A 29 de janeiro de 1962, Yves Saint Laurent apresentava a sua primeira coleção de moda. Em 2022, os 60 anos deste importante acontecimento celebram-se em museus, porque o criador era apaixonado por arte e esta teve uma influência fundamental na sua obra. “Yves Saint Laurent aux musées” (Yves Saint Laurent nos museus) é um projeto que consiste em seis exposições que têm lugar em seis prestigiados museus parisienses (Centro Georges Pompidou, Museu de Arte Moderna de Paris, Museu do Louvre, Museu d’Orsay, Museu Nacional Picasso-Paris e Museu Yves Saint Laurent Paris). Em cada um deles as peças de moda de YSL serão expostas com as peças de arte das coleções dos museus, num diálogo que teve o seu ponto de partida na Fundação Pierre Bergé – Yves Saint Laurent.
Criador de moda, revolucionário e figura ímpar do século XX, Yves Saint Laurent criou ícones de moda, da cultura popular e da condição feminina. A rede de exposições, que abriu ao público este sábado, dia 29 de janeiro, é uma forma de homenagem e uma oportunidade única de ver ao vivo peças de Alta Costura ou do arquivo da marca e para as ver lado a lado com as obras de arte que as inspiraram. Foi um ávido apreciador de arte e usou-a como uma ferramenta que o ajudou a expressar a criatividade que fez dele também um interventivo ator na sociedade do século XX. Mouna Mekouar, a curadora desta super exposição dividida em seis museus, disse ao The Guardian: “Eu pensei que seria impossível ter tantos museus a concordar com a nossa ideia, mas eles estiveram todos muito interessados a altamente entusiasmados desde o início. É a primeira vez que trabalharam juntos num projeto”.
Yves Saint Laurent nasceu a 1 de agosto de 1936 em Oran, na Argélia, de pais franceses. Começou por desenhar roupa para a mãe e aos 17 mudou-se para Paris para estudar moda na Chambre Syndicale de la Haute Couture. O talento era notório e em pouco tempo estava a trabalhar na casa de moda de Christian Dior. Quando este morreu, em 1957 (apenas 10 anos depois de fundar a sua marca que era já uma das mais importantes da moda no mundo) foi Saint Laurent quem o substituiu, com apenas 21 anos. A 30 de janeiro de 1958 apresentou a sua primeira coleção de Alta Costura para a maison francesa e logo começou a impôr as suas ideias. Trocou a linha ampulheta de Dior por uma silhueta trapézio, mais libertadora para o corpo da mulher e conquistou a imprensa, mas chocou as clientes. Em 1959 desenhou o vestido de noiva de Farah Diba para o casamento com o Xá da Pérsia. No ano seguinte foi chamado para o exército francês para a guerra da Argélia pela independência. A pressão do conflito e o facto de ter sido substituído na Dior obrigaram-no a afastar-se para tratar da sua saúde física e mental.
Com aquele que viria a ser o seu parceiro de vida, o empresário Pierre Bergé, montou a marca Yves Saint Laurent em dezembro de 1961 e em janeiro de 1962 apresentou a sua primeira coleção, de Alta Costura, claro, a única forma de fazer moda que existia então. E foi também ele que mudou o paradigma, criando em 1966 uma segunda linha na sua marca dedicada ao prêt-à-porter, a Rive Gauche. Com o talento de um para a criação de moda e de outro para a gestão de negócios, começou assim uma marca que foi pioneira em muitas circunstâncias e que se mantém um pilar da história da moda e uma marca relevante atualmente. Saint Laurent desafiou regras e quebrou preconceitos. É também o criador do smoking, o responsável por trazer para as passerelles parisienses muitas culturas como forma de inspiração e obras de artistas (como tratam as exposições já referidas), mas mantendo sempre por perto as suas musas de diferentes gerações, como Catherine Deneuve, Loulou de la Falaise, Betty Catroux ou Laetitia Casta.
Centro Georges Pompidou
No Centro Pompidou celebra-se a arte do século XX e contemporânea. Já a 22 de janeiro de 2002 o mesmo espaço foi palco de um desfile de celebração dos 40 anos de carreira de Yves Saint Laurent, depois do criador ter anunciado que se iria retirar da moda no dia sete desse mesmo mês. E aqui as criações de Yves Saint Laurent vão reunir-se com alguns dos artistas e obras que as inspiraram diretamente, como Mondrian, Matisse, Braque, Picasso, Bonnard ou Léger e a Pop Art.
