– Então e a boina, ficou onde?
– A boina foi para casa, levei para casa…
No dia anterior ao encontro com o Observador, André Villas-Boas tinha apresentado Rui Pedroto, filho do mítico José Maria Pedroto, como vice-presidente para os Projetos Sociais. Por norma, o mais comum adepto faz aquela pergunta típica do Quem é que vem para a bola? mas, neste caso em específico, o “reforço” surgia como algo acima da função. Era a ligação ao mítico Zé do Boné, a figura que construiu a partir de uma base científica aquilo que o é o ADN FC Porto em campo entre pequenas moléculas que transfiguraram um clube liderado há mais de 40 anos por Jorge Nuno Pinto da Costa. Era uma área que toca particularmente ao agora candidato, que tem na Race for Good, um movimento de solidariedade que apoia causas de cariz humanitário e social através do desporto, um dos maiores projetos de vida. Era outra peça de toda uma campanha.
Quando a equipa que tem trabalhado com Villas-Boas prepara as camisolas do FC Porto com o número 24 e os nomes das pessoas apresentadas para aquela fotografia da praxe na sede da candidatura, ninguém estava à espera que existisse uma espécie de “troca de prendas”. Foi por isso que, quando recebeu de Rui Pedroto uma boina do espólio de José Maria Pedroto, mostrou uma faceta particularmente emocionada. Não é caso único, como percebemos pelas descrições que fazia numa parede de recordações cada vez mais preenchida do lado esquerdo do espaço que alberga a sede da campanha, mas teve um impacto bem maior que, um dia depois, ainda se notava na conversa que tinha. Se um dia tivesse seguido a paixão do jornalismo em termos académicos, como chegou a ponderar até entrar no mundo do futebol, esse seria o título e o lead de tudo.
Se na véspera houve nova casa cheia, naquela manhã estava tudo vazio. Aliás, até poderia acontecer que uma pessoa fosse a andar na Rua de Agramonte de forma mais desatenta, passasse pela sede e não reparasse que ali está a “caixa forte” de André Villas-Boas. Existe distração própria, claro – ao lado aquelas portas fechadas que têm uma segunda porta de metal para baixo encontra-se uma placa que é atualizada todas as semanas com os horários diários de abertura aos associados do espaço. Quando se abre, salta à vista uma espécie de Museu de memórias portistas acompanhados pela passadeira azul da praxe que não poderia faltar com a particularidade de ter no “proprietário” o melhor guia. Antes, num espaço mais reservado que tem a mesa com duas dezenas dos 7.000 cachecóis e demais adereços feitos para a campanha de 2024, Villas-Boas explica em entrevista a visão que tem para o FC Porto, da parte desportiva à área financeira, passando pela vertente institucional, pelas modalidades e para o papel central que os sócios devem ter na vida do clube.
– Está aqui uma fotografia antiga incrível do Gomes… Agora nem sei onde está, entre tantas coisas…
Uma vista geral por todo aquele espaço encontra um pouco de tudo ligado ao FC Porto. Camisolas antigas ou mais recentes do futebol do FC Porto, equipamentos variados das modalidades, réplicas do troféu da Liga dos Campeões e da Liga Europa, livros e fotografias de referências do clube que não têm distinção qualquer que seja o candidato que apoiem, uma imagem de Pinto da Costa que faz sempre questão de respeitar enquanto presidente que deixa um legado de peso ao longo de mais de quatro décadas, outra do atual treinador Sérgio Conceição. No entanto, aquilo que mais faz brilhar os olhos de Villas-Boas enquanto fala são as recordações que sócios, adeptos e anónimos vão deixado naquela tal parede à esquerda, com dois painéis azuis que no início estavam vazios mas que nesta fase já necessitam de mais espaço. O candidato aponta para cartões de sócio dos anos 50, explica que houve um senhor que trouxe um dos primeiros cartões de associado que o clube teve para fazer uma fotografia e deixar, fica perdido a olhar para as imagens a preto e branco que foram colocando ao longo da campanha. “Isto mostra também a onda que esta campanha está a criar”.
