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Anne Boleyn (1501-1536), entre nós conhecida como Ana Bolena, cresceu no castelo da família, em Kent: uma fortificação de 1270 que o bisavó Sir Godofredo Bolena comprou, renovou e adaptou aos confortos de residência pensando na descendência. Passaram-se mais de 500 anos, meio milénio de fama, e nem por isso Hever Castle (que tem uma nova exposição dedicada a uma das mais célebres rainhas consorte de Inglaterra) sofreu alterações de fachada, mantém a estrutura medieval e defensiva, de pequena dimensão, no meio de uma pradaria que na primavera se enche de narcisos, e nos permite imaginar os torneios de justa que ali se desenrolavam e em que se entretinham os cortesãos dos Tudor.
Passando a ponte levadiça, acede-se ao pátio interior, do século XIII, revestido a estuque e madeira escura centenária e ao empedrado que Ana e a família Bolena calcorreavam. Lá dentro, o castelo sofreu grandes renovações, feitas pelo posterior dono de maior renome, William Waldorf Astor, o homem mais rico da América, a quem se devem os jardins e lagos que nos cercam, destacando-se um jardim ao estilo italiano repleto de esculturas romanas, algumas com mais de 2 mil anos de história. Empreendidas no início do século XX, as obras foram fiéis a um estilo revivalista ou neo-Tudor, aplicado à recuperação de muitos dos painéis de madeira escura com que Astor se terá deparado.
Não obstante, há ainda muito a ligar-nos à atmosfera que Ana e a sua família respiraram: desde os corredores estreitos às janelas que ostentam um vidro antigo a deitar sob o pátio, aos quartos que Ana e Henrique VIII utilizaram com as respetivas camas de dossel. No chamado Great Hall, conserva-se a lareira encimada pelo escudo de armas dos Bolena, frente a uma bela tapeçaria, era nesta sala que a família jantava, recebia e entretinha Henrique VIII e a sua comitiva nos dias tumultuosos em que ele as visitava, no alto do castelo persiste também uma galeria de retratos, a chamada Long Gallery, criada pelo bisavô de Ana, incontornável em qualquer palácio Tudor, exibindo os retratos dos poderosos homens e mulheres ligados à saga da Guerra das Rosas (1455-1485) que antecedeu o nascimento de Ana, e à Reforma inglesa, contemporânea de Ana, e cujas histórias se perderam, ao invés da dela. Sob aqueles tetos, as pessoas eram bem mais baixas e franzinas do que somos hoje e ali são reconstituídas para não o esquecermos através de manequins que nos elucidam também sobre a moda Tudor, os seus vestidos escuros com toucas orlados de pérolas e joias — ligando-nos ainda a Ana dois livros de horas que possuía e estimava e através dos quais rezava, aqui em exibição.
A sua infância é quase desconhecida, quando comparada com a exposição pública e o interesse histórico que recebeu, a partir do momento em que conquistou a atenção do rei e se tornou a segunda das suas seis mulheres e a mais conhecida de todas. É interessante notar como o rei que mais vezes se casou na história de Inglaterra se notabilizou pelo comportamento na esfera marital e pelo tratamento que deu às esposas.
Os ingleses são ambivalentes no modo como falam do segundo dos monarcas Tudor e embora não escamoteiem que foi um tirano, abstêm-se de o qualificar como um serial killer, estimando-se que matou ou mandou matar 57 mil pessoas. A razão é simples: Henrique VIII deu-lhes algo que não deixam de prezar — uma nova religião, um destino diferente do “continente” europeu, a perceção de serem um povo líder e de cabeça erguida, forjado por uma miscelânea de orgulho, insubmissão autoconfiança que acontecimentos posteriores reforçariam. As crianças ingleses aprendem de pequenas uma conhecida mnemónica/lengalenga/cantilena pela qual nunca mais esquecem os destinos que tiveram as consortes de Henrique VIII: Divorciada, decapitada, morreu, divorciada, decapitada, sobreviveu (“divorced, beheaded, died, divorced, beheaded, survived”). Falamos de Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard e Catarina Parr — que viveram algures entre 1509 e 1547.
