A 19 de fevereiro, já o mundo não conseguia tirar os olhos da escalada de tensão entre a Rússia e a Ucrânia, os irmãos Pierre e Andrea Casiraghi (filhos da princesa Carolina do Mónaco), as poderosas famílias Niarchos e Heineken, e ainda o príncipe Eduardo de Inglaterra, conde de Wessex, reuniam-se a propósito de um clube de ski privado onde quase ninguém entra (e todos querem entrar) e brindavam com vinho português — mais especificamente Mar de Rosas, o rosé que nasce naquelas que são vendidas como as “vinhas mais ocidentais da Europa continental”, na região de Colares.
Na festa de 90 anos do Corviglia Club, na estância alpina de luxo de St. Moritz, estava o também sócio Nicholas Von Bruemmer com o vinho do Casal Santa Maria, projeto que lidera desde a morte do avô em 2016 — Bodo Von Bruemmer ficou famoso por aos 96 anos acordar de uma cirurgia com a ambição de plantar uma vinha. O barão idoso queria fazer dos melhores vinhos da Europa e, por certo, conseguiu o que para muitos será impensável: o rosé que cresce em solo nacional e ronda os 20 euros foi servido à nata da nata.
Não é exagero. O acesso ao famoso e discreto Corviglia Club, no cimo da montanha que lhe empresta o nome, a quase 3 mil metros de altura, nunca foi uma questão de dinheiro, antes de pedrigree. Criado em 1930, mantém-se até hoje um ponto de encontro do jet set internacional, com apelidos sonantes e membros da realeza europeia a fazerem parte da muito exclusiva lista limitada a 155 convidados, ao ponto de fazer lembrar o “grupo dos 400”, controlado pela matriarca dos Astor, a rainha da alta-roda de Nova Iorque, na segunda metade do século XIX.
Paulo, príncipe herdeiro da Grécia, e a mulher Marie-Chantal Miller, Bianca Brandolini, modelo, atriz e socialite italiana, Chantal Hochuli, a primeira mulher do príncipe Ernesto de Hanover, e ainda a família Agnelli, cuja dinastia empresarial foi erguida por Giovanni Agnelli, um dos fundadores da Fiat Motor Company, são outros dos nomes que marcaram presença na exclusiva festa — uma de muitas realizadas nesse mesmo fim de semana — no Badrutt’s Palace Hotel, um dos mais antigos e luxuosos de St. Moritz. Quem o conta ao Observador é Nicholas Von Bruemmer, membro desde 2013 do clube, embora não se alongue nos detalhes.
Pouco mais se sabe sobre o evento onde o que importa é ser visto entre os pares e não avistado pelos comuns mortais, ainda que Olympia da Grécia e Dinamarca tenha desvendado “o laço do baile” na respetiva conta de Instagram: uma imagem em que surge de costas, mas que deixa a descoberto um pouco do glamour do evento. E não é certo se a portuguesa Joana Lemos, que casou a 7 de outubro em Tavira com Lapo Elkann, neto de Giovanni Agnelli, esteve ou não no evento, embora ande por estes dias a esquiar em St. Moritz.
Não existem requisitos previamente estabelecidos para pertencer ao clube a não ser o convite propriamente dito, mas uma boa dose de prestígio social ajuda. Já antes terá dito o bilionário Freddy Heineken, que noutros tempos conviveu com Grace Kelly e Rainier, príncipe do Mónaco, que não queria ver “loiras oxigenadas com um bronzeado artificial ou homens com meias brancas” entre os ilustres membros. Uma regra que parece ter sido seguida ao longo de 90 anos de história — atualmente, a responsabilidade de gerir o discreto grupo pertence ao príncipe Augusto Ruffo di Calabria, sobrinho de Paola da Bélgica. De acordo com um artigo de 2016 da Sábado, há vários anos que o ritual se mantém, quando exatamente às 16h da primeira sexta-feira de fevereiro a mais de uma centena de sócios reúne-se de forma a avaliar as propostas de potenciais novos membros. Serão certamente momentos de tensão para muitos aficionados na corda bamba, com ventos de bonança para uns, e tempestades trágicas para outros.