Durante longos anos, Villas-Boas teve um especial cuidado com as aparições públicas “não obrigatórias” que ia fazendo. Entre Académica, FC Porto e Chelsea, deu apenas duas entrevistas. Uma, ainda em Coimbra, ao jornal O Jogo. Outra, já em Londres, a propósito do 40.º aniversário do Expresso. Agora, por circunstâncias distintas, passou quase do oito para o 80 – não necessariamente por querer mas porque faz parte. Tem, de forma quase involuntária, uma “vantagem”: as constantes presenças em encontros com sócios, adeptos e simpatizantes do FC Porto organizados pelas Casas do clube. Do Luxemburgo ao Algarve, de Lisboa e todas as áreas entre Porto, Aveiro e Braga onde se concentram 88% dos associados azuis e brancos, tentou chegar ao máximo de pessoas possível e esse contacto diário tornou-se o melhor coaching para tudo o resto.
Do outro lado da rua, de forma muito discreta, Villas-Boas continua a ser acompanhado. Ainda antes de fazer o anúncio oficial da candidatura à presidência do FC Porto, o técnico teve de lidar com dois episódios que se tornaram mais mediáticos na imprensa, entre as pinturas nas paredes da moradia e as agressões violentas ao zelador. Ao Observador, assegura que nunca pensou voltar atrás. Continua a tentar proteger ao máximo a sua família mas, nos dragões como na vida, quando coloca uma ideia na cabeça é difícil desviar-se do caminho até lá chegar e isso consegue ver-se até em questões extra clube como o sonho que tinha em fazer um Rali Dakar. “Crise de meia idade? Não, nunca. Risco de morte? Tu sabes que isso pode acontecer, mas tens de aceitar os riscos e seguir em frente. Enzo Ferrari disse uma vez que tens de sacrificar tudo sem hesitar”, contou numa reportagem do The Times. Cumpriu o desejo. E com isso soube o que seria difícil imaginar.
A experiência no Dakar não correu da melhor forma e, após sofrer uma queda, Villas-Boas teve de desistir (ou foi obrigado a desistir porque por ele continuava na mesma). Mais tarde, depois de uma série de exames que não tinham encontrado nada de problemático, ligou a alguns amigos para ir andar a mota mas acabou por ficar a contorcer-se de dores por algo que percebia não estar bem. Confirmou-se: tinha a L1 fraturada. E foi no meio desse processo que foi detetado um tumor na tiroide, que fez com que fosse operado numa intervenção que teve algumas implicações. “Se sou candidato por causa disso? Não, nada, de todo”, garantiu por mais do que uma vez. Houve um mal que veio por bem na vida do antigo treinador mas não foi isso que norteou a sua vida daí para a frente. “Agora se quiserem podem ir ali acima mas nada de fotos”, atirou. Sem dizer dessa forma, Villas-Boas estava prestes a mostrar o coração de uma ideia na cabeça há dois anos.
A sala onde tudo se decide, o programa de 67 páginas e as reuniões por Zoom
Luís André de Pina Cabral e Villas-Boas (é este o nome completo do antigo treinador agora candidato) é bisneto do 1.º Visconde de Guilhomil, José Gerardo Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto de Villas-Boas e neto de Dom Gonçalo Manuel Coelho Vieira Pinto do Vale Peixoto e Sousa de Villas-Boas, que se casou com a inglesa Margaret Neville Kendall, que vivia em Portugal depois da mudança da mãe para o nosso país para começar um negócio de vinhos. Foi com a avó, que teve um tio (Douglas) que combateu pela Força Aérea Real na Segunda Guerra Mundial, que começou a aprender inglês desde miúdo. Contudo, numa vida de 46 anos com um pouco de tudo, as duas revistas que tem em cima da mesa são de outras línguas.
“O que nós nos rimos neste dia com estas fotografias”, recorda Villas-Boas ao olhar para a última edição da revista Panenka que tem José Mourinho na capa e que tem ao lado outra publicação ligada ao futebol alemã (língua que aprendeu quando estava sem clube entre o Shanghai SIPG e o Marselha). Quando andava ainda no Colégio do Rosário, também por influência familiar (o tio, Pedro Villas-Boas, foi um dos nomes mais importantes nos primórdios do TT nacional e o pai gostava de levá-lo a ver corridas ao Circuito da Boavista), ganhou uma paixão enorme por automóveis e todo o desporto motorizado que mantém muitos anos depois. Todavia, essa uma parte que pretende nesta altura colocar num plano secundário. O candidato é assim, cada coisa no seu tempo. Agora, é o tempo do FC Porto e de uma nova função dentro da ligação ao futebol de três décadas que começou da forma mais improvável possível mas que ganhou corpo de forma natural.