A melopeia enfatiza o risco a que as vidas destas mulheres ficaram expostas a partir do momento em que casaram com o homem mais poderoso de Inglaterra. Sobreviveriam ou morreriam? Em última análise, era essa a questão, já que o casamento punha em marcha uma roleta, puramente aleatória, a que não escaparam amigos íntimos e conselheiros do rei.
Uma parada demasiado alta
Ana Bolena foi a consorte por quem Henrique VIII mais se atreveu. Por ela afrontou, “batalhou”, arrastou o país para a beira de uma guerra civil e não acalmou até a ver coroada, mas foi também a que mais ostensivamente ele humilhou, bem como a primeira a quem mandou cortar a cabeça, impaciente por se casar com outra. Por Ana e pelo sonho de que ela lhe desse um herdeiro, o rei de Inglaterra empenhou-se em terminar o casamento que tinha com a mulher do irmão mais velho, precocemente falecido, e que durava há 18 anos. Não é claro se Henrique VIII já estaria apaixonado por Ana em 1525, ano em que primeiro sonda a hipótese de anular o casamento com Catarina de Aragão, junto de Clemente VII, num procedimento consentâneo com a sua fé e religião, usando o pretexto de que a espanhola não lhe assegurava um varão (Catarina havia passado dos 40 anos e tinha-lhe por essa altura dado três filhos rapazes que haviam morrido).
Clemente VII responde-lhe tardiamente, no início de janeiro de 1531, proibindo-o de se tornar a casar, sob pena de excomunhão. Esgotados novos expedientes para obter o pretendido, Henrique VIII casa-se oficialmente com Ana, em janeiro de 1533, aceitando basicamente que a excomunhão era um preço que estava a disposto a pagar pelo casamento, a independência do Papa e a conquista de um herdeiro. Numa cerimónia de coroação realizada na Abadia de Westminster, em Junho desse ano, o Arcebispo da Cantuária colocaria sobre a cabeça de Ana a coroa de São Eduardo reservada geralmente para a cabeça de um monarca, e uma outra mais leve feita especialmente para Ana que Isabel I usaria, depois da morte da mãe, no dia da sua própria coroação. Foi o momento de glória de Ana, o culminar de sete anos de ambição, frustrações e disputas legais. O triunfo pessoal de uma nobre inglesa suplantara uma princesa de Espanha e derrubara mil anos de obediência inglesa à Igreja de Roma.
Claro que a história de amor de Henrique VIII tinha dividido o país e assim continuaria.
Em maio, a anulação do primeiro casamento de Henrique VIII é decretada pelo Arcebispo da Cantuária. Em setembro, nasce a futura Isabel I. Este e outros desentendimentos com a Igreja, aliados à sua convicção de que não existia pessoa acima de si na terra, como ele próprio declarou, levam Henrique VIII a iniciar o processo da “Reforma Inglesa”, de modo a legitimar o casamento com Ana e a assegurar que os herdeiros da união herdariam o trono sem contestação.
No ano seguinte, o Parlamento aprova o “Ato de Sucessão à Coroa” (1534) pelo qual Henrique VIII se reconhece e aos seus descendentes como Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra. É desde esta data que os reis de Inglaterra passaram a deter uma originalidade face a outras monarquias: a concentração do poder temporal e espiritual na pessoa do monarca. O “Ato de Sucessão” exigia um juramento de lealdade prestado pelos súbditos, reconhecendo não apenas o casamento do rei como os respetivos filhos como herdeiros legítimos do trono inglês, e que como tal implicava o repúdio do Papa e do primeiro casamento de Henrique VIII. Deste modo, se expurgava o estigma da ilegitimidade que a princesa Isabel carregava desde o berço, nascida no ano em que os pais se casaram, já que para a Igreja o relacionamento do casal era bígamo, e portanto também inaceitável aos olhos dos católicos de Inglaterra.
