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epa11718828 US President-elect Donald Trump gestures during a meeting with House Republicans at the Hyatt Regency hotel in Washington, DC, USA, 13 November 2024.  EPA/ALLISON ROBBERT / POOL
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ALLISON ROBBERT / POOL/EPA

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A equipa Trump 2.0: o que pode a Europa esperar e fazer?

Trump exige aos novos membros do seu governo uma subserviência devida a um senhor feudal. E quer aplicar as suas obsessões. Como se deve comportar a Europa? Ensaio de Bruno Cardoso Reis.

O que podemos esperar do regresso de Trump à presidência? Desde logo não haverá violência, nem tentativa de contestar ilegitimamente o resultado eleitoral. Harris reconheceu a derrota. Biden recebeu Trump na Casa Branca e assegurou-lhe a sua colaboração numa transição pacífica. O exato contrário do que Trump fez em 2020, e do que prometeu fazer em 2024, quebrando mais de dois séculos de tradição democrática, nos EUA, iniciada por George Washington. Também podem perguntar aos videntes políticos que adivinharam com todo o rigor e certeza o que iam fazer os cerca de 180.000 votantes que terão decidido o vencedor das eleições nos Estados Oscilantes. Pela minha parte vou-me focar em dados conhecidos, em particular no perfil das nomeações que acabámos de conhecer para cargos fundamentais. Terminarei focando no que podemos esperar em aspetos que dizem mais diretamente respeito à Europa, a Portugal, e com breves recomendações sobre o se poderá fazer para lidar com este presidente e a sua equipa.

Uma equipa leal ou uma equipa feudal?

É claro que todo o líder eleito tem o direito de escolher a sua equipa governativa. É igualmente claro que o chefe do executivo tem todo o direito de esperar lealdade dos seus nomeados. A situação entre 2016-20 esteve longe de ser normal ou ideal. Trump tem razões legitimas de queixa em relação a ministros desleais. Nunca considerei aceitável a tese de que não há problema em eleger alguém com ideias perigosas ou erradas na expectativa de que a sua equipa o controle e engane. O problema não é esse. O problema é que Donald Trump entende por lealdade a impossibilidade de exprimir qualquer tipo de visão divergente da sua, apontar qualquer falha ou problema às suas obsessões políticas.

Pior ainda, Trump parece rejeitar que lhe apontem quaisquer limites legais e constitucionais ao seu poder. Nas palavras do seu antigo Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, Trump “não quer apenas lealdade, ele quer obediência cega (fealty)”, exige a subserviência devida a um senhor feudal. Os grandes líderes não lideram equipas assim. Na história americana, George Washington, Abe Lincoln ou Ronald Reagan não temeram rodear-se de personalidades fortes e capazes. O governo do primeiro Presidente republicano, Abe Lincoln, até ficou conhecido como team of rivals porque ele convidou vários dos seus rivais políticos para pastas importantes. Os grandes líderes não esperam a obediência fanática dos generais nazis que Trump elogiou numa conversa com o seu chefe de gabinete relatada pelo próprio General Kelly. Esse é o perfil de líder que arrasta países inteiros para o abismo. Claro que as tradições e as normas pesam e ajudam a perceber alguma complacência face à ideia de uma deriva iliberal na democracia regida pela constituição em vigor há mais tempo em todo o mundo, mas seria um erro subestimar o papel dos indivíduos e dos líderes na história, ou a possibilidade de colapso de regimes ou até de Estados.

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O custo económico e securitário para a Europa de algumas iniciativas propostas por Trump seria enorme, nomeadamente para Portugal, que tem nos EUA um dos seus principais mercados fora da UE e o principal garante da sua segurança desde 1949.

Uma equipa de Trumpistas de sempre?

Não exatamente. Os nomes até aqui conhecidos mostram uma combinação de Trumpistas de sempre com alguns sobreviventes do republicanismo moderado. Mas todos tiveram de fazer prova de lealdade a Donald Trump, esse foi claramente o primeiro critério de seleção. Esse foi o teste de lealdade que Nikki Haley e Mike Pompeo falharam. O segundo é claramente uma boa imagem televisiva. Aparentemente, o visionamento de vídeos dos potenciais nomeados era uma das componentes importantes do processo de seleção por Trump. Vários dos nomeados não tem grande experiência, conhecimento ou uma visão para a área que irão tutelar para além de um ou outro tema específico de interesse para Trump, onde estão completamente alinhadas com as suas posições e tiveram uma forte presença mediática.