Quem paga uma taxa de adesão que não é considerada “ridiculamente alta” por quem a recebe, conta o The Telegrah num artigo de 2003, tem direito a almoçar na companhia de pares ilustres e a participar em corridas contra clubes rivais. “O Corviglia é uma organização privada que funciona nos moldes de um clube londrino”, explicou àquela publicação o secretário da organização que preferiu manter-se anónimo dada a imagem minimalista do Corviglia — uma fila de bandeiras, a representar a nacionalidade dos sócios, marca a entrada do espaço. “O que oferecemos aos membros e aos seus convidados é um nível de privacidade de que eles precisam para relaxar. Alguns dos nossos membros acham difícil ficar longe dos olhos do público, mesmo em férias.”
Se dúvidas houvesse, uma peça do The New York Times, de 1982, já fazia o pontapé de saída para a mediática exclusividade: afinal, em St. Moritz, a piada é que a lista de pessoas que não podem entrar no Corviglia Club é tão impressionante como aquelas que o conseguem fazer.
St. Moritz, a estância de luxo cuja fama nasceu de uma aposta feita há 158 anos
Corviglia não é o único clube de St. Moritz, mas será o que, sem qualquer ou nenhum esforço, mais se destaca nos media pelo seu secretismo. Está naquele que é o playground original de inverno dos ricos e famosos, apelando tanto a playboys do jet set internacional como a aristocratas — tem sido, sem sombra de dúvidas, o centro turístico dos dias frios para a realeza europeia desde há 150 anos. St. Moritz está localizado em Engadina, vale alpino na Suíça, e a sua fama nasceu de uma aposta bem ganha ainda o século XIX não tinha acabado.
Estávamos no ano de 1864 quando o hoteleiro pioneiro Johannes Badrutt alavancou o turismo de inverno alpino ao propor a quatro abastados veraneantes ingleses que ficassem no seu Kulm Hotel durante o inverno; caso não gostassem da experiência, seriam reembolsados. O resultado é facilmente adivinhado e, finda a temporada, os britânicos de faces rosadas renderam-se ao sucesso do sol e da neve. Caberia a Badrutt, segundo a Condé Nast Traveller, agitar ainda mais as águas ao realizar o primeiro torneio de curling da Europa em 1880, seguindo-se as corridas de trenós que estão na origem da Cresta Run, icónica pista de gelo para tobogãs. Já no século XX, o hotel competia com outras unidades de topo, incluindo o Badrutt’s Palace Hotel, de 1896, propriedade do filho de Johannes, cujas festas de passagem de ano são lendárias.
Foi este o local onde aconteceu a festa que assinalou os 90 anos do Corviglia Club — o atraso de dois anos nas celebrações terá que ver com a pandemia de Covid-19. É um acenar à história, até porque o ADN do exclusivo clube foi congeminado no conforto do hotel de cinco estrelas pelo então Duque de Alba e seus amigos, tal como se lê num artigo de 1985 publicado no The New York Times. Foi, aliás, no Badrutt’s Palace que Aga Khan passou a lua-de-mel, Noël Coward escreveu umas quantas páginas e Greta Garbo socializou. O Badrutt’s providencia ainda a comida servida no Corviglia Club.
A popularidade da Cresta Run deu origem, em 1929, ao Cresta Club, cujos critérios de adesão eram peculiares e, ao início e durante muito tempo, exclusivos ao sexo masculino. Um ano depois surgiria o Corviglia Club com uma política de sócios ainda mais dificultada — a título de exemplo, só em 2019 o filho mais novo de Isabel II conseguiu finalmente juntar-se aos príncipes europeus que já eram membros. Hitchcock, embora sem nunca esquiar, era presença assídua em St. Moritz, bem como Coco Chanel (outros nomes do passado são Gunter Sachs, o terceiro marido de Brigitte Bardot, Andy Warhol ou o também artista Jean-Michel Basquiat, mas ainda Sofia Loren, Elizabeth Taylor, Audrey Hepburn, John Lennon e o clã Onassis).
