got two turntables and a microphone” de “Where it’s At”, canção de Odelay concebida para fazer a ponte entre “Loser”, do álbum Mellow Gold, e Odelay, o disco que provou que Beck não era só fogo de vista

Odelay faz agora 25 anos, a idade de Beck quando gravou as canções. Continua a intrigar que um disco assim tenha sido feito por alguém com 25 anos (mas com ar de ter 16) e tenha sido um sucesso, mas é surpreendente perceber que a passagem dos anos não apagou o seu fervilhar. Nem todos os álbuns que marcam épocas envelhecem de forma feliz, muitos ficam-se pela cristalização de um tempo, mas Odelay, talvez por ser bastante experimental e desregrado, ou até disparatado, conserva muito do seu fator surpresa original.

Ainda assim, Odelay é fruto de uma época, representa um certo estado de coisas, uma geração. Na altura chamavam-lhe slacker generation, ou Geração X, tinha crescido com muito tempo livre, a MTV, o walkman, as câmaras VHS, os computadores e os vídeos jogos, mas também com várias contraculturas associadas a géneros musicais como punk, pós-punk, hardcore ou metal, reinventados pelos slackers em grunge ou nu metal. Kurt Cobain é, obviamente, a cara e o coração da slacker generation, desencantada e desajeitada por definição. A sua morte, em Abril de 1994, deixou um vazio que Beck de algum modo preencheu quando emergiu da obscuridade com “Loser”. Mas Beck não era o novo Cobain. Nem queria.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Inicialmente, o single de “Loser” teve uma tiragem de 500 exemplares, mas isso não impediu que o refrão pateta de um perdedor confesso, incendiasse, primeiro as college radio americanas, depois o mundo inteiro. Beck passou de desconhecido a estrela, sem ter tempo de se aperceber do processo. Apesar de Mellow Gold, o álbum de “Loser”, ser bastante afirmativo do seu génio, e de músicos como Thurston Moore ou Johnny Cash, mostrarem publicamente o seu respeito, para a maioria, ele continuava a ser “un perdedor, uma estrela fugaz com alguma piada e uma canção que ficava no ouvido.

Beck Performs In Germany

Beck em palco no Backstage Club de Munique, Alemanha, em 1996

Bernd Muller/Redferns

Beck mergulhou na música cedo, aos 15 anos abandonou a escola e começou a tocar blues nas ruas de Los Angeles, onde tinha nascido e vivia. Antes dos 20 anos, mudou-se para Nova Iorque, passou pelo circuito antifolk, começou a escrever canções inspirado pela sessões de spoken word, mas acabou por regressar à base, L.A., onde foi recrutado por um produtor, num bar onde tocava a sua versão desconstruída de folk. Apesar de dominar as técnicas e canções clássicas, a sua abordagem era quase sempre iconoclasta e passava por mudar completamente as letras das canções quando se aborrecia. Talvez fosse o ADN. Beck é filho de um músico e compositor, David Campbell e de Bibbe Hansen, artista visual que, na adolescência, era uma das super estrelas de Andy Warhol e dançava nos espectáculos dos Velvet Underground. O avô é AL Hansen, um dos fundadores do Fluxus, um movimento artístico internacional dos anos 60 e 70, com uma abordagem experimental e multidisciplinar. A sopa genética levou-o sempre por caminhos desviados mas ajudou-o também a aceitar a nova e desconfortável condição de “estrelita” e seguir em frente, sem perder identidade ou autonomia.

O quinto álbum na discografia oficial de Beck, o segundo na versão que ignora as obscuridades folk (Golden Feelings, de 1993 e Stereopathetic Soulmanure e One Foot in The Grave, ambos de 1994), e o primeiro da sua verdadeira emancipação como artista, continua a surpreender e divertir.

Com Odelay, Beck tenta fazer um disco de hip hop à sua maneira. E consegue, com a ajuda dos Dust Brothers, que tinham trabalhado em Paul’s Boutique dos Beastie Boys. Consta que Odelay foi um puzzle difícil de montar, há até quem diga que o título é uma brincadeira com “oh, delay” (oh! atraso), embora numa entrevista a David Letterman, em 1996, Beck tenha afirmado que era uma expressão com que tinha crescido e significava “right on!” (qualquer coisa como “correto” ou “certeiro”)). A complexidade da produção é evidente, as canções estão cheias de coisas, mas são orelhudas. “Devil’s Haircut”, “New Pollution”, “Hotwax”, “Where It’ s At”, parecem desconjuntadas no seu corte e colagem de samples estranhos, mas continuam a funcionar plenamente como canções pop. O disco também tem canções mais estranhas como “Derelict”, com ecos orientais, ou mais folk, como “Lord Only Knows”, mas mantém sempre uma atitude enviesada, deixando os géneros contaminarem-se uns aos outros. O que cola tudo são as técnicas de produção hip hop. A palete de samples manipulada pelos Dust Brothers é extensa e diversificada. Inclui Lee Dorsey, Black Sabbath, Sly and the Family Stone, até Schubert (em “High 5”). “Jack-Ass”, uma das canções mais lentas, a mais bonita do disco e uma das melhores de Beck, também tem um sample (de “It’s all over now Baby Blue”, na versão dos Them) mas contrasta com o resto por ser tão irresistivelmente simples e melódica. Ainda assim, nem em “Jack-Ass” se percebe de que fala Beck. Provavelmente de coisa nenhuma, ou muitas de em simultâneo, já que aplicava as técnicas da beat generation e escrita livre para escrever as suas canções e nunca fez questão de as explicar. Em vez de ser um problema, teve o efeito de tornar Beck num dos mais originais escritores de canções das últimas décadas.

Vinte e cinco anos depois, Beck está bem firme no estatuto de cabeça de cartaz. Provou que não era apenas “Loser” e permanece inquieto e inventivo, esquivo a rótulos. Odelay continua um dos seus melhores discos. O quinto álbum na discografia oficial de Beck, o segundo na versão que ignora as obscuridades folk (Golden Feelings, de 1993 e Stereopathetic Soulmanure e One Foot in The Grave, ambos de 1994), e o primeiro da sua verdadeira emancipação como artista, continua a surpreender e divertir, a brilhar na sua confusão e ironia. Um marco dos anos 90 que sobrevive.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.