Por exemplo, a congressista Elise Stefinak tem experiência parlamentar relevante sobre questões externas. Mas a nova embaixadora junto da ONU parece ver a organização sobretudo do ponto de vista da crítica à posição que tem assumido relativamente a Israel. A crítica até pode ter alguma justificação. Embora também seja claro que o atual governo israelita não tem a mínima preocupação com a sua imagem externa na ONU ou em qualquer outro lado. Mas a ONU tem outras missões. A nova responsável do gigantesco Departamento de Administração Interna, ou seja, de Homeland Security, Kristi Noem, não tem nenhuma experiência em segurança interna, é governadora de um dos Estados menos populosos do país, o Dakota do Sul. Tornou-se sobretudo conhecida pela sua devoção a Trump e pelo entusiasmo com a prometida deportação de milhões de imigrantes ilegais. O novo responsável do Ambiente, Lee Zeldin, indicado para Diretor da Environmental Protection Agency – criada, em 1968, por esse perigoso esquerdistas Richard Nixon – até conhece a casa, mas deixou claro que a sua prioridade ambiental será, em linha com Trump, a de promover a extração de petróleo.

Defesa em risco?

O novo responsável da Defesa, Peter Hegseth, que irá gerir um orçamento de 840 mil milhões de dólares e mais de dois milhões de militares, tornou-se conhecido sobretudo como comentador na Fox News, desde 2014. Aí fez da defesa de veteranos como ele o seu principal tema. Não tenho nada contra comentadores televisivos serem nomeados para cargos relevantes, e menos ainda contra a defesa dos veteranos, que é uma causa nobre. Mas é responsabilidade de um outro ministério, o dos Veteranos. Um ministério para o qual Trump, segundo o próprio Hegseth, o terá considerado demasiado inexperiente no seu anterior mandato. Desde então, Hegseth continuou a fazer o que fazia na Fox News. E efetivamente, não se lhe conhecem grandes ideias sobre a Defesa. Nada para além de ter defendido o perdão de soldados condenados por crimes de guerra, que as mulheres deixassem de poder ter funções combatentes e que exista uma purga de generais alegadamente woke, a começar pelo atual chefe máximo das Forças Armadas. Não propriamente uma agenda focada no futuro, num momento de enormes mudanças tecnológicas e competição geoestratégica crescente.

Peter Hegseth é o novo responsável pela Defesa

Spencer Platt/Getty Images

Foi noticiado na quarta-feira pelo principal jornal de referência da direita americana, o Wall Street Journal, que a equipa de Trump estaria a estudar criar uma nova comissão para purgar generais das Forças Armadas com base em critérios vagos. Claro que o governo numa democracia tem de poder nomear e demitir os comandantes militares. Mas não o deve fazer por razões de simpatia ou antipatia política. A demissão de todos os chefes militares em funções, que alguns Trumpistas defendem seria um facto sem precedentes na história dos EUA, e um sinal claro de que se trataria de uma purga visando uma politização inaceitável das Forças Armadas num regime democrático. Peter Hegseth também não parece ser alguém que faça frente a Trump se ele tentar – como fez entre 2016-20 – usar os militares para funções de segurança interna, como reprimir manifestações, funções de polícia que não correspondem à sua vocação ou treino. Há um claro risco de abuso de poder e de conflito sério nas relações civis-militares.

Os inesperados

Verdadeiramente inesperadas são as nomeações de Tulsi Gabbard para responsável máxima de todos os serviços de informações dos EUA e de Matt Gaetz para ministro da Justiça e procurador-geral da República. Gabbard é uma antiga esquerdista que, depois de ser rejeitada pelos democratas, se virou para Trump. Foi acusada pelo senador republicano Mitt Romney de papaguear desinformação russa, nomeadamente aderiu às teses de Moscovo relativamente à guerra da Ucrânia. Pode bem ser apenas uma bem intencionada idiota útil de regimes autoritários, pois também fez questão de visitar a Síria de Assad em 2017, um regime realmente genocida que lhe pareceu merecer diálogo. Mas o facto de engolir acriticamente este tipo de propaganda não a torna propriamente a escolha ideal para responsável máximo dos serviços de informação dos EUA.

