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Opposition activist Alexei Navalny speaks on Ekho Moskvy Radio
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Anton Novoderezhkin/TASS

Anton Novoderezhkin/TASS

A app de Navalny que quer unir a oposição russa — mas está a dividi-la

As eleições russas deste fim-de-semana têm um desfecho provável: larga maioria para o partido que apoia Putin. A partir da prisão, Navalny espera mudar isso — mas a sua SmartVote não é consensual.

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“Vou contar-lhe uma história”. Quando questionado sobre as eleições para a Duma (Parlamento russo), que acontecem ao longo deste fim-de-semana, Vladimir Gel’man — cidadão russo e professor de Ciência Política — decide contar ao Observador um caso que aconteceu no ano passado em Povalikhino, na Sibéria: “Há um ano, houve eleições locais naquela pequena vila. Havia dois candidatos à presidência da junta: um candidato do Rússia Unida [partido maioritário no Parlamento nacional, que apoia o Governo de Vladimir Putin] e uma outra candidata, que era uma empregada de limpeza da própria junta. E a maioria votou na empregada de limpeza. Não por ela ser melhor candidata do que o atual presidente da junta, mas porque não era ele. Estavam fartos.”

Não é que este professor, que dá aulas sobre o sistema político russo na Finlândia, ache que os deputados que apoiam Vladimir Putin vão todos ser derrotados na noite deste domingo porque os eleitores “estão fartos”. Gel’man não é ingénuo e deixa claro que o sistema montado pelo Kremlin não permite qualquer viragem abrupta. Mas, para o académico, são casos como o de Povalikhino que provam que o SmartVote — o sistema criado por Alexei Navalny e a sua equipa — pode ter algum sucesso este fim-de-semana. “O objetivo é o de estragar a máquina”, resume. “Os eleitores olham muito para votações de uma forma binária: a favor do statu quo ou contra o statu quo. O SmartVote permite que haja um caminho para os que são contra o statu quo: não porque a alternativa seja melhor ou pior, mas porque é a possível para romper com o sistema atual.”

Já este domingo, foi noticiado que a Google suspendeu o acesso às listas de candidatos e instruções de voto dadas pelo opositor de Putín.

Rússia: Google suspende acesso a listas e instruções de voto de Navalny

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O apelo de Navalny para que usem a sua app: “Não quer ser uma melhor versão de si próprio?”

Aqui chegados, há uma pergunta que se impõe: o que é o SmartVote afinal? É simples: é um instrumento criado pela equipa de Navalny que, através de um website e de uma app baseados em dados de sondagens e entrevistas com especialistas, permite aos eleitores russos perceber qual será o candidato em cada círculo eleitoral que tem mais hipóteses de derrotar o opositor do Rússia Unida. Seja o adversário um candidato comunista, liberal, nacionalista ou pró-Navalny — o objetivo não é concordar com todas as ideias daquele candidato, mas sim roubar o lugar na Duma ao representante do partido que apoia Vladimir Putin (que oficialmente já não é militante do partido). Atualmente, o Rússia Unida tem uma maioria de mais de dois terços no Parlamento (335 lugares em 450), que lhe permite fazer alterações constitucionais de monta ao sabor das vontades do Kremlin.

Polling stations ahead of 2021 Russian legislative election in Kazan

Os russos terão três dias para votar nas eleições de deputados para a Duma e também nas eleições a nível local em algumas cidades

Yegor Aleyev/TASS

“Se você obtiver o nome de um candidato através da SmartVote e for às urnas, vai tornar-se 1.000% mais influente e poderoso do que aquela versão de si que se queixa e não faz nada. Não quer tentar? Não quer ser uma melhor versão de si próprio?”. Foi este o apelo deixado por Alexei Navalny aos eleitores numa carta publicada esta quarta-feira, dois dias antes de as urnas abrirem (a votação decorre de sexta-feira de manhã até domingo à noite). A carta foi enviada a partir da Colónia Penal Número 2, uma prisão 200 quilómetros a leste de Moscovo, onde o rosto mais visível da oposição russa está a cumprir uma pena de dois anos e meio. A condenação de Navalny surgiu depois de o político ter estado hospitalizado em situação crítica na Alemanha, segundo o próprio na sequência de uma tentativa de envenenamento promovida pelo Kremlin.

