Já estava tudo pronto para a reabertura, “as mesas postas com as toalhas brancas”, mas o Petit D’Algés está novamente alagado e não é desta que vai voltar a abrir portas. Uma funcionária do restaurante chega pelas 10h à Baixa de Algés, vê um cenário ainda pior do que o da quarta-feira passada, e, sem conseguir conter as lágrimas, só se acalma quando consegue deitar a mão à primeira pessoa fardada que encontra e que lhe diz que nenhum dos seus colegas está preso dentro do restaurante.
Na baixa de Algés, a meio da manhã desta terça-feira, as equipas de emergência estavam numa “corrida contra o tempo”, reconheceu ao Observador José Carvalho, comandante dos bombeiros de Algés. Depois de mais uma noite em que o túnel (pedonal) de acesso à estação de comboio voltou a alagar e a água partiu vidros e invadiu casas e restaurantes, os bombeiros corriam para retirar o máximo de água possível antes de a maré voltar a subir e a chuva forte regressar na parte da tarde.
A água chegou a ter mais de um metro de meio de altura – entrou numa marisqueira na zona, partindo os vidros e derrubando os aquários com as lagostas. Tudo perdido.
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O comandante dos bombeiros diz que os meios são poucos, porque os bombeiros tiveram de se dividir em “cinco setores”, só em Algés – “Se fosse só aqui na baixa o problema… Mas não é…”: um muro de grandes dimensões caiu em Dafundo (Cruz Quebrada) e, noutra zona da localidade, idosos foram retirados das suas casas descalços e apenas com a roupa do corpo.
A complicar os trabalhos das equipas de emergência e limpeza estava o facto de os carros continuarem a circular. Muitas pessoas dirigiam-se para Lisboa apesar dos alertas feitos desde o início da manhã, para que só em caso de grande necessidade fossem para a capital. No pára-arranca, a chegar a Algés pela Marginal, alguns automobilistas diziam que não tinham ouvido os alertas, outros usavam apps de trânsito para se orientarem o melhor possível: “está medonho, está, mas tenho de ir para o trabalho, claro…”
Outro caso, em Caxias: um homem que vive perto da linha costeira, apesar de ter tido que saltar uma poça de metro e meio para sair da porta de casa, já tinha o carro carregado com três crianças para as levar à escola, na zona de Sete Rios (Lisboa). “Sim, sei dos alertas… Mas não disseram nada da escola portanto vou levá-los“.
A duplicação da Ribeira de Algés. “Pode ser que, agora…”, diz Isaltino
Em Oeiras, a decisão de fechar as escolas foi tomada por Isaltino Morais, presidente da Câmara, assim que chegou à baixa de Algés depois de uma noite em que viu a água acumular-se naquela zona como “nunca” tinha visto. É uma “massa de água duas ou três vezes superior” à de quarta-feira, afirmou Isaltino Morais: “Isto transformou-se num rio”, acrescentou, fazendo uma comparação com as cheias de 1967.
O presidente da câmara de Oeiras critica que não se tenha avançado ainda para uma obra que ajudaria muito, nestas “situações-limite”, a duplicação da ribeira de Algés, que abrange Amadora e Oeiras. “Há vários anos que há um projeto feito pelo (extinto) Instituto Nacional da Água (INAG) de duplicação da ribeira de Algés, mas esse projeto nunca se traduziu em obra sobretudo ao custo financeiro”, disse Isaltino Morais, ao Observador.
A Câmara Municipal de Oeiras ofereceu-se para pagar metade dos 50 milhões de euros que custava essa obra e o INAG pagava a outra metade – mas através de fundos comunitários. “Acontece que, na altura, não conseguiram o financiamento por fundos comunitários e, portanto, a obra não se fez“, diz Isaltino Morais – essa duplicação da ribeira de Algés poderia não ser suficiente para responder à “enorme pluviosidade” desta noite mas “ajudaria a mitigar as consequências.
A ribeira abrange dois concelhos, pelo que a responsabilidade é do Governo, diz Isaltino, e o Governo “devia pagar tudo” – a câmara de Oeiras é que, “para acelerar o processo, ofereceu-se para pagar metade”. “Pode ser que, agora…”
O que aconteceu esta noite é uma situação-limite. Só em 1983 me recordo de uma situação parecida mas há quem compare a massa de água às cheias de 1967″, disse Isaltino Morais.
Isaltino é interrompido, enquanto falava aos jornalistas, por uma responsável das equipas de emergência que lhe pergunta o que pode ser feito para parar o trânsito que tanto está a “estorvar” os trabalhos de limpeza. Não é uma pergunta de resposta óbvia, a julgar pela hesitação demonstrada pelo autarca de Oeiras e os membros da vereação que o acompanhavam.
“O pessoal aqui em Algés quer trabalhar e há alguma indisciplina, as pessoas circulam por onde não deviam circular“, afirma Isaltino Morais, aos jornalistas, explicando porque é decidiu fechar as escolas de Oeiras. “Não restam dúvidas de que chegando à hora da saída das escolas poderia gerar-se uma situação caótica – por isso, por razões de segurança, não temos outra hipótese” que não decretar o encerramento das escolas e pedir aos pais que, “com tranquilidade”, vão buscar as crianças às escolas do concelho.
Pelas 12h00, já não era preciso uma lancha para circular na principal rua da baixa de Algés. E as bombas de extração de água já deixavam espreitar pelo túnel de acesso à estação de comboio. “Mas vai voltar a chover muito, a tarde vai ser complicada“, afirmou José Carvalho, comandante dos bombeiros.