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Matt Gaetz é o novo ministro da Justiça

Getty Images

Matt Gaetz apresenta-se como o mais Trumpista de todos os congressistas. E prometeu despedir todos os procuradores que “não seguissem” a linha do Presidente. Além do pequeno pormenor de não ter um currículo relevante como jurista.

Veremos a reação a estas nomeações no Senado. Ele terá maioria republicana a partir de janeiro, mas em que restam alguns moderados – como Lisa Murkowski, do Alaska – e que tem como missão constitucional escrutinar os nomeados para o executivo (o que, por sinal, não seria mal pensado no caso do parlamento do Portugal democrático).

Estes são nomes tão evidentemente inadequados que até podem ser parte de uma estratégia para facilitar a passagem dos demais. Ou podem ser simplesmente o sinal de que Trump quer deixar claro desde o início que não está para compromissos. Seria extraordinário se todos estes nomes fossem aprovados. Mas Trump já veio exigir que os senadores não atrasem o seu processo de nomeação. É verdade que os Trumpistas não conseguiram eleger o líder que queriam no Senado: Rick Scott foi derrotado num voto secreto pelo mais tradicional John Thune. Mas este último já declarou que iria cooperar com Trump. Este será, portanto, um primeiro teste sério para perceber se os pesos e contrapesos tradicionais no sistema político norte-americano continuam a limitar o poder presidencial ou se iremos assistir a uma crescente deriva iliberal. Esta também seria uma boa ocasião para os democratas reconhecerem que as limitações que a Constituição coloca ao poderes das maiorias ou de um Presidente, de que tantas vezes se queixam como sendo antidemocráticos, afinal são avisados.

Os inexperientes

É verdade que também há veteranos competentes. A começar pela figura chave da chefe de gabinete do Presidente, Susie Wiles. Ela dirigiu eficazmente a campanha de Trump, cujo profissionalismo elogiei antes de a vitória ser conhecida. Independentemente da questão de quem Trump escolhe, também este processo de seleção tem sido rápido e eficaz. Sendo Trump facilmente influenciado – não nas suas obsessões, mas em muitos outros temas e nos detalhes de execução, que não lhe interessam – quem controla a sua agenda e serve de “porteiro” tem um papel ainda mais relevante do que é o caso com outros Presidentes.

O Conselheiro de Segurança Nacional é suposto ser o alter ego do Presidente para coordenar a estratégia externa dos EUA, trabalhando diretamente com ele na Casa Branca. Para a função foi nomeado o congressista Mike Waltz, que tem um histórico de reflexão sobre a ação externa do país que é suposto agora ajudar a coordenar e implementar. É visto como um falcão, mas seria melhor caracterizado como um cético quanto à possibilidade de acordos fáceis com a China ou a Rússia. Criticou a postura excessivamente prudente da Administração Biden na ajuda à Ucrânia e defendeu que qualquer negociação com a Rússia só seria possível a partir de uma posição de força. Defendeu uma forte presença dos EUA no Mundo, tendo-se oposto à retirada caótica do Afeganistão. Mas mesmo Waltz cedeu a Trump na questão do apoio à Ucrânia no início deste ano.

E Marco Rubio? Tem posições algo semelhantes a Waltz e também muita experiência no campo externo, sobretudo nas relações com a América Latina. No passado foi muito crítico e desafiou Trump, inclusive foi seu rival nas primárias republicanas em 2016. Acabou convertido ao Trumpismo para sobreviver politicamente. Rubio teve a seu favor o facto de ser parte da rede da Florida que tem estado a pesar nas nomeações de Trump, começando por Wiles. Mas parece ser, com Waltz, parte da estratégia de Trump de, na frente externa, em lugares que lhe interessam menos diretamente, apresentar uma face mais moderada e mais aceitável externamente. Veremos que influência Rubio e Waltz realmente terão sobre o Presidente Trump.

epa10295116 US senator Marco Rubio, who was re-elected to the United States Senate, speaks during his Election Night Party in Miami at the Hilton Miami Airport Blue Lagoon in Miami, Florida, USA, 08 November 2022.The US midterm elections are held every four years at the midpoint of each presidential term and this year include elections for all 435 seats in the House of Representatives, 35 of the 100 seats in the Senate and 36 of the 50 state governors as well as numerous other local seats and ballot issues.  EPA/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH  EPA-EFE/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH

Marco Rubio fica com a pasta dos Negócios Estrangeiros

CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH/EPA

Faltam ainda os elementos da equipa económica, mas os nomes mais falados são também de lealistas alinhados com a agenda ultra-protecionista de Trump. Veremos se surge alguém mais moderado e pragmático.