Para além de terem colocado o principal rosto da oposição na prisão, as autoridades russas apertaram o cerco à organização de Navalny nos últimos meses: acusações criminais, bloqueio de páginas online do grupo e ilegalização da própria associação liderada por Navalny, a Fundação de Combate à Corrupção. Muitos dos principais aliados do político abandonaram o país, por receio de serem presos. O principal grupo que fazia alguma mossa a Vladimir Putin e ao Rússia Unida está, atualmente, destroçado e desorganizado.

Alexei Navalny's Trial

Alexei Navalny está atualmente a cumprir pena numa prisão a leste de Moscovo

Getty Images

Mas tal não impediu a equipa de tentar criar um instrumento que possa influenciar estas eleições, a SmartVote. Só que há dúvidas sobre quão eficaz pode ser este instrumento e até onde pode ir a sua influência nos resultados eleitorais divulgados na próxima noite de domingo. E, talvez ainda mais relevante: a app não é consensual entre os opositores e os próprios eleitores anti-Rússia Unida — é até um sintoma da incapacidade da própria oposição russa em se unir.

Pedidos de bloqueio à Apple, ilegalizações, detenções e até sósias no boletim de voto: o cerco apertado à oposição

A SmartVote, na verdade, nem é nova. A equipa de Navalny já promoveu esta estratégia de voto tático nas eleições locais do parlamento de Moscovo em 2019 e nas regionais de 2020. E, no passado, ela trouxe resultados razoavelmente positivos para a oposição: no parlamento moscovita, 20 dos 45 lugares foram para candidatos promovidos pela aplicação (com os comunistas a serem os mais beneficiados pela estratégia); nas regionais, contribuiu para que a Rússia Unida perdesse a sua maioria nos governos locais de cidades como Novosibirsk, Tambov e Tomsk.

Election campaign ahead of 2021 Russian legislative election in Moscow

Os candidatos do Partido Comunista Russo têm sido os mais beneficiados com a estratégia da SmartVote

Alexander Shcherbak/TASS

Grigorii Golosov, cientista político da Universidade de São Petersburgo e autor de um estudo sobre a eficácia da SmartVote, explica ao Observador por que razão considera que a aplicação pode ser positiva do ponto de vista dos opositores a Putin: “Navalny é a figura da oposição democrática na Rússia, mas a sua organização está de pernas para o ar e ele está preso. A única forma de obterem alguma forma de vitória é conseguirem reorganizar-se e recomeçar a propagar as suas ideias em público. E esta campanha é uma boa oportunidade para eles: ao convocar eleições para tentar consolidar o seu poder, as autoridades abrem o flanco a que os apoiantes de Navalny minem essa tentativa. Veremos se o conseguem fazer”.

“Navalny é a figura da oposição democrática na Rússia, mas a sua organização está de pernas para o ar e ele está preso. A única forma de obterem alguma forma de vitória é conseguirem reorganizar-se e recomeçar a propagar as suas ideias em público. E esta campanha é uma boa oportunidade para eles"
Grigorii Golosov, professor de Ciência Política da Universidade de S. Petersburgo

Golosov e o seu colega Mikhail Turchenko concluíram no seu estudo que, nas eleições de 2020, a SmartVote contribuiu para que os candidatos recomendados pela aplicação tenham tido em média um aumento de 10% no número de votos. Instado a comentar se poderemos ver outro efeito semelhante nestas eleições, o professor Golosov mantém-se cauteloso: “Talvez em alguns bairros de Moscovo, mas é muito difícil de prever”, diz, sublinhando que para haver algum efeito visível é preciso que os eleitores anti-Putin se mobilizem para ir votar em vez de ficarem em casa. Também o professor Gel’man considera que a verem-se efeitos, serão sobretudo sentidos em determinados círculos eleitorais: “Por exemplo, não tanto na eleição para a Duma, mas nas eleições locais que estão a ocorrer ao mesmo tempo, acho que pode haver um efeito visível em algumas grandes cidades, como São Petersburgo ou Yekaterimburgo.”

Russian President Vladimir Putin attends the first plenary session of newly elected State Duma

Vladimir Putin goza atualmente do apoio de uma maioria de mais de 2/3 na Duma

Getty Images

Golosov, porém, apressa-se a por água na fervura: “Mas tendo em conta a capacidade de mobilização do próprio regime, a sua repressão e as novas leis eleitorais que aumentam as hipóteses de fraude, acho que a Rússia Unida terá sempre mais de 40% dos votos. Se tal não acontecer, então estas eleições são uma vitória para Navalny — mas duvido muito que seja o caso.”

