O mercado europeu fechou. Fechou para os mais remediados, para os mais abastados, para os novos pobres e para os novos ricos. E fechou também para os velhos novos ricos: Chelsea, Manchester City e PSG, os primeiros clubes a mudar o paradigma das janelas de transferências europeias com os milhões russos, norte-americanos, árabes e qataris.
Este verão, porém, os três clubes foram testados e forçados a mudar de estratégia. Ou, pelo menos, a adaptá-la às novas circunstâncias. O Chelsea teve de responder a uma temporada para esquecer e um balneário sobrelotado, o Manchester City teve de assumir que De Bruyne será sempre um problema em termos físicos e o PSG teve de se despedir de Messi e Neymar para seguir em frente. No fim, os velhos novos ricos voltaram a ser dos principais players do mercado de transferências.
Chelsea. Mil milhões em três mercados
As contas são bastante fáceis de fazer, já que a única operação matemática necessária é mesmo a soma. Desde que Todd Boehly chegou ao Chelsea e nas três janelas de transferências que se seguiram — o verão passado, o último inverno e o mercado de verão que terminou esta sexta-feira –, o clube inglês gastou perto de mil milhões de euros em contratações. Escusado será dizer que nenhum clube se aproximou. Aliás, escusado será dizer que nenhuma liga europeia se aproximou.
O Chelsea foi um dos primeiros clubes da história recente do futebol europeu a aproveitar o financiamento de um proprietário abastado para investir milhões que revolucionaram plantéis. E eras: com Roman Abramovich, os londrinos sagraram-se campeões pela primeira vez desde os anos 50, conquistaram a Liga dos Campeões em duas ocasiões e tornaram-se um dos principais gigantes europeus. Tudo graças ao dinheiro, é certo; mas ao dinheiro bem aplicado. Algo que não tem acontecido com os mil milhões de Todd Boehly.
A temporada passada foi um autêntico desastre para o Chelsea. Depois do afastamento de Roman Abramovich na sequência da invasão russa da Ucrânia, o norte-americano Todd Boehly assumiu o controlo do clube e abriu a porta a um verão de 2022 que mudou o paradigma do mercado de transferências europeu. Entre Raheem Sterling, Kalidou Koulibaly, Wesley Fofana e muitos outros nomes, os blues gastaram mais de 260 milhões de euros e nem sequer deram grande tempo para Thomas Tuchel trabalhar o plantel, já que o alemão acabou despedido ainda em setembro do ano passado.
Seguiu-se Graham Potter, que tinha orquestrado um grande arranque de época no Brighton, mas a fortuna do Chelsea não mudou — o que não fez com que o modus operandi mudasse. Em janeiro, Todd Boehly manteve a lógica e voltou a abrir os cordões à bolsa, chegando a um investimento de mais de 300 milhões. Entre Enzo Fernández, Badiashile e Mudryk, com o empréstimo milionário de João Félix e investimentos em jovens jogadores como David Datro Fofana ou Andrey Santos, os ingleses procuraram inverter o destino de uma temporada difícil.
Sem grande sucesso. Graham Potter saiu em abril, Frank Lampard voltou para ser interino até ao fim da época e Mauricio Pochettino foi o eleito para agarrar no leme dos londrinos. Depois de uma temporada em que o Chelsea ficou na segunda metade da Premier League pela primeira vez desde os anos 90 e não garantiu a qualificação para qualquer competição europeia, era preciso mudar a abordagem ao mercado — até porque o plantel estava sobrelotado.
A mudança de abordagem, porém, não envolvia gastar menos dinheiro. Envolvia realizar algum encaixe, libertar espaço no plantel para controlar o cumprimento do fairplay financeiro e prolongar a aposta na juventude e no futuro ao invés de contratar nomes consagrados. Kai Havertz, Mason Mount, Kovacic, Koulibaly, Pulisic e Mendy fizeram todos parte da primeira fase do plano, com o Chelsea a terminar ainda os empréstimos de João Félix e Denis Zakaria e a libertar N’Golo Kanté, Azpilicueta e Aubameyang a custo zero.