E convém não esquecer os estranhos à política como Elon Musk, que irá partilhar a direção de um novo ministério virtual da Eficiência com outro empresário, Vivek Ramaswamy. O objetivo é louvável, acabar com ineficiências nos demais ministérios. Duvido é da eficiência desta solução bicéfala ou da sua durabilidade. Mas será interessante acompanhar a evolução do bromance entre dois egos do tamanho dos de Musk e de Trump. Uma coisa parece certa: quem Trump não considerar leal será demitido e substituído por um quadro crescente de lealistas que perceberam que Trump é uma boa aposta para avançarem rapidamente na carreira. Quais são as implicações para nós de tudo isto?

Um líder de palavra

Ouvimos muitas vezes os apoiantes de Trump, ou mesmo responsáveis europeus, reagirem aos seus excessos de linguagem ou à sua admiração confessa por ditadores como sendo declarações que não deviam ser levadas a sério — eram brincadeiras ou populismo eleitoral. Outro argumento muito usado tem sido o de que os seus ministros e as instituições norte-americanas iriam travar os seus piores excessos.

Claro que, logo depois da vitória eleitoral, Trump deixou claro que a América lhe deu “um mandato poderoso e sem precedentes”. Caso houvesse dúvidas, o líder republicano na Câmara dos Representantes, Mike Johnson, declarou que “vamos ter a agenda mais agressiva que já viram nos primeiros cem dias”. E, por fim, a porta-voz da equipa de transição de Trump, Karoline Leavitt, veio dizer que “o povo americano reelegeu o Presidente Trump por uma margem retumbante, dando-lhe um mandato para implementar as promessas que fez na campanha.” O que, como é habitual, não é verdade. Obama em 2008 e mesmo Biden em 2020 tiveram vitórias mais expressivas, para não falar em Reagan ou Roosevelt. Mas nem por isso estas declarações são menos significativas.

Há muito que afirmo que a ideia de que Trump não devia ser levado à letra e poderia ser travado nas suas grandes prioridades pelos seus ministros, como aconteceu realmente entre 2016 e 2020, não me parecia realista hoje em dia. Em 2016, Trump não estava preparado para vencer. Teve de recrutar para ministros muitos históricos de um Partido Republicano que não controlava, bem mais moderados e favoráveis à Europa e à Aliança Atlântica do que o Presidente. Hoje, Trump tem um vasto grupo organizado de lealistas, nomeadamente espalhados por instituições aqui em Washington D.C., que sabem que podem dar um enorme salto na carreira mostrando devoção ao Trumpismo na frente interna e externa. Têm um programa detalhado preparado pela Heritage Foundation – o Project 2025 – de que Trump se distanciou convenientemente durante a campanha, mas em que colaboraram mais de 150 Trumpistas.

Guerra no comércio e “paz” na Ucrânia?

Claro que Trump, mais ainda do que outros líderes políticos, é conhecido por dizer o que for preciso para atingir os seus objetivos. Mas tem obsessões recorrentes: homens fortes, aliados aproveitadores, fechar as fronteiras às importações e aos imigrantes. É certo que nenhum líder, nem mesmo um ditador totalitário, consegue concretizar todos os seus objetivos, pois o resto do mundo tende a oferecer alguma resistência. Mas em todas essas áreas podemos esperar ações sem precedentes de Donald Trump com uma equipa alinhada com ele por convicção ou necessidade. E o custo económico e securitário para a Europa de algumas iniciativas seria enorme, nomeadamente para Portugal, que tem nos EUA um dos seus principais mercados fora da UE e o principal garante da sua segurança desde 1949.

