Sempre que sai de casa para trabalhar de madrugada, Mary Mancha fecha os olhos e pede a Deus para ainda ter combustível suficiente para chegar ao trabalho. E sempre que chega a casa depois do trabalho, Mary volta a fechar os olhos para tornar a fazer súplicas a Deus: que haja comida que chegue na mesa, que a renda não fique em atraso e que a luz não se apague sob as suas cabeças, nem a água seque nas torneiras. “Não tenho ninguém a quem pedir além de Deus”, conta ao Observador, numa entrevista por telefone.
Mary Mancha é apenas uma dos cerca de 800 mil funcionários públicos norte-americanos que foram obrigados a parar de trabalhar, ou, como é o seu caso, a trabalhar sem receber salário, perante o shutdown do governo federal dos EUA. Há um mês que funcionários de agências públicas tão díspares como a NASA e a U.S. National Park Service foram enviados para casa sem salário por falta de dinheiro para lhes pagar — alguns, por desempenharem funções essenciais, têm sido obrigados a trabalhar sem receber. Na origem de tudo, está o desentendimento entre Donald Trump — que quer 5,7 mil milhões de dólares para acrescentar longos troços ao que já existe do muro entre os EUA e o México — e a maioria democrata na Câmara dos Representantes — que, tendo na mão os cordões da bolsa, não admite abri-los neste caso.
Enquanto esta disputa se arrasta, Mary Mancha continua a fazer o que lhe compete. De domingo a quinta-feira, sem falhar, sai de casa a tempo de chegar ao aeroporto Dallas Love Field, no Texas, às 3h15 e só sai de lá às 11h45 da manhã. Dos 44 anos que Mary Mancha tem, os últimos oito foram passados nesta rotina. O seu título oficial é de “agente de segurança de transportes” na Transportation Security Administration (TSA). Ou seja, é pelas suas mãos que passam as centenas de cartões de identidade e passaportes no controlo de segurança do aeroporto, tal como a bagagem de qualquer passageiro que queira viajar a partir daquele aeroporto texano.
Em casa, tem um marido desempregado e dois filhos adultos, dos quais apenas um trabalha a tempo inteiro. “Já começámos a fazer contas à vida”, conta. A última vez que foi às compras buscar mais do que apenas o estritamente necessário foi pouco antes de o shutdown ter começado, aproveitando que o administrador da sua divisão deu a cada trabalhador um bónus de 500 dólares para que pudessem encher as despensas. E foi isso mesmo que Mary Mancha fez: “Fui direta ao supermercado e comprei tudo o que pude com aquele dinheiro”. Fora isso, a vida social e fora de casa deixou de existir. “Não vamos ao cinema, não passeamos, não saímos de casa, não comemos fora”, explica. Este ano, depois de o último filho de Mary Mancha sair da universidade e, por isso, ter passado a haver menos despesas, chegaram a pensar mudar de morada para uma vivenda. “Mas isso foi antes desta brincadeira toda. Agora nem sei se consigo pagar a renda do apartamento onde vivemos”, lamenta.
Mary Mancha insiste em não associar o seu trabalho à sua atual situação, por mais ligadas que uma e a outra coisa possam ser. “Adoro o meu emprego”, insiste várias vezes, enquanto fala com o Observador. Mas, ainda assim, não consegue deixar de notar a ironia deste momento: “Quando era mais nova, toda a gente me dizia para arranjar um trabalho na função pública, porque era estável!”, diz, enquanto lança umas gargalhadas que muito lhe têm faltado. Afinal de contas, desde que está na TSA, as disputas entre Casa Branca, Senado e Câmara dos Representantes já a obrigaram a ir trabalhar sem salário em três ocasiões.
A primeira foi em 2013, perante um bloqueio sobre o Affordable Care Act, que opôs o então Presidente Barack Obama ao Congresso republicano e que durou 16 dias. A segunda foi em janeiro de 2018, quando um desentendimento sobre a naturalização de imigrantes levados para os EUA quando eram menores levou Donald Trump e o Congresso a um impasse de dois dias. E, depois, há o atual shutdown. Em vigor desde 22 de dezembro, este é já o maior da História dos EUA, deixando vários trabalhadores da função pública sem salário nem perspetivas de regresso à normalidade.
“Das outras vezes foi mau, porque isto nunca é bom e assusta sempre. Mas desta vez está a passar todas as marcas”, queixa-se Mary Mancha.