O “Cenourinha”, como também era conhecido quando era mais pequeno, teve uma passagem curta enquanto jogador no futebol amador. Começou no Ramaldense por influência de amigos, ainda passou pelo Marechal Gomes da Costa, não foi mais além disso entre uma posição no meio-campo e umas incursões pela baliza. Aí, como nas horas que passava a jogar “Football Manager” durante a adolescência, era conhecido pela forma como gostava de ter tudo organizado mas revelava mau perder. Um dia, quando se cruzou com o antigo treinador Bobby Robson no prédio onde viviam, perguntou ao inglês o porquê de Domingos não ter mais tempo de jogo. Podia ser apenas porque o avançado era o seu grande ídolo mas não, defendeu a ideia com os números que ia rabiscando nos cadernos que tinham também táticas e movimentos. O britânico não passou ao lado da abordagem, perguntou-lhe se queria ser treinador e abriu-lhe as primeiras portas.
André Villas-Boas tirou o seu primeiro curso na Escócia quando ainda não tinha idade para isso mas porque tinha a recomendação de Sir Bobby. Nessa fase chegou a a acompanhar o Ipswich, tendo depois entrado nas camadas jovens do FC Porto ao mesmo tempo que fazia relatórios de treinos e jogos para o britânico. Aliás, num “outro” museu que não aquele onde nos encontrávamos, o Museu do FC Porto, ainda está uma carta que o antigo selecionador inglês, que entretanto se mudara para o Barcelona, escreveu a Villas-Boas quando fez esse curso inicial. Com uma nuance: após esse período, continuou a receber a revista feita pela Associação de Treinadores da Federação Inglesa de Futebol e foi aí que viu uma espécie de oferta de emprego que vinha das Ilhas Virgens Britânicas. Candidatou-se, fez entrevistas por telefone, teve a sua “aventura” aos 21 anos.
O país das Caraíbas que tem como a sua principal fonte de receita o turismo não coloca o futebol como a sua modalidade principal, em detrimento do basebol ou do basquetebol. Contudo, foi uma experiência de vida, entre a coordenação técnica do desenvolvimento da formação à direção técnica da Federação. Não foi essa passagem que definiu o seu percurso ou “encheu” o currículo mas mostrou a coragem, o arrojo e a vontade de ir longe no futebol, predicados que também ajudaram a que José Mourinho se recordasse de Villas-Boas na altura em que assumiu o comando técnico do FC Porto depois da passagem com sucesso por Leiria para ser observador não só no Dragão mas também mais tarde no Chelsea e no Inter, de onde saiu para assumir a primeira experiência como treinador principal na Académica. Em menos de uma temporada, recebeu mais do que um convite para patamares mais altos. Quando apareceu o FC Porto, tudo parou. E chegou àquela que descreveu como “cadeira de sonho” para fazer uma das melhores temporadas de sempre.
Ao longo da carreira que sempre perspetivou como sendo curta, no máximo de 15 anos, Villas-Boas, que já tinha mundo, ganhou ainda mais mundo. Passou por dois dos maiores clubes de Londres como o Chelsea e o Tottenham, aceitou um convite para rumar a São Petersburgo e ser campeão pelo Zenit, abraçou aquela que era a Liga em maior crescimento extra Europa ao serviço dos chineses do Shanghai SIPG, esteve também no Marselha. Depois da passagem pela Ligue 1, teve outros convites para realidades que uns anos antes deveria aceitar de sorriso nos lábios, fosse a possibilidade de treinar na Bombonera o Boca Juniors, fosse a hipótese de comandar pela primeira vez uma seleção e logo de um país fascinante como o Japão. Recusou. Tinha chegado a hora de assumir um outro projeto de vida e durante dois anos foi-se preparado para isso.