Conhecemos as consequências funestas que advieram para católicos como Thomas More a partir do momento em que se recusou a prestar o “juramento de sucessão” e aceitar que um chefe (temporal) fosse o líder da espiritualidade. Apesar de amigo do rei, Thomas More seria julgado por alta traição, condenado e executado — a notícia chocou a Europa.
A contenda entre esta ilha e o sucessor da cadeira de Pedro azedaria até 1538, ano em que Paulo III, então Supremo Pontífice, estando já Ana Bolena enterrada, excomungaria definitivamente Henrique VIII, algo que o predecessor Clemente se refreara de fazer e que o próprio Paulo sustivera por algum tempo, na esperança de que o monarca inglês arrepiasse caminho. O monarca inglês tornara-se herético, um caminho que Pio V repetiria em 1570, ao excomungar por bula papal a filha Isabel I.
Mas voltemos a Henrique VIII. Quando se decide a tomar Ana Bolena como mulher, fá-lo para assegurar um herdeiro. Mas fá-lo também porque Ana, cuja irmã mais velha já fora sua amante, se recusa a seguir as pisadas de Maria (Bolena) e a deitar-se na sua cama. Opondo-se ao papel de amante, ela espicaça-lhe a luxúria e a vontade de a desposar.
De acordo com os anais históricos, Ana não era dona de uma beleza estonteante, mas era razoavelmente atraente, extremamente loquaz e culta. Falava várias línguas e era versada em literatura, artes, política e religião. Era ainda graciosa, sabia dançar, cantava como uma sereia, tocava harpa, rabeca e flauta. Recebera portanto uma educação esmerada e fora do comum, mesmo na sua classe social, já que por exemplo, a sua sucessora, Jane Seymour, terceira mulher de Henrique, sendo também nobre, sabia apenas ler, escrever e bordar. Ana tinha ainda a seu favor uma magia, mistério e resguardo que deixava os homens curiosos, e sabia usar os seus negros olhos, convidando o interlocutor à conversa, ou transmitindo-lhe excepcionalmente a promessa de uma paixão secreta. A jovem encarnava as qualidades do espírito da Renascença, absorvidas nas melhores cortes europeias em que crescera.
Mais francesa do que inglesa
Aos doze anos, em 1513, o termo da infância à época, Ana fora enviada na sua primeira travessia do canal da Mancha, com destino à corte de Margarida da Áustria (1480-1530), regente dos Habsburgos nos Países Baixos, junto de quem havia sido nomeada dama de companhia. Esta colocação muito prestigiante, no Palácio de Mechelan em Brabante, Bélgica, como uma das 18 damas da Arquiduquesa, fora obtida por Tomás Bolena, à data, um diplomata respeitado com talento para línguas que impressionara Margarida nas visitas feitas à corte. Era das cortes mais admiradas e ilustres na Europa, para a qual as melhores famílias nobres europeias desejavam enviar os filhos. Ana estaria nervosa e excitada, ciente das expectativas familiares que sob ela recaíam, e que incluíam consolidar influência e prestígio no continente. Data dessa altura o interesse de Ana por livros opulentamente decorados e artisticamente encadernados, mais objectos de arte do que meros textos e o conhecimento do pensamento de escritoras e eruditas da Renascença como Cristina de Pisano, que vivera também em França.
Um ano decorre e Ana sai da Bélgica e é enviada para a corte de França como dama de Maria Tudor, irmã de Henrique VIII, que se casara com o rei de França, Luís XII. A morte precoce deste, uns dias depois, não a faz regressar com Maria Tudor a Inglaterra, mas transitar para dama de companhia da rainha Cláudia, mulher de Francisco I, na corte de quem também fica exposta às belas-artes e aos livros. Permanece assim em França de 1514 a 1521.