Todos os anos, desde que foi criado, o clube elege uma “Glamour Girl” entre os seus membros — pelo menos a julgar por este artigo de 2005. Os critérios para o aparentemente requisitado título incluem as seguintes exigências: que a candidata seja conhecida, de boa família, bonita e também desportiva, já que saber esquiar é obrigatório. A lista já incluiu, ao longo dos anos, Marella Agnelli, Alexandra Theodoracopulos, Dolores Guinness, Christina Onassis, que acedia ao topo da montanha de helicóptero em vez de usar os elevadores, e também a princesa Carolina do Mónaco.
Anfitrião de duas edições dos Jogos Olímpicos de inverno, em 1928 e em 1948, a história de St. Moritz, o primo chique de Gstaad, faz-se também de estreias: no natal de 1878 acendeu-se a primeira lâmpada elétrica; em 1889 aconteceu o primeiro torneio de golfe nos alpes e em 1935 começa a circular um dos primeiros teleféricos da Suíça. É descrito como um lugar de uma “excentricidade elegantemente louca”, onde se patina ao luar e há disputas de críquete, pólo e skijöring. A chegada à St. Moritz — que a publicação Town & Country considera ser o destino de ski mais secreto e histórico de toda a Europa — faz-se, em alguns casos, via jatos particulares, até porque o aeroporto mais próximo fica em Zurique, a aproximadamente 2h30 de carro. Lojas de luxo e restaurantes com estrelas Michelin fazem parte do cardápio ambicionado pela elite de viajantes. E se os forasteiros se concentram no malabarismo de ingerir cocktails e dar uso aos trajes de alta-costura, os locais e veteranos apostam, como manda a tradição, no entusiasmo desportivo.
“A espada da verdade”: o escândalo que abalou o enigmático clube
Apesar do extremo secretismo, nem o Corviglia Club está isento de escândalos — e foi precisamente o que aconteceu há cerca de um ano, um tumulto que levou Augusto Ruffo di Calabria a emitir um apelo urgente à calma de todos os membros após a circulação de um e-mail enviado sob o pseudónimo “Espada da Verdade”. Qual Gossip Girl, um colunista do Daily Mail contava em fevereiro de 2021 como a mensagem enviada a um financeiro londrino deixara os sócios em alvoroço.
Em resposta a um apelo do clube por fundos para apoiar o staff durante o confinamento decretado a mando da crise sanitária, o tal financeiro cedeu 800 libras e terá, inadvertidamente, enviado o e-mail para todos os contactos. Sem perder tempo, a “Espada da Verdade” ridicularizou o remetente do valor doado: “Que generoso! Essa quantia é muito maior do que seus cinco anos anteriores de gorjetas combinadas. Como é gentil em comunicar simultaneamente a sua extraordinária generosidade a cada um dos membros vitalícios. O seu ato altruísta é ainda mais notável quando se tem em mente que todos achamos, de qualquer modo, que você não é bem-vindo ao clube”.
Numa tentativa de serenar o ânimos, sobretudo os do financeiro caído temporariamente em desgraça social, Augusto Ruffo di Calabria considerou o e-mail em causa “um ato muito cobarde”, acrescentando a seguinte mensagem: “Gosto de pensar que o nosso clube tem altos padrões e que nenhum membro vitalício jamais se rebaixaria a tal ação”. Descrevendo o donativo de 800 libras como “extremamente generosa”, explicou também que foi o apelo original do clube que expôs, devido a uma “falha técnica”, os restantes endereços eletrónicos. Um ano depois, o mais provável é este financeiro não ter ido à exclusiva festa do Corviglia Club.