“Ser do FC Porto é uma elevação que nos distingue. Gostava de citar uma frase de José Maria Pedroto: ‘As vitórias de um clube dependem sobretudo da capacidade de construir uma estrutura ganhadora, da capacidade e competência de construir ou manter essa estrutura ganhadora. E, existindo necessidade disso, não ter receio de reconstruir ou deixar que outros com uma visão de futuro assumam esse papel. A história não é benevolente com quem não reconhece a sua evolução e se mantém refém do passado’. Esta frase de 1979 plena de sabedoria parece mais atual do que nunca. Sim, somos eternamente gratos e estaremos para sempre gratos a Jorge Nuno Pinto da Costa. Será para sempre o presidente dos presidentes do FC Porto mas é tempo de mudança, de se lançar para uma nova fase da sua vida”, atirou no início do discurso de cerca de meia hora na Alfândega do Porto em que anunciou de forma oficial a candidatura.
– Mas que espaço é este?
– Bem-vindos ao meu canto. Esta é a nossa war room onde montámos a candidatura, o projeto e tudo o que vocês têm vindo a ver estes dias. Foram muitas, muitas, muitas horas aqui dentro…
Sentado na mesa de madeira com cadeiras de um lado e de outro está José Pedro Pereira da Costa, antigo administrador financeiro da NOS e membro não executivo da administração da SportTV. O eleito por Villas-Boas para CFO mantém aquele perfil discreto de quem percebe que o candidato está num momento com um órgão de comunicação social e, após cumprimentar a equipa do Observador, coloca os óculos e volta de novo a sentar-se em frente ao computador portátil que tem uma série de documentos abertos. Também em cima da mesa estão rascunhos. De discursos, de organogramas, de simples notas. Esse espaço pode estar repleto de artigos que fazem parte do espólio pessoal do antigo técnico e da Race for Good (foi assim que soubemos que Villas-Boas não é muito virado para o surf mas de vez em quando gosta de andar de skate) mas funcionou como o epicentro de todo o brainstorming feito antes e durante a campanha à liderança portista.
“Tudo está em marcha. É um processo dinâmico porque à medida que vamos caminhando vamos tendo maior compreensão dos factos. Há partilha de informação, depois há partilha do que é a vontade dos sócios, como é que eles veem o clube, o que é para eles o futuro, há uma crescente onda do associativismo, do que deve representar. Portanto, também nos vamos adaptando pelo caminho à medida que vamos ouvindo mais sócios relativamente ao que eles entendem que deve ser o crescimento do clube. Mas tudo começou com um plano estratégico de análise…”, contou na entrevista ao Observador feita nesse dia, véspera do encontros a contar para a segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal frente ao V. Guimarães.
“Fui-me preparando mas era uma caminhada que fazia parte, quase como uma obrigação de educar-me do ponto de vista da gestão executiva neste campo. Não quer dizer que por ter feito um curso na Columbia University, na Business School, que vá ser um grande gestor de uma grande empresa porque há determinadas competências e pastas que tenho de passar a pessoas que têm muito mais experiência como é por exemplo o José Pedro Pereira da Costa na área financeira. É sobretudo nas áreas da liderança e do conhecimento desportivo que estão as minhas virtudes e as minhas mais valias. Começámos com este plano estratégico, depois fomos atacando a questão das infraestruturas, onde é que colocaríamos uma Academia e um Centro de Alto Rendimento e que opções tomar, depois fomos construindo as equipas que compõem esta Direção e esta candidatura e futura administração. Fomos reunindo essas pessoas e essas competências que estão disponíveis para abraçar este projeto e conseguimos reunir um conjunto de competências muito forte que pode ajudar o FC Porto no futuro. Mas tudo é um processo dinâmico”, acrescentou. Tudo naquela sala.
O programa eleitoral divulgado na semana passada acaba por refletir também todo esse trabalho, que em termos públicos foi apresentado em capítulos diferentes. Primeiro foi o anúncio da candidatura, depois os nomes que iriam liderar a Mesa da Assembleia Geral e o Conselho Fiscal e Disciplinar, a seguir o CFO eleito que foi funcionando quase como braço direito nas visitas seguintes a Casas do FC Porto, depois a figura para liderar o Conselho Superior, a seguir o homem forte das modalidades, depois a Comissão Executiva da SAD com os pelouros já definidos, a seguir a área dos Projetos Sociais, depois a direção desportiva do futebol. Nas 67 páginas do programa, com algumas páginas mais de súmula como aquela onde são definidos os dez mandamentos da candidatura ou a visão a dez anos de como fazer avançar o projeto, tudo foi visto e revisto ao pormenor entre a escolha da imagem de Alfredo Quintana para simbolizar até à escolha de uma frase de Pinto da Costa em 1982, ano em que foi eleito presidente do FC Porto: “Devolver o clube aos sócios”.