Os obstáculos à oposição criados pelo Kremlin a que Golosov se refere são muitos, como já vem sendo habitual em todas as eleições russas. Para já, em concreto, a SmartVote tem sido alvo de tentativas de sabotagem, como a decisão do regulador da internet russo de pedir à Google e à Apple que bloqueassem o site e a aplicação — inicialmente, as empresas não acederam ao pedido, mas a equipa de Navalny acusa-os agora de censura, constatando que a aplicação deixara de estar disponível.

A “máquina perfeita” do Kremlin para anular os adversários de Putin

Também este sábado, o Telegram anunciou ter bloqueado o site de Navalny. Uma decisão que acontece também depois dos pedidos dos responsáveis pelas telecomunicações russas, que exigiam esse bloqueio. A France-Presse (AFP) explica que, tal como a Google e a Apple, o Telegram também tinha inicialmente intenção de resistir à pressão, mas acabou por ceder às primeiras horas deste fim de semana.

Mas ainda antes disso, ao longo dos últimos meses, as autoridades têm ilegalizado uma série de ONG — incluindo a Golos, de monitorização de fraude eleitoral — e até órgãos de comunicação social independentes como o site Meduza, identificando-os como “agentes estrangeiros” no país que procurariam desestabilizar a Rússia. Várias figuras da oposição que se preparavam para concorrer a estas eleições desistiram, depois de várias pressões através do sistema judicial, como é o caso de Dmitry Gudkov — o homem que em 2018 previu ao Observador uma vitória clara de Putin nas presidenciais desse ano, porque, dizia, “Putin controla tudo” no país.

O antigo deputado, que foi uma das raras figuras a fazer oposição ao Rússia Unida na Duma, partiu para a Bulgária, depois de ele e a sua tia terem sido detidos por acusações de fraude financeira em junho. “Eles deixaram claro que se eu não desistisse das eleições e não saísse do país, iriam prender-me e à minha tia”, disse o próprio à Associated Press.

E o cerco à oposição por parte do Kremlin não se fez apenas na preparação das eleições. Mesmo agora, durante a reta final da campanha, multiplicam-se estratégias como a de inscrever candidatos com nomes iguais a figuras da oposição e até fazê-los cortar cabelo e barba de maneira igual, para que eleitores se enganem e votem na pessoa errada. E, como explicou o académico Alexander Pozhalov ao Meduza, esta é uma tática que também se relaciona com a SmartVote: “Quando há muitos candidatos ativos na mesma corrida, torna-se mais difícil para a aplicação determinar qual deles é o ‘mais forte’. E aí os eleitores ficam insatisfeitos e começam a criticar a SmartVote e isso enfraquece o próprio próprio poder do instrumento como forma de motivar os eleitores pró-oposição.”

“Apoiar outros ladrões e bandidos em vez dos do costume”. As críticas e divisões dentro da oposição a Putin

Para além de todas as dificuldades colocadas pelo regime à oposição, há ainda as feridas auto-infligidas. A tentativa de criar uma frente unida apoiando o candidato da oposição mais bem colocado, seja de que partido for, está longe de ser consensual. Veja-se a referência do famoso milionário e opositor de Putin exilado Mikhail Khodorkovsky que, no Twitter, explicou as suas reservas face à SmartVote: “Não quero ser colocado numa posição em que tenho de escolher entre apoiar o Smart Voting e ser contra Putin. É por isso que não quero que a SV apoie candidatos que são a favor de um quinto mandato para Putin”, explicou. A equipa de Navalny, contudo, não fez qualquer triagem aos candidatos: desde que não sejam da Rússia Unida, podem obter a recomendação da aplicação, seja quais forem as suas posições.

Já do lado dos próprios candidatos de outros partidos, há também dúvidas e divisões internas. “O segundo maior partido é o Partido Comunista e é ele quem mais beneficia com a SmartVote”, explica o professor Gel’man. “Não por uma questão ideológica ou de personalidade dos candidatos, mas simplesmente por serem o segundo melhor colocado. Já o [os liberais do] Yabloko estão numa posição mais difícil, porque são um partido muito mais pequeno. Daí que os seus candidatos estejam tão descontentes com a SmartVote, porque não os beneficia. Não admira que estejam desiludidos.”