Uma das peças que estará exposta é o vestido Mondrian, que se tornou não só um ícone da carreira de YSL como também da própria década de 1960. No site do Museu YSL Paris pode ler-se a sua história. Tudo começou com um livro sobre a obra de Mondrian que Yves Saint Laurent recebeu de presente da mãe no Natal, (“Piet Mondrian Sa vie, son œuvre”, de Michel Seuphor, 1956). O artista holandês, que se juntou à cena artística parisiense em 1912, tem como as suas obras mais famosas os quadros com formas geométricas e cores básicas do movimento neoplasticista e que datam do início da década de 1920. E foram precisamente as suas Composições que inspiraram Yves Saint Laurent em 1965. A coleção outono/inverno 1965, que foi apresentada a 6 de agosto, contava com cerca de 106 looks e, destes, 26 eram inspirados na arte de Mondrian. Os respetivos vestidos foram um sucesso entre a imprensa e o público, além de fazerem uma capa da Vogue francesa. Foram ainda muito copiados nos Estados Unidos e viriam a inspirar o criador nas décadas seguintes. No mundo da Arte, pode-se dizer que valorizaram a obra de Mondrian, uma vez que em 1969 aconteceu a primeira exposição retrospetiva do artista em Paris.
Além de um vestido Mondrian e do casaco de pelo verde da coleção Scandale de 1971, estarão também em exposição peças inspiradas na obra de Tom Wesselmann (na coleção de 1966), Matisse ou Léger (que inspiraram a coleção de outono/inverno de 1981), bem como outras criações de Saint Laurent que se inspiram em arte, mas não diretamente na obra de um artista.
De 29 de janeiro a 16 de maio, nos pisos 4 e 5 do Centro Georges Pompidou.
Museu de Arte Moderna de Paris
Neste museu, o poder dos jogos de cor da cativante magia de uma paleta cromática ganha protagonismo. A grande instalação de 250 painéis “La Fée Electricité”, encomendada a Raoul Dufy pela Companhia Parisiense da Distribuição de Eletricidade para o Palácio da Eletricidade e da Luz, a propósito da exposição internacional de artes e técnicas de 1937, serve de cenário a três looks de cetim em “colour blocking” de 1992 e 1995. O conjunto cria um ambiente de jogos de cor com uma dimensão majestosa. Assim como dois looks da coleção de primavera/verão 2001 compostos por saias compridas e blusas com padrões coloridos inspirados na obra de Pierre Bonnard, podem ser vistos com o quadro Le Jardin, de 1937.
De 29 de janeiro a 16 de maio, no Museu de Arte Moderna de Paris.
Museu do Louvre
É, provavelmente, o museu mais famoso do mundo e junta-se também a esta celebração, não só de Yves Saint Laurent, mas também da moda francesa. Nesta morada, que é também um palácio, as peças de moda destacam-se pelo luxo e riqueza, por isso vão estar expostas num espaço igualmente opulento, na Galeria de Apolo. Esta sala foi encomendada pelo próprio rei sol, Luís XIV, ao arquiteto Louis Le Vau que de imediato se inspirou no cognome do soberano e no deus grego do sol e das artes, Apolo, e decorada por Charles Le Brun. O resultado deve ter agradado ao rei, porque alguns anos mais tarde este espaço serviu de inspiração ao famoso Salão dos Espelhos, no Palácio de Versalhes. Além da própria sala ser uma joia, por toda a sua decoração, é também lá que estão expostas as joias da coroa francesa. Podem ver-se, por exemplo, uma coroa da imperatriz Eugénia (mulher do imperador Napoleão), um conjunto de joias da rainha Maria Amélia, ou um colar da imperatriz Maria Luísa (segunda mulher do imperador Napoleão).
De 29 de janeiro a 15 de maio na Galeria de Apolo, no Museu do Louvre.
Museu d’Orsay
No museu parisiense que privilegia a arte do século XIX, é na literatura e, mais especificamente, em Marcel Proust, que está o laço que liga as criações de Yves Saint Laurent a este museu. O escritor foi uma grande inspiração para o criador de moda ao longo da sua vida e, conta o The New York Times, que isto se traduz numa exposição de smokings, numa referência à questão masculino /feminino. Le smoking é o casaco clássico masculino que Saint Laurent adaptou para as mulheres na década de 1960 e se tornou um marco na história da moda.
O jornal desvenda ainda que cinco peças destas, incluindo a original, criada em 1966, estarão expostas em frente ao grande relógio que é uma referência do edifício do museu. E ainda dois vestidos inspirados na Belle Époque, que foram criados especialmente pelo criador para o Baile de Proust, uma festa de máscaras organizada em 1971, por Marie-Hélène de Rothschild para celebrar o centenário do escritor. A famosa obra de Édouard Manet “Almoço sobre a relva” e as obras do período Impressionista estão abrangidas nesta exposição temática de moda.