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Susie Wiles será a poderosa chefe de gabinete de Trump

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Particularmente ameaçador para a paz e a liberdade da Europa seria o desinvestimento americano na NATO e o abandono da Ucrânia. Alguma redução das tropas norte-americanas da Europa seria gerível. Um abandono total da nossa região pelos EUA, ou de outras, criaria um perigoso vazio estratégico. Declarações repetidas de Trump de que a sua prioridade era acabar com a guerra na Ucrânia em 24 horas, ainda antes de tomar posse, fazem temer que se prepare para tentar forçar uma paz precipitada em termos favoráveis ao regime de Putin. As consequências seriam desastrosas não só a nível regional como global. Mesmo uma Rússia muito enfraquecida sentir-se-ia livre para ter uma postura cada vez mais agressiva na sua vizinhança. Seria oferecer uma vitória evitável a um inimigo irredutível e declarado do Ocidente, descredibilizando os EUA, minando e dividindo a Aliança Atlântica e reduzindo a capacidade de dissuasão eficaz de agressões futuras. Seria também um encorajamento a todas as potências revisionistas, insatisfeitas com a ordem global ou regional vigente. Esta postura aumentaria a probabilidade de vermos novas guerras de conquista, inclusive da China contra Taiwan, confiantes de que não teriam uma oposição determinada da mais forte potência militar global.

O grau de interdependência entre a economia europeia e norte-americana, bem como a possibilidade de a Ucrânia se transformar numa derrota humilhante dos EUA, levam muitos a considerar que Trump certamente irá recuar nas suas intenções. Seria certamente a opção racional em termos dos interesses norte-americanos, mas ter certezas quanto à racionalidade de líderes políticos parece-me arriscado.

Como lidar com Trump 2.0?

Claro que o resto do mundo não tem alternativa a negociar com o líder que os norte-americanos elegeram ou a tentar trabalhar com o governo que ele escolheu. A chave para lidar com Trump é perceber que para ele tudo são acordos de curto prazo, e a principal prioridade é a sua boa imagem. Também se preocupa alguma coisa com a evolução de alguns indicadores da economia norte-americana, por exemplo terá uma particular obsessão com a Bolsa de Nova York e nomeadamente com o Dow Jones. É com isso que a Europa terá de jogar e com alguns potenciais aliados entre os moderados nomeados.

O anterior secretário-geral da NATO, Jans Stoltenberg, e o atual, Mark Rutte, parecem estar de acordo em considerar que a resposta a Trump é simples. Aumentar significativamente o investimento europeu em defesa, passando do compromisso assumido dos 2%, a atingir durante este ano, para 3% ou mesmo 3,5% do PIB. Isso seria um enorme esforço para Portugal e para os portugueses, que não se sentem tão ameaçados como os polacos, que já vão nos 3,9%. E, claro, dar publicamente crédito a Trump por isso. No fundo, comprar a sua boa vontade.

Pode ser que resulte no curto prazo, permitindo ganhar algum tempo. Mas sejamos claro. Trump não quer realmente saber quanto gastam os europeus em defesa. Trump quer saber a quem compram o armamento. Trump não quer ouvir falar do desenvolvimento da indústria de defesa europeia, que seria crucial para tornar este reforço do investimento política e economicamente sustentável. Trump só quer ouvir falar da indústria militar dos EUA, e a grande questão para ele será saber se os europeus compram mais armamento americano, seja F-35, Patriots, drones ou mísseis.

Para ser eficaz face a Trump 2.0 a Europa terá de procurar reagir de forma coesa. Retaliando a uma guerra comercial com tarifas sobre bens e serviços americanos em setores politicamente sensíveis. Também pode abrir a porta para negociações de um novo acordo comercial mesmo que modesto. Talvez isso baste para fazer Trump ficar bem na fotografia como o grande deal maker, e permita evitar um conflito mais prolongado e danoso.

Qualquer demonstração de fraqueza europeia terá um péssimo resultado. Trump só respeita a força, com ou sem Rubio ou Waltz, que poderão ser aliados úteis, mas não decidirão o essencial. Veremos se teremos votantes e líderes europeus com a força e a capacidade para defender os interesses e os valores europeus, mas o contexto político na Europa é adverso. E não faltam Trumpistas desejosos de promover aliados iliberais no continente europeu, dividir para reinar.

Em suma e em termos globais, a vitória de Trump foi genericamente saudada por ditadores e candidatos a homens fortes, e causou receios entre os aliados democráticos dos EUA, na Europa mas também na Ásia. Isso é bastante revelador das expectativas que Trump 2.0 gerou: um mundo mais perigoso para as democracias e mais seguro para as autocracias. Veremos se se concretizam.

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