Diz-se que quando regressou de França, no ano seguinte, Ana não era tomada por inglesa, mas por francesa, que era mais francesa do que inglesa. E conscientemente aplicava a linguagem, literatura, ares, graças e sofisticação dos franceses para se distinguir das demais damas da corte. Tinha definitivamente um je ne sais quoi que atraiu outros cortesãos. Um intelecto, elegância e fascínio europeus, à época muito admirados, e considerados exóticos. A sua simpatia pelo país dos antepassados continuaria pelo resto da vida, durante a qual promoveu as relações políticas anglo-gaulesas, preferiu a moda francesa bem como a importação e leitura de livros e bíblias de França.
Uma parada demasiado alta
Algures entre 1524 e 1525, Henrique VIII nota Ana na sua corte e interessa-se por ela. Escreve-lhe 17 cartas de amor que sobrevivem para consulta pública.
Numa das primeiras cartas que não se perdeu, de Ana ao seu muito amado rei, fala-nos da “joy that I feel in being loved by a King whom I adore”, agradecendo-lhe ainda a nomeação como “dama de honor” da Rainha Catarina de Aragão, situação que a “induz a pensar que Sua Majestade tem alguma consideração por mim visto que me proporciona o meio de o ver mais frequentemente e de lhe assegurar com os meus próprios lábios (o que farei na primeira oportunidade) que sou a súbdita muito reconhecida e muito obediente e sem qualquer reserva de Sua Majestade”.
A vida de Ana como rainha consorte foi um clarão. Depois de três abortos, três tentativas falhadas para produzir um herdeiro, mais de 1000 dias passados sobre a sua coroação, o rei envolve-se com Jane Seymour. Três meses decorridos sobre o dia em que o rei conhecera Jane, Ana é julgada por cinco crimes de adultério, incesto com o irmão Jorge e conspiração contra o rei, sendo condenada à morte. De notar que a execução de uma rainha era um feito sem precedentes e altamente chocante.
A cabeça de Ana seria a única cabeça Tudor decepada por espada e à primeira tentativa. No sangrento reinado do Tudor, as cabeças eram de costume cortadas por machado, os quais exigentes em precisão, conduziam a golpes falhados: foi o caso do machado usado em Maria dos Escoceses que só à terceira tentativa lhe decepou a cabeça. Talvez a morte pela espada lhe tenha sido aplicada a Ana por ser um método popular à data em França onde a rainha tinha passado anos felizes. Na manhã de 19 de maio de 1536, saindo da sua cela na Torre de Londres, ela pronuncia um discurso convencional antes da subida ao cadafalso, no qual elogia o rei como “Senhor gentil e soberano” e, salvando o orgulho, ajoelha-se para receber o golpe de misericórdia.
Jane Seymour tornou-se a terceira mulher do rei onze dias depois de este ter mandado executar Ana. Jane teve um percurso com semelhanças com o da sua predecessora: era, como ela, uma dama de honor da Rainha Catarina de Aragão, transitando para o serviço de Ana. Jane seria a mulher que o monarca mais amaria e a quem ficaria para sempre reconhecido, por lhe ter finalmente dado o filho porque desesperadamente aguardara: Eduardo VI. Não sabemos se o rei se desinteressaria desta esposa como se desinteressou das outras , pois morreria de complicações pós-parto. Similarmente aos Boleyn, os Seymour eram uma família nobre (embora não tão nobre quanto os Boleyn), mas igualmente ávida de poder e disposta a utilizar os encantos das mulheres do seu sangue para obter os favores de homens poderosos e se possível do rei.
Revisitando o que a história disse sobre os Bolena
Os Bolena têm sido encarados como uma família tacticista, ambiciosa, que na ânsia de colher favores e privilégios régios se serviu e manobrou as próprias filhas. Foi já escrito ter sido através da sexualidade das filhas que Sir Tomás Bolena se tornou um grande homem e que foi pelo mesmo motivo que depois caiu tão baixo. Deste modo, os Bolena seriam em parte responsáveis pela desdita e montanha russa de sucessos e catástrofes que os destruiu.
Mas será esta versão justa?
O irmão de Ana, Jorge, acusado de incesto com ela, seria também decapitado na Torre de Londres, dois dias antes da irmã, a 17 de Maio do fatídico ano de 1536, perante o olhar de Maria, a única irmã que lhes sobrevive e que fora amante de Henrique VIII. O velho pai, Sir Tomás Bolena, perde na velhice dois filhos, todo o prestígio e poder de que a família gozara durante gerações.