De 29 de janeiro a 15 de maio no Museu d’Orsay.
Museu Nacional Picasso-Paris e Museu Yves Saint Laurent Paris
Saint Laurent tinha uma grande admiração pelo pintor malaguenho, inspirou-se na sua obra várias vezes e chegou a ter uma coleção Picasso, no outono/inverno 1979. As peças expostas no Museu Picasso junto às obras do artista espanhol, representam a época em que Saint Laurent explorou uma linguagem cubista inspirada pelo estilo artístico que desconstruia e reinterpretava linhas e formas. (Para ver de 29 de janeiro a 15 e abril.)
Por seu lado, no Museu Yves Saint Laurent Paris celebra-se a criação e a construção. Neste espaço estará em exposição material de arquivo que mostrará como se constrói uma peça de Alta Costura, como era o processo criativo de Yves Saint Laurent e a importância dos seus colaboradores. Provas das peças em pano cru, moldes em papel ou manequins com as medidas das clientes são algumas das peças em exposição. Assim como o famoso casaco dos Girassóis Van Gogh, da coleção primavera/verão 1988. Houve também um casaco inspirado no quadro Lírios, e ambas as pinturas foram recriadas através de bordados Lésage. A casa parisiense, uma especialista nesta arte há muitos anos que continua a trabalhar atualmente para as marcas de Alta Costura, investiu em cada um destes casacos 600 horas de trabalho.
O número 5 da Avenue Marceau, em Paris, foi a morada da maison Yves Saint Laurent entre 1974 e 2002, ano em que o criador anunciou logo a 7 de janeiro que iria abandonar a moda e a sua marca deixaria de criar Alta Costura. O edifício tornou-se então a casa da Fundação Pierre Bergé – Yves Saint Laurent (fundada em 2002) e a 3 de outubro de 2017 abriu como Museu Yves Saint Laurent Paris. Ao mesmo tempo em que abriu também o Museu Yves Saint Laurent Marraquexe, cidade que o casal fundador da marca adotou como segunda casa e onde passava grande parte do seu tempo. O museu na capital francesa tem mantido exposições constantes que abordam diferentes temáticas e mostram ao público peças do vasto arquivo da marca (que tem milhares de peças de roupa e acessórios) e o último piso conta com uma recriação do atelier onde trabalhava Saint Laurent.
De 29 de janeiro a 18 de setembro, no Museu Yves Saint Laurent Paris.
Saint Laurent e Pierre Bergé eram amantes de arte e ao longo de mais de 40 anos de vida em comum formaram uma vasta coleção. Depois da morte do criador de moda, a 1 de junho de 2008, o companheiro decidiu leiloar a coleção e entre os dias 23 e 25 de fevereiro de 2009 o Grand Palais tornou-se o palco de um leilão histórico conduzido pela Christie’s de 733 obras que atingiu um valor de vendas total recorde de 375.3 milhões de euros. Pierre Bergé também doou algumas peças de arte a museus parisienses e manteve fora desta venda a primeira peça que o casal comprou em conjunto. Além dos potenciais compradores, cerca de 30 mil pessoas passaram pelo monumento para ver a coleção, como se de uma exposição de arte se tratasse. E nesta coleção constavam obras de muitos dos artistas que inspiraram Saint Laurent em algumas das peças que estarão expostas nas exposições deste ano, como por exemplo Mondrian, Léger, Matisse ou Braque.
A casa Yves Saint Laurent tem já uma longa e rica história em museus. Em 1983 YSL foi o primeiro criador de moda vivo a ter uma exposição retrospetiva no Costume Institute, no Museu Metropolitan em Nova Iorque, organizada por Diana Vreeland. Apesar de algumas críticas que não gostaram de ver uma marca que vive do comércio dentro das mesmas paredes onde se expõem peças de belas artes com séculos de história, a mostra foi um sucesso. Conta a Encyclopedie de la Mode que depois, a exposição viajou para o Palácio da Belas Artes em Pequim, passou também pelo Museu do Hermitage, quando S. Petersburgo ainda se chamava Leninegrado, e pela Art Gallery de New South Wales, na Austrália. Outras exposições com a obra de Saint Laurent aconteceram em diferentes museus, mas o projeto de 2022 é, sem dúvida, diferente de tudo o que já foi feito.