Os discursos que estão no programa e que vão sendo preparados para as várias ações são feitos pelo próprio. Mediante a área e o tema em causa podem ter contributos das outras equipas com quem vai trabalhando mas a base parte sempre de si, agora através do computador que leva sempre debaixo do braço desde que entrou de manhã na sede e não através do papel onde gostava de escrever tudo. Nas pequenas paragens, vai olhando sempre para o ícone do WhatsApp para ver o número de mensagens que entretanto recebeu. Só ligados à campanha são cerca de dez, divididos por vetores e temas, e é através deles que vão sendo feitas todas as comunicações a não ser nos momentos dos encontros em reuniões por Zoom, que são frequentes.
No dia passado com o Observador, que terminou a ver o Barcelona-PSG e o B. Dortmund-Atl. Madrid para a Liga dos Campeões (à mesma hora em que o Sporting jogava uma partida fundamental para a conquista do título em Famalicão), o tema do dia era o afastamento de quatro jogadores por Sérgio Conceição: Jorge Sánchez, Iván Jaime, André Franco e Toni Martínez. A conversa sobre essa decisão é curta, “até porque é complicado falar de algo que não se conhece a fundo para se perceber o porquê”, mas fica essa nota de ter a leitura em dia. Costuma acordar às 6h30 e sair de casa por volta das 7h40, sendo que a leitura dos jornais nacionais e estrangeiros é uma das primeiras coisas que faz, olhando mais tarde para o clipping que a equipa faz em relação ao que se passa no FC Porto para garantir que nada escapou. Aí e nas redes sociais.
“A vida de um treinador não é fácil. Se quiserem ver uma coisa engraçada, tomem atenção ao Twitter durante um jogo de futebol e percebam o que se passa… Decidi em relação às redes sociais que sigo mas não faço parte, acho que é o melhor. Quando queremos ver algo mau sobre alguém, é ir procurar nas redes sociais… É difícil para nós treinadores porque aumenta as expetativas. O futebol vive do sucesso imediato mas é necessário tempo para chegar a esse sucesso e as redes sociais também tornam as coisas mais complicadas porque a intolerância aumenta”, referira em 2018 numa intervenção na Web Summit. Seis anos depois, a função mudou mas a atenção às redes sociais mantém-se como barómetro do que se passa, tendo nesta altura de olhar não só para as suas páginas mas também para as páginas da candidatura oficial.
Até às 12h45, Villas-Boas e Pereira da Costa ficam a trabalhar na war room, de novo com a porta da sede fechada. A essa hora, o reencontro com o Observador é feito com uma pontualidade britânica mas com o candidato a querer fazer uma pequena paragem a caminho do carro para perceber o que se estava a passar ao lado da sede onde está um espaço em construção. “Ah, então era daqui que vinha a barulheira…”, atira entre sorrisos enquanto olha para a máquina que está no local. Vai ainda ao espaço seguinte dizer bom dia a pessoas que se tornaram “vizinhas” da campanha e segue para o carro de José Pedro Pereira da Costa. A viagem para almoço é curta mas ainda antes de se fazer ao caminho de cerca de 15 minutos já está a imaginar “um peixinho grelhado” no prato. Como acontece várias vezes, era uma pausa mas ia envolver trabalho.
O dia em que Villas-Boas conseguiu adivinhar o futuro numa conversa com Zubizarreta
A zona de restaurantes junto ao porto de Matosinhos é o ponto de paragem. Ali o mais fácil é encontrar um restaurante onde se coma um peixe fresquinho. Difícil, isso sim, é tentar manter o recato possível tendo em conta as salas abertas e as muitas esplanadas cheias pela hora de almoço. A escolha tem essa “vantagem”.
– Andam à procura de alguma coisa em especial?
