Intervenção de António Costa
Você merece, Pedro Nuno! Força, vamos em frente, vamos ganhar as próximas eleições (…) é o primeiro secretário-geral que nasceu depois do PS. Vai ser o primeiro primeiro-ministro que nasceu depois da Revolução de Abril”
Passaram-se nove anos de uma relação intensa e muito próxima, sobretudo nos primeiros anos, os da geringonça. Mas nem por isso o trato mudou: António Costa e Pedro Nuno Santos entraram nisto a tratarem-se por você e saem na mesma. A proximidade pessoal nunca vingou, mas na hora da despedida, António Costa cumpriu com uma passagem de testemunho sem rodeios e ao Pedro Nuno seu sucessor no partido, juntou o Pedro Nuno seu sucessor no Governo ao colocá-lo no futuro como “o primeiro primeiro-ministro que nasceu depois da Revolução de Abril”. Uma imagem com especial simbolismo para o partido no ano em que se marcam os 50 anos do 25 de Abril. No final da intervenção levou Pedro Nuno pela mão até ao centro do palco para dar imagem à passagem de testemunho que se consagrou esta sexta-feira. A partir deste sábado, sem Costa em campo, tomará o palco o pedronunismo.
Eleição demonstrou vitalidade do PS que em pouco mais de um mês enfrentou uma situação muito difícil, diria até traumática, mas conseguiu superar com mobilização extraordinária de militantes”
Foi a primeira referência que fez ao momento político desencadeado pelo seu pedido de demissão, depois do processo-crime contra o primeiro-ministro. Admitiu o trauma que tudo isso provocou ao partido e, aliás, antes de entrar na sala vinha preparado para uma declaração à imprensa à porta da FIL, no Parque das Nações, depois da notícia do Observador sobre a suspeita de prevaricação nesse processo judicial. Mas disse quase nada, recusando-se apenas a falar com o Ministério Público através da comunicação social e a disponibilizar-se, mais uma vez, para ser ouvido e “esclarecer as dúvidas” da Justiça. Havia de voltar ao caso na última linha da intervenção de despedida.
Nova geração que significa um novo impulso uma nova energia e um novo olhar e que vai seguramente prosseguir o que devemos prosseguir e mudar o que precisa de mudar. Vai acrescentar ao que as anteriores direções fizeram e arranjar repostas para os problemas dos portugueses”
Esta é a frase com que António Costa desobriga Pedro Nuno Santos de qualquer seguidismo na sua era que agora começa. Mas a verdade é que, ao mesmo tempo, sublinhou que o “novo impulso” vai “seguramente prosseguir o que deve prosseguir”, como quem coloca um aviso sobre a necessidade de manter algum do rumo que marcou no partido — a maior ênfase que tem sido colocada é quanto à manutenção da ordem nas contas públicas e na trajetória de redução da dívida. Pedro Nuno tem jurado honrar essa parte do legado, embora também avise que o seu ritmo de redução da dívida será mais lento e que o excedente é para ser usado e não guardado num Fundo Medina.
Por ter identidade tão forte, o PS pode inovar, ousar, rasgar horizontes. O PS assinou acordo com BE, PCP e Verdes. Foi o mesmo PS que em 75 combateu a deriva totalitária da Revolução. Derrubámos esses muros e não deixaremos voltar a erguer esse muros. Criámos um novo padrão de governabilidade, uma nova oportunidade de governação à esquerda e é por isso que nunca mais os muros voltarão a existir dentro da esquerda portuguesa.”
O que mais o úne ao novo líder é este mesmo período, o da geringonça que Pedro Nuno Santos não esconde poder reeditar, caso o resultado eleitoral produza uma maioria de esquerda a 10 de março. E Costa deixa aqui claro que também isso faz parte do seu legado, a abertura da governação — ainda que apenas por via de um apoio parlamentar — aos partidos à esquerda do PS. Romper o tal arco da governação. uma ideia que produziu naquela mesma sala há nove anos, quando subiu à liderança do partido e partilhou com o Congresso a necessidade de chamar à responsabilidade governativa os partidos da esquerda. Essa frase chegou a ecoar na sala quando nos ecrãs gigantes o PS projetou um vídeo sobre a história da sua liderança.