Executados foram também os amigos de Ana, acusados de adultério com ela, quatro deles, companheiros de justa de Henrique VIII — Norris, Weston, Brereton e Rochford. Não é inverosímil que até certo ponto o rei tenha acreditado que Ana o tenha traído com esses belos e atléticos cavaleiros que ainda eram capazes de mostrar sua masculinidade cavalheiresca, competindo em justas, quando ele, devido a um acidente, deixara de o poder fazer.
Alguma simplificação, mito, e exagero sobreveio à desgraça dos Bolena. Mais recentemente tem sido mesmo questionado o carácter maquiavélico do pai das duas Bolenas.
A família gozava de uma posição de prestígio, estatuto e poder muitas gerações antes de Tomás Bolena, para a qual havia trabalhado arduamente. Tinham origem na Normandia, em Boulogne-sur-Mer. O próprio nome Bolena derivaria de Boulogne.
Quando o pai de Ana nasce, em 1477, era beneficiário dos ganhos financeiros e políticos dos casamentos feitos pelos antepassados, tendo ainda herdado muitas terras acrescentadas pelo seu casamento com Lady Margaret Butler, a mãe de Ana, domínios que ele se encarregou de aumentar. Tomás Bolena foi um humanista que patrocinou muitos livros, contando-se alguns do erududito holandês Erasmo de Roterdão. Experiente na arte do amor cortês e dos torneios de justa, linguista talentoso, fluente em francês e versado em latim, tornou-se diplomata de nomeada com Henrique VIII e Embaixador de França entre 1519 e 1521, antes de Ana conhecer o rei. Como tal, viajava muito entre a corte e a costa de Dover para embarcar em viagens continentais. A meio do percurso parava em Hever, no seu castelo, onde morreu um homem destruído três anos após a execução dos filhos.
O texto da última carta de Ana ao marido não deixa dúvidas em relação ao quanto a sua relação havia decaído:
“Sir, your graces displeasure, and my imprisonment, are things so strange onto me, as what to write, or what to excuse, I am altogether ignorant. Towards your good grace, ever cast so foul a blot on your most dutiful wife, and the infinite princess, your daughter; thyne, good King, but let me have a fair trial, and let not my sworn enemies sit as my accusers and judges, yea, let me receive as open trial, for my truth shall fear no open shame (…).
If ever I have found in your sight, if ever the name of Anne Boleyn hath been pleasing in your hears, then let me obtain this request (…) From my doleful prison in the Tower, this sixth of May. Your most loyal and ever faithful wife Anne Boleyn”.
Traduzindo:
“Senhor, o desagrado de vossa Graça e a minha prisão são coisas tão estranhas para mim, como a minha total ignorância quanto ao que vos devo escrever ou pelo qual pedir desculpa. Que vossa Boa graça, lance para sempre uma mancha tão suja na sua esposa mais obediente, e na princesa infinita, vossa filha [Isabel I] (…) bom Rei, deixe-me ter um julgamento justo, e não deixe os meus inimigos mortais actuarem como meus acusadores e juízess, sim, deixe-me receber um julgamento aberto, pois a minha verdade não teme nenhuma vergonha pública (…).
Se alguma vez agradei à vossa vista, se alguma vez o nome de Ana Bolena foi agradável para os vossos ouvidos, concedei-me este pedido (…) Da minha dolorosa prisão na Torre, neste dia seis de Maio. A vossa esposa mais leal e sempre fiel.
Ana Bolena”.
O pedido não foi atendido. O maior amor do rei tinha-se transformado em ódio, e ele empenhar-se-ia em apagar a memória de Anne Boleyn, destruindo inclusive o retrato que Holbein fizera dela. A filha de ambos, anos mais tarde, evocaria com frequência a mãe, usaria a sua iconografia e joias e traria de regresso à corte os parentes maternos dela afastados.