– Sim, do André Villas-Boas…
– Ah, estão com o André. Não é aqui, é do outro lado.
O outro lado é uma sala que também faz parte do mesmo restaurante mas que permite o tal recato que nem sempre é fácil de encontrar. Não é que existam grandes segredos nesta altura do campeonato em relação às eleições do FC Porto. Todos se conhecem, todos já se expressaram, todos admitiram um ou outro lado da “barricada”. No entanto, este é o almoço em que Andoni Zubizarreta integra a equipa pela primeira vez, até para conhecer outros membros da lista que vão chegando mais tarde ao local. Quando o antigo internacional espanhol entra, “enche” a sala. É alto, é largo, é uma figura que impõe respeito. É também amigo próximo de André Villas-Boas, com quem trabalhou no Marselha e manteve sempre uma ligação forte depois disso.
Depois de explicar que tinha dado muito bem com o restaurante, o ex-guarda-redes que como diretor passou depois do final da carreira por Barcelona, Athl. Bilbao e Marselha conta a emoção que vivera uns dias antes na festa dos bascos após a conquista da Taça do Rei 40 anos depois. “Aquela festa era boa aqui no FC Porto, com jogadores, treinadores, direção e antigas glórias do clube em barcos e os adeptos a encherem as margens do rio. Foi incrível…”, conta. Zubi, como é tratado pelo candidato, é um assumido adepto do Athl. Bilbao e aproveitou o convite endereçado pelos atuais dirigentes a todos os antigos campeões do clube para rever vários companheiros de algumas das melhores equipas dos bascos. E é aí que conta uma história que deixa José Pedro Pereira da Costa impressionado pela “improbabilidade” do que estava ali a ser narrado.
André Villas-Boas, que sempre olhou de forma diferente para a cultura e os valores do Athl. Bilbao e do Barça como clubes à parte, chegou a ser equacionado para o conjunto catalão por duas ocasiões distintas mas só trabalhou com o ex-internacional de forma direta na formação francesa. Na primeira entrevista antes de chegar a acordo, um dos pontos que Zubizarreta não esqueceu foi a parte em que o técnico explicou que não teria uma carreira longa nos bancos mas que esperava ser presidente do FC Porto em 2024, algo que foi tema de conversa com alguns dos antigos companheiros do Athl. Bilbao. “E és mesmo candidato”, atirou.
O almoço prolongou-se por cerca de duas horas antes do regresso à sede para mais uma tarde de reuniões de trabalho, numa fase em que o número de visitas a Casas do FC Porto já são menores tendo em conta também a proximidade do sufrágio. Falaram de trabalho, da apresentação pública, de tudo um pouco. À mesa, neste tipo de encontros, Villas-Boas despe o “fato” de candidato e é sobretudo André, alguém com sentido de humor que gosta de comer bem (e ali só as entradas eram uma perdição que valiam por toda a refeição) e estar à conversa com os amigos. No dia seguinte voltaria a passar pela sede para mais reuniões antes de ir ao Dragão assistir no seu lugar ao jogo com o V. Guimarães, depois seria a data escolhida para o anúncio oficial de Zubizarreta e Jorge Costa. Em todos esses momentos, entre cumprimentos, incentivos e pedidos de fotografia, foi-se sentindo a tal “onda crescente”. Dia 27 perceber-se-á onde vai desaguar.
“Sempre olhei para a minha carreira como uma carreira curta, de 15 anos. Sabia perfeitamente como ela estava delineada e sempre fui invadido pelas emoções em relação à presidência do FC Porto. Emocionalmente toca-me de forma profunda e entendo que este era o momento para me apresentar como candidato. Sou muito convicto, obstinado. Sei que este é o caminho e tenho muita confiança que esta candidatura vai ganhar as eleições e que serei eleito. Nós fomos construindo esta candidatura e ela tornou-se uma onda imparável de apoio. Ganha cada vez mais corpo e dá a entender que em caso de vitória a maior parte dos sócios irá eleger esta candidatura. Fomos ganhando força junto dos sócios, não só com o projeto mas também com as competências e pessoas que temos apresentado. Estou confiante que se possa traduzir numa vitória e que seja reflexo desta vontade de mudança por parte dos sócios em relação ao futuro”, frisou.