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Mariana Mortágua foi eleita líder do BE na Convenção deste fim de semana
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Mariana Mortágua foi eleita líder do BE na Convenção deste fim de semana

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Mariana Mortágua foi eleita líder do BE na Convenção deste fim de semana

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

4 opiniões rápidas sobre a primeira Convenção da líder Mariana Mortágua

Helena Matos, Alexandre Homem Cristo, Miguel Pinheiro e Rui Pedro Antunes analisam o que muda (e não muda) no Bloco de Esquerda depois da mudança de líder.

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Helena Matos. Mariana, gritar contra a direita, lutar dentro da esquerda

Todos, todas e todes estão muito, muita e muite preocupados, preocupadas e preocupades porque o Bloco, a Bloca e Bloque não se entendem com o Esquerdo, a Esquerda e Esquerde.

Complicado? Nem por isso, pelo menos a fazer fé em Pedro Filipe Soares, que começou a sua intervenção em defesa da moção vencedora (a A, liderada por Mariana Mortágua) apelando aos camarados, camaradas e camarades. (Pedro Filipe Soares só devia falar em comissões parlamentares, pois nos discursos expressa-se numa mistela poética que empastela mais que algodão com açúcar).

Já Mariana Mortágua, a vencedora desta convenção, fica pelo “todas e todos”, o que naturalmente se agradece porque até prova em contrário só vivemos uma vez e gastar um tempo precioso da nossa vida a repetir o dito é um absurdo e uma burrice.

Os bloquistas partilham com a IL uma obsessão verbal e identitária: boa parte do tempo dos seus encontros é preenchido com a discussão sobre o que são e sobretudo quem é verdadeiramente o que diz ser ou o seu contrário. No caso do BE, o problema é a esquerda, ou, para usar uma expressão cara à líder agora de partida, Catarina Martins, “esta esquerda”. E é aqui que está o busílis da questão: “esta esquerda”, a do BE, vê-se ameaçada pela outra esquerda, a do PS.

O BE tornou-se um vaso comunicante com o PS. Com o PS, o BE foi solução de governo, depois o BE viu parte do seu eleitorado votar PS para que os socialistas fizessem barreira ao Chega. Amanhã, o futuro do BE, logo de Mariana Mortágua, será condicionado pelo perfil de quem vier a liderar o PS: quanto mais à esquerda estiver o PS, pior para o BE.

Em 2023, o BE por si só não ganha eleitores nem consegue motivar a sua gente: dos 80 mil euros que o BE se propôs angariar junto de “milhares de pessoas, aderentes e simpatizantes, gente solidária que se empenha na construção de uma esquerda forte, socialista, ecologista, feminista e popular” para organizar esta XIII Convenção Nacional, chegaram sete mil euros, doados por 200 pessoas. A “gente solidária” está claramente desmotivada ou, pior, motivada noutras esquerdas.

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O BE tornou-se um vaso comunicante com o PS. Com o PS, o BE foi solução de governo, depois o BE viu parte do seu eleitorado votar PS para que os socialistas fizessem barreira ao Chega. Amanhã, o futuro do BE, logo de Mariana Mortágua, será condicionado pelo perfil de quem vier a liderar o PS: quanto mais à esquerda estiver o PS, pior para o BE. Pedro Nuno Santos no Largo do Rato pode ser um pesadelo para Mariana Mortágua!

Convém lembrar que muito do que Mariana Mortágua definiu como “dramalhão do 4.º andar do Ministério”, numa alusão ao conflito entre Frederico Pinheiro/Pedro Nuno Santos e Eugénia Correia/SIS/João Galamba é afinal a expressão em versão pícara de um embate entre “esta esquerda”, a do BE, e a outra esquerda, a do PS.

Depois de Catarina, a líder que deu um rosto afável e comum ao BE, chega a vez de Mariana. Vai apontar armas à direita, mas a sua luta quase corpo a corpo vai ser à esquerda.

P.S.: No Bloco só ouvem música brasileira?

Alexandre Homem Cristo. O partido do rei Louçã

Na ressaca da geringonça, o velho partido de protesto converteu-se num objecto político indefinido, longe das causas fracturantes e dos slogans marxistas, que substituiu por um tacticismo ingerível — uma aproximação subtil à “social-democracia”, uma relação ambígua com o PS e um foco obsessivo no combate à “extrema-direita”, a sua nova raison de vivre. Essa estratégia foi um completo fiasco: nas últimas legislativas, o BE sofreu uma hecatombe eleitoral, perdendo dois terços dos seus deputados. Apesar do contexto de dificuldades, as vozes críticas foram tímidas, inócuas, quase irrelevantes e sobretudo apontadas à política externa (onde o anti-americanismo e o espírito anti-NATO fez vários militantes torcer o nariz a apoios à Ucrânia contra a Rússia).