Em sentido oposto, chegaram a Stamford Bridge dois jovens jogadores vindos do Santos por 30 milhões, Lesley Ugochukwu por outros 27 e ainda o jovem Roméo Lavia, contratado ao Southampton por mais de 60 milhões. Adicionalmente, o Chelsea ganhou ao Liverpool a corrida por Moisés Caicedo, que valeu 116 milhões de euros ao Brighton e tornou-se a contratação mais cara de sempre entre clubes ingleses, investiu no avançado Christopher Nkunku, que custou outros 60, e resgatou o talentoso Cole Palmer ao Manchester City, sendo que o médio de 21 anos até estava a ser muito utilizado por Pep Guardiola no início da temporada.
Em resumo, o Chelsea aproveitou o verão para realizar uma autêntica limpeza de balneário — que foi também uma limpeza da folha salarial — e até abdicou de nomes que outrora tinham sido enormes apostas do clube, como Mount, Havertz ou Pulisic. Ainda assim, não deixou de gastar quase 400 milhões de euros em contratações, numa lista onde a larga maioria é mais um projeto de futuro do que uma solução para o presente.
Manchester City. As contratações cirúrgicas e o assumir do problema
A equipa de Pep Guardiola percebeu que teria de atacar o mercado assim que a temporada acabou, quando ficou bem claro que Gündoğan iria rumar ao Barcelona e deixar vago um lugar no meio-campo. O Manchester City não demorou muito tempo a encontrar uma solução, aproveitando o overbooking do Chelsea para resgatar o croata Kovacic, e aquela que parecia ser a grande prioridade no mercado de transferências foi solucionada com a celeridade e o pragmatismo que são apanágio no clube.
Tal como aconteceu com a larga maioria dos clubes europeus, o City também foi alvo do assédio da Arábia Saudita e perdeu Mahrez para o Al Ahli e Laporte para o Al Nassr, encaixando ainda os 47 milhões de euros que o Chelsea deu pelo jovem Cole Palmer. Para reforçar um ataque onde o argelino deixava de ser opção e o inglês já não estava disponível, Pep Guardiola fez o costume: foi para lá do óbvio e escolheu Jérémy Doku, avançado belga de 21 anos que estava no Rennes e que é dos nomes mais promissores da nova geração, tendo custado 60 milhões de euros. Para reforçar a defesa, contudo, a história foi outra.
Não era segredo para ninguém que o treinador espanhol queria fortalecer o setor defensivo durante o verão, não só pela saída de Laporte mas também pelo facto de John Stones se ter tornado um jóquer que é muitas vezes aproveitado para o meio-campo, e também não era segredo para ninguém que existia um nome favorito. Josko Gvardiol, central croata que deu nas vistas no Mundial do Qatar, deixou o RB Leipzig por 90 milhões de euros e foi a grande prenda que a cúpula do Manchester City deu a Guardiola depois da conquista da Liga dos Campeões.
Já com a temporada a decorrer, porém, surgiu um novo problema. Kevin de Bruyne lesionou-se gravemente logo na primeira jornada, contra o Burnley, e só deve regressar aos relvados daqui a quatro meses. Embora o Manchester City tenha soluções internas que podiam colmatar a ausência do médio belga — até porque não podemos esquecer Kalvin Phillips, internacional inglês que ainda não vingou no Etihad –, ficou claro que o clube assumiu finalmente que De Bruyne tem uma fragilidade física que não permite apostar no improviso.
Lucas Paquetá foi a primeira opção, com o interesse no brasileiro do West Ham a esmorecer quando este começou a ser investigado pela Federação inglesa devido a suspeitas de envolvimento com apostas e jogos combinados. A partir daí, abriram-se duas vias: Eberechi Eze, inglês do Crystal Palace, e Matheus Nunes, português do Wolverhampton. O médio formado no Sporting teve sempre primazia, até porque Guardiola já tinha ficado impressionado quando os leões defrontaram os citizens nos oitavos de final da Liga dos Campeões de 2021/22, e as negociações depressa começaram.