Em concreto, vários candidatos do partido têm criticado a iniciativa, sobretudo depois do tiro de partida dado pelo ex-líder do Yabloko, Grigory Yavlinsky, que disse ter uma visão “muito negativa” da aplicação: “Não quero ter de escolher outros ladrões e bandidos em vez dos ladrões e bandidos do costume. Não quero ter de escolher entre um estalinista ou um nacionalista”, afirmou em entrevista ao Open Democracy.

“O segundo maior partido é o Partido Comunista e é ele quem mais beneficia com a SmartVote. Não por uma questão ideológica ou de personalidade dos candidatos, mas simplesmente por serem o segundo melhor colocado. Já o [os liberais do] Yabloko estão numa posição mais difícil, porque são um partido muito mais pequeno. Daí que os seus candidatos estejam tão descontentes com a SmartVote"
Vladimir Gel'man, especialista em Ciência Política da Universidade de Helsínquia

Para o professor Grigorii Golosov, a posição do Yabloko é puramente tática, já que o partido não é beneficiado pela SmartVote — logo, tem de a criticar. Mas pode causar profundas divisões internas entre os eleitores que se opõem ao regime de Putin: “Qualquer partido que concorra às eleições na Rússia acaba por ter de demonstrar lealdade para com o regime, se não é afastado. Neste momento, a melhor forma de o fazer é distanciando-se de Navalny. Do Partido Comunista esperava-se algo do género, mas do Yabloko não. Com esta atitude, perdeu todos os louros de poder ser visto como um partido democrático”, considera.

Os diferentes pontos de vista sobre como se deve travar o combate ao atual regime tornam impossível haver unanimidade entre a oposição russa. Ainda esta semana o jornal Moscow Times dava a conhecer aos leitores de língua inglesa a disputa que decorre no círculo eleitoral 198 de Leningradsky, em Moscovo, um dos feudos da oposição onde o Rússia Unida não deve eleger: a candidata do Yabloko, Marina Litvinovich, e a adversária apoiada pela equipa de Navalny, Anastasia Bryukhanova, trocam acusações e insistem que devia ser a oponente a desistir da corrida em seu favor. “A oposição não se consegue unir. Um liberal não consegue concordar com um nacionalista ou um comunista, é simplesmente impossível”, lamentou ao jornal Bryukhanova.

Daily life In Moscow

Anastasia Bryukhanova (nos cartazes) é uma candidata independente apoiada pela equipa de Navalny que protagoniza uma das lutas mais renhidas entre oposicionistas

Getty Images

Para o professor Golosov, a união da oposição em torna da SmartVote faria sentido porque, diz, “se os outros partidos só obtivessem votos dos eleitores que acreditam de facto nos seus programas, o Rússia Unida teria uma vitória retumbante”. Mesmo que não venha a ser o caso, tal está longe de significar o fim do regime ou até uma fase mais negra. É certo que o partido está com os piores níveis de popularidade dos últimos 13 anos, com uma taxa de apoio de menos de 30% — mas Vladimir Putin continua popular e, quem sabe, pode decidir recandidatar-se a um quinto mandato em 2024.

A situação económica é frágil, agravada com a pandemia de Covid-19, mas fora das grandes cidades a desconfiança face à oposição ainda é um obstáculo intransponível: “Não é que Voronej seja uma cidade pró-governo; mas não é uma cidade pró-oposição”, resumia um eleitor da cidade próxima do leste da Ucrânia, no início deste mês. O sentimento geral é de apatia — como comprova a sondagem do centro estatal VTsIOM que dá conta do maior nível desinteresse pela política por parte da população desde 2004. E a apatia não beneficia uma oposição que necessita de mobilização.

“É uma forma de guerrilha: não deita abaixo o governo, mas vai-lhe causando estragos”
Gel'man sobre a SmartVote

É por isso que a SmartVote é uma última tentativa desesperada de Navalny para agitar as águas. “Não é um plano para tomar o poder, é apenas para dificultar a vida ao Kremlin”, resume o professor Gel’man. “É uma forma de guerrilha: não deita abaixo o governo, mas vai-lhe causando estragos.” E, quem sabe, pelo meio possa surgir alguma surpresa como a da empregada da limpeza que derrotou o presidente da junta, em Povalikhino.

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