Sabemos que não tivemos os parceiros para fazer a regionalização e que tínhamos um Presidente que não nos deixava fazer a regionalização por isso levámos até onde pudemos fazer. Há mais liberdade e democracia no final destes oito anos”
Não foi a única referência que fez a Marcelo Rebelo de Sousa — voltou a tocar nele quando falou no veto presidencial à lei das ordens para falar na confirmação que o PS lhe aplicou de seguida no Parlamento levando a sua avante. Mas nenhuma das duas tiradas surtiu um efeito de protesto por parte da sala. As críticas concretas a Marcelo não pegaram, pelo menos neste momento do Congresso.
Ter contas certas não é só termos eliminado cortes e ter hoje uma dívida menos, é porque conseguimos eliminar cortes, descongelar carreiras, aumentar prestações, pensões, salários e o investimento publico e ao mesmo tempo diminuir o défice e a dívida (…) Conseguimos e o diabo não veio, não veio e não veio. Vou revelar um segredo: o diabo não veio porque o diabo é a direita. Com toda a franqueza tenho de dizer que é possível fazer melhor, mas só o PS fará melhor do que o PS.”
A referência à direita de Passos Coelho continua a levantar a sala mesmo nove anos depois e António Costa não só sabe isso, como nem ousa virar a agulha das críticas para o atual líder do PSD. Em estratégia galvanizadora das massas socialistas não se mexe e Costa só apontou a essa era nos ataques à direita, ignorando Montenegro. Passos Coelho continua a ser a cola do PS — como em 2015 foi a cola da geringonça — e o motivo para Costa disparar com a exaltação dos feitos económicos do seu Governo, afinal era essa a diabolização que, em 2015, mais se fazia à direita em relação aos socialistas que tinham chamado a troika em 2011. Os socialistas levantaram-se em gáudio mal ouviram que o “diabo é a direita” dito pelo seu líder de saída, na primeira vez que o fizeram durante a intervenção de Costa até aqui. E a este propósito, até concede a Pedro Nuno Santos que possa fazer melhor do que ele na governação, se lá chegar. Mas que à direita ninguém conseguirá, só mesmo o PS pode superar António Costa, segundo o próprio.
Estes anos não foram do António Costa foram os anos do PS e de uma grande equipa quero agradecer a todos os que nos vários governos trabalharam comigo”.
A lista é imensa e António Costa parecia que não ia elencar ninguém, mas acabou por falar em alguns dos seus ministros durante a intervenção, como Duarte Cordeiro, Matos Fernandes ou mesmo Eduardo Cabrita — quando falou na reforma da floresta. Depois também agradeceu muito particularmente a Carlos César, presidente do partido que vai continuar, a Eduardo Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva, a quem foi seu adjunto no partidos (Ana Catarina Mendes, José Luís Carneiro e João Torres), a Luís Patrão, a Mariana vieira da Silva e a Maria Manuel Leitão Marques. Acabou na sua mulher, Fernanda Tadeu e quase se emocionou nesta fase. E disse que merecia “ser militante honorária da JS”.
Juntos ganhámos todas as eleições nacionais que travámos desde que constituímos Governo, as de 2015 e 2021, Europeias de 2019, Legislativas de 2019 e de 22. E foram vitórias do PS e não do António Costa. É por isso que vos digo: podem me ter derrubado mas não me derrotaram Podem ter derrubado o nosso Governo, mas não derrotaram o PS”.
Foi no fim que chegou a frase mais reveladora da intervenção — como é aliás seu timbre nestas intervenções. Numa coletivização de vitórias eleitorais, onde jura que todas as que o PS somou desde que ele fez Governo (e aqui é muito preciso, porque em 2015 não ganhou as eleições) são de todos. Mas logo de seguida pessoaliza a mesma ideia ao dizer que até pode ter sido derrubado a 7 de novembro, mas não derrotaram. Mas a frase diz mais do que isto. Diz sobretudo que António Costa considera ter intacta a sua legitimidade política — e já disse que é isso que espera assim que for resolvida a questão judicial — e que existiu afinal uma espécie de concertação para o tirar do poder. A ideia pairou nas declarações à entrada na sala, por parte dos congressistas (como Santos Silva ou Marta Temido), mas Costa acabou por legitimá-la mesmo antes de sair do palco. Agora entrega-o a Pedro Nuno, mas com um caminho aberto para uma guerra que o novo líder não quer travar com a Justiça. Pedro Nuno já disse que não quer a questão judicial a centrar os PS nos próximos meses, mas António Costa acabou por lhe deixar nos braços a sua teoria conspirativa sobre a sua saída — falta saber se vingará nos discursos dos socialistas durante este sábado.