Seria uma ingenuidade acreditar que os bloquistas aproveitariam esta Convenção para avaliar esse fiasco estratégico e eleitoral, usando a oportunidade para discutir novas estratégias de afirmação política. Nunca, em convenções passadas, o fizeram realmente. E sempre o BE foi um partido governado por um petit comité, com Francisco Louçã à cabeça, que decide previamente por onde ir e com quem ir. Foi precisamente o que se viu neste fim-de-semana: o petit comité decidiu, Francisco Louçã falou e assim apareceu um guião com as suas orientações às massas bloquistas, que as validaram esmagadoramente.

Numa Convenção sem surpresas, vale mesmo assim a pena fazer dois destaques. O primeiro destaque é sobre a nova liderança. Mariana Mortágua sobe a líder do BE, numa passagem de testemunho pacífica (Catarina Martins mantém-se na direcção do partido). Tal como quando Catarina Martins sucedeu a Francisco Louçã (numa solução bicéfala com João Semedo), a ideia que passa para fora é que o BE apresenta sempre soluções de liderança quase unânimes que preservam a influência de Louçã (sempre o mais aplaudido), que se mantém activo a proteger o seu legado — neste caso, a nova líder é a discípula predilecta do fundador do BE. Ou seja, independentemente de mudanças no estilo e nas intervenções que Mariana Mortágua possa trazer, as grandes decisões estratégicas do BE continuarão dependentes da aprovação de Francisco Louçã, que permanece o Rei aclamado do BE.

Foi a sentença de Louçã que marcou o tom da Convenção e que todos replicaram por outras palavras: os portugueses são "vítimas da maioria absoluta". Os ataques à maioria absoluta do PS foram permanentes e serviram de nova declaração de intenções: com eventuais legislativas no horizonte, o BE pretende voltar a ser um partido da oposição, enterrar o pouco que restava da geringonça e deixar definitivamente de olhar para o PS com a benevolência que se concede aos parceiros.

O segundo destaque é a nova estratégia política: o petit comité do BE percebeu finalmente que fazer um papão da direita pode animar debates, mas favorece muito mais o PS (que explora a bipolarização para o voto útil) do que o BE. Como tal, o BE apareceu com um novo guião, que todos repetiram: o PS promove o Chega em benefício próprio e o BE não pode cair nessa tentação (como caiu no passado). A implicação não é que o BE tenha aprendido a conviver democraticamente com a direita: o sectarismo bloquista continua vivo, com a nova líder a anunciar que o “capitalismo condena a humanidade” ou a referir-se à direita como um “vírus” — de resto, como é hábito, os partidos à direita não foram convidados para o discurso de encerramento. A principal implicação estratégica foi que o BE realinhou a sua mira e apontou ao PS como principal adversário.

Nesse sentido, foi a sentença de Louçã que marcou o tom da Convenção e que todos replicaram por outras palavras: os portugueses são “vítimas da maioria absoluta”. Os ataques à maioria absoluta do PS foram permanentes e serviram de nova declaração de intenções: com eventuais legislativas no horizonte, o BE pretende voltar a ser um partido da oposição, enterrar o pouco que restava da geringonça e deixar definitivamente de olhar para o PS com a benevolência que se concede aos parceiros. A grande dúvida é se tudo isso não virá tarde demais para um partido que, após a experiência da geringonça, perdeu o apelo de irreverência que o distinguiu.

Miguel Pinheiro.  No BE, quando o poder descola do povo, muda-se de povo

Na sexta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa explicou, com caraterístico bom senso, que, “quando o poder entra em descolagem em relação ao povo, não é o povo que muda, é o poder que muda”. Por uma razão simples: “É mais fácil mudar de instituições do que as instituições mudarem de povo”. Poucas horas depois, no sábado, com o seu caraterístico fanatismo, o Bloco de Esquerda discordou fervorosamente.

Nas últimas eleições, aqueles que exercem o poder dentro do partido entraram notoriamente “em descolagem em relação ao povo” — tanto que tiveram o pior resultado dos últimos vinte anos. Mas esta evidente derrota, que o próprio BE reconhece, não levou a elite dirigente do partido a debater por um segundo as suas inabaláveis convicções. Em vez de mudar as “instituições” do partido, decidiram mudar de “povo” — ou, pelo menos, decidiram esperar que o “povo” mudasse.