O Wolves começou por recusar a proposta inicial, que ficava nos 45 milhões mais cinco em cláusulas variáveis, mas a vontade do jogador depressa causou impacto. Matheus Nunes queria sair, acordou os termos pessoais com o Manchester City e recusou-se a treinar, deixando o clube quase de mãos atadas no momento em que os citizens subiram a parada para os 55 milhões mais cinco por objetivos. O internacional português assinou por cinco temporadas, conseguiu o desejado salto no trampolim um ano depois de deixar Alvalade e torna-se assim o terceiro português do City.
Terceiro porque, para além de Rúben Dias, Bernardo Silva ficou. Para além das entradas e das saídas, o Manchester City viveu um verão onde o risco de perder o internacional português foi sempre pairando: fosse para a Arábia Saudita, para o Barcelona ou para o PSG. No fim, e sem que a novela chegasse à última semana do mercado, Bernardo renovou e deu uma alegria a Pep Guardiola, que sempre defendeu publicamente a permanência do jogador.
PSG. O fim do trio-maravilha
O verdadeiro fim de uma era. Sem que a saída de Lionel Messi fosse sequer uma questão, com a ida do argentino para o Inter Miami a ficar confirmada ainda numa fase muito embrionária do mercado de transferências, o PSG teve de gerir a novela do costume: Kylian Mbappé. Em junho, o clube francês recebeu uma carta dos representantes do jogador onde ficava claro que este não pretendia acionar a cláusula que o deixaria ligado aos parisienses por mais um ano, até 2025 — ou seja, que queria sair a custo zero daqui a um ano, com a comunicação social espanhola a garantir que já existia um pré-acordo com o Real Madrid.
O PSG apressou-se a reagir e reagiu repetidamente, com Nasser Al-Khelaifi a garantir que a saída de Mbappé teria de significar um encaixe financeiro para o clube e nunca poderia acontecer a custo zero. Em resumo, que Mbappé teria de sair ainda em 2023 e que alguém teria de pagar (e bem) por ele. O braço de ferro durou praticamente todo o verão, com o avançado a ficar mesmo de fora do estágio de pré-temporada no Japão e na Coreia do Sul, acabando por ser reintegrado já em agosto e na sequência de conversações entre as duas partes. No fim, Mbappé ficou e as últimas notícias até dão conta de que poderá estar aberto a uma renovação de contrato.
Depois, Neymar. Já sem Messi e sem saber se Mbappé iria ficar em Paris, o avançado deixou-se seduzir pelos milhões e as regalias da Arábia Saudita e mudou-se para o Al Hilal de Jorge Jesus, deixando o trio ofensivo que prometeu mundos e fundos reduzido ao avançado francês que nem sequer dava garantias de futuro. O PSG procurou colocar vários excedentários, transferindo jogadores como Abdou Diallo, Bitshiabu, Icardi e Paredes e negociando os empréstimos de Renato Sanches e Xavi Simons, para além da saída de Sergio Ramos a custo zero.
Do lado das contratações, o clube francês parece ter deixado para trás os tempos em que dava primazia a nomes como Messi, Neymar ou Ramos e começou a olhar para outras paragens. Com Luis Enrique ao leme dos destinos da equipa e depois da saída de Christophe Galtier pela porta pequena, o PSG gastou 65 milhões com Gonçalo Ramos, 60 com Manuel Ugarte, 50 com Dembélé e 45 com Lucas Hernández, em investidas cirúrgicas e mais viradas para o rendimento desportivo do que propriamente para a venda de camisolas.
Pelo meio, ainda garantiu Marco Asensio, Skriniar e Cher Ndour a custo zero, sendo mais do que provável a saída de Marco Verratti para o Qatar nas próximas semanas. Num ano em que vai voltar a apostar tudo na Liga dos Campeões, objetivo que continua a perseguir apesar das desilusões das épocas anteriores, o PSG parece cada vez mais querer deixar para trás o mundo dos galácticos platónicos e juntar-se ao mundo dos vencedores concretos.