Ao longo deste fim de semana, a ex-líder e a futura líder, juntamente com os fundadores e os seguidores, insistiram e persistiram na ideia de que o Bloco estava certo e o “povo” estava errado. Com aquele indisfarçável paternalismo que tem guiado a sua vida política, Francisco Louçã passou todo o seu discurso a perguntar, retoricamente, aos ex-eleitores do BE que preferiram o PS nas últimas eleições, se já se tinham arrependido do seu terrível erro. “Quem festejou nessa noite… o que é que fizeram da vitória?”, questionou, como um pai severo que disciplina um filho inconsciente.

Para citar um grande pensador político português, um batalhão de cavalaria à desfilada na cabeça de um bloquista não esbarraria numa dúvida, ou sequer numa hesitação. Este fim de semana, o partido mudou de líder, mas não mudou mais nada. O BE acha que tem toda a razão e tem a certeza de que os outros não têm razão nenhuma.

O que distingue um político de um profeta é a capacidade de perceber a diferença entre a convicção e a obstinação — o que quer dizer que, no BE, não há candidatos a deputados ou a autarcas, só há candidatos a profetas. O PCP é conhecido por se declarar sempre vencedor nas noites eleitorais, mesmo quando tem resultados catastróficos. Mas o BE é diferente. Sempre que os votos desaparecem, os bloquistas admitem a derrota, mas insistem que, mesmo quando perdem, vencem.

Para citar um grande pensador político português, um batalhão de cavalaria à desfilada na cabeça de um bloquista não esbarraria numa dúvida, ou sequer numa hesitação. Este fim de semana, o partido mudou de líder, mas não mudou mais nada. O BE acha que tem toda a razão e tem a certeza de que os outros não têm razão nenhuma. Se o “povo” não percebe isso, pior para o “povo”.

Rui Pedro Antunes. Qualquer coisa de centro para voltar a saborear o caviar

O novo Bloco é o velho Bloco. Há uma nova líder, mas os rostos, incluindo da própria, são os mesmos da última década. Isso traz uma vantagem: Mariana Mortágua não tem um problema de notoriedade. Todos a conhecem e sabem do que é ou não capaz: desde a maturidade técnica e o destemor com que enfrenta um banqueiro-divino numa CPI ao impulso naïf de desejar a morte de um opositor político.

Para levantar o Bloco do chão, Mariana Mortágua precisa, porém, de um processo de catarinização: numa reinterpretação da célebre frase de Abril de Nanni Moretti, precisa de mostrar “qualquer coisa de centro”. O Bloco não volta aos resultados de 2019 sem que os eleitores (também os de centro-esquerda) levem Mortágua a sério.

O Bloco gostou de elaborar orçamentos, de ter o "Chico" (Louçã) no Conselho de Estado e até de indicar juízes para o Tribunal Constitucional. Depois de provar o sabor de caviar (do poder) já não quer, naturalmente, voltar à sardinha (do protesto minoritário).

A oposição dura ao PS, que o BE tenta afirmar, tem prazo de validade: vai até às próximas eleições. Que desejavelmente serão em 2026. Ao Bloco Mortágua não interessa eleições antecipadas com o risco de reeleição de Costa (que não quer nada com o BE), mas desgastar o Governo e esperar que chegue um ciclo em que o período pré-eleitoral mostre aos eleitores que o voto útil é dispensável perante uma perspetiva pós-eleitoral de neo-geringonça. Se o líder do PS for na altura Pedro Nuno Santos, o caminho será mais fácil e Mortágua a pessoa certa à frente do partido certo (o PCP resistirá a novo engodo, se ainda tiver relevância eleitoral para tal).

O grande desafio de Mortágua é precisamente esse: recuperar o poder, voltar ao arco da governação. Isto porque o Bloco — que tem na lapela avanços nos direitos LGBTQI+ ou a “Lei João Semedo” — já não se contenta com conquistas de causas.

O Bloco gostou de elaborar orçamentos, de ter o “Chico” (Louçã) no Conselho de Estado e até de indicar juízes para o Tribunal Constitucional. Depois de provar o sabor de caviar (do poder) já não quer, naturalmente, voltar à sardinha (do protesto minoritário). Se ninguém duvida que tem mãos para pegar no megafone, a Mortágua falta provar aos eleitores que sabe usar o gravitas do blazer.

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