Ao contrário desta trabalhadora aeroportuária, Allison Youngblood está a passar pelo seu primeiro shutdown. A carreira desta jovem astrónoma de 30 anos estava a encaminhar-se como poucos conseguem. Depois de tirar licenciatura, mestrado e doutoramento em ciências espaciais, Allison Youngblood concorreu a uma bolsa de estudo da NASA — e, ao contrário de 87% daqueles que tentaram, conseguiu. Paralelamente a tudo isto, também o seu marido entrou. Por isso, fizeram as malas para o estado do Maryland e estabeleceram-se ali para começarem as suas carreiras no topo.
Agora, tudo isso está interrompido. “Desde 21 de dezembro que deixámos de receber e, por isso, disseram-nos para não voltarmos ao trabalho até haver indicações em contrário”, conta ao Observador numa entrevista por Skype. Tecnicamente, Allison Youngblood não é funcionária pública — mas o facto de a sua bolsa ser paga por uma agência governamental coloca-a no mesmíssimo barco em que estão os cerca de 800 mil funcionários públicos sem salário.
O projeto de Allison Youngblood consiste em estudar a emissão de raios ultravioleta no telescópio espacial Hubble. Desde que, juntamente com o marido, foi obrigada a largar o trabalho e ficar em casa à espera que se produza um entendimento em Washington D.C., o universo e a exploração espacial não esperaram.
A 3 de janeiro, a China aterrou o primeiro satélite no lado mais longínquo da Lua. Na madrugada de 21 de janeiro, houve um eclipse lunar. A frustração de Allison Youngblood por ter acompanhado aquele momento como uma mera civil e não como a astrónoma que é ficou bem patente num tweet que a própria escreveu: “Estou a assistir ao eclipse lunar a partir do chão, em Houston, no Texas, e o Hubble está a capturar tudo por mim numa órbita terrestre de baixa altitude. Além disso, sou uma pós-doutorada da NASA em suspenso e não me é permitido verificar os meus próprios dados”.
I’m watching the lunar eclipse tonight from the ground in Houston, TX AND @NASAHubble is catching it for me from low Earth orbit. Also, I’m a furloughed NASA postdoc and am not allowed to check out my own data. #ShutdownStories https://t.co/coW6QjFwgD
— Allison Youngblood (@allisonyyyyy) January 21, 2019
“Na NASA, gostamos de ser os melhores do mundo em tudo o que nos metemos. Mas, quando se deixa a NASA coxa, o mais certo é que comecemos a ficar para trás em todas as corridas”, aponta. Ao Observador, Allison Youngblood refere que há “alguns aspetos” do seu trabalho que “podem esperar”. Mas outros não. “Alguns dos dados que eu recebo do Hubble têm um período de reserva em quem só eu posso ter acesso a eles, mas há outros que não. Por isso, é muito importante publicar e analisar esses dados o mais rápido possível”, diz. “Neste momento, estou a competir com outros investigadores, seja nos EUA ou no resto do mundo, e a verdade é que eu e a NASA estamos a perder terreno. O shutdown não vale a pena se as consequências forem estas.”
Além das consequências profissionais, Allison Youngblood também começa a sentir as consequências pessoais. Tanto ela como o marido não recebem desde 31 de dezembro, data em que chegou o último cheque. O seguro de saúde associado à bolsa de estudo está assegurado até ao final de fevereiro. A partir daí, o jovem casal de astrónomos estará entregue a si próprio.
Desde que o shutdown é notícia, várias pessoas e organizações têm acudido aos funcionários públicos que não sabem quando o próximo salário lhes vai cair na conta. A World Central Kitchen, ONG fundada após o terramoto de 2010 no Haiti e que tem como missão garantir a alimentação de vítimas de desastres naturais, abriu uma exceção na sua missão e já começou a servir refeições quentes a funcionários públicos e às suas famílias. Além disso, há várias páginas no GoFundMe, uma das plataformas online de crowdsourcing mais usadas nos EUA, para angariar dinheiro para quem está nesta situação.
“A generosidade das pessoas tem sido incrível”, diz Allison Youngblood. Da sua parte, tem recebido várias mensagem de amigos e família a perguntar se precisa de dinheiro — ofertas que, até agora, tem rejeitado. Nesses momentos, há conversas que correm melhor do que outras. Nalgumas, Allison Youngblood, que votou em Hillary Clinton nas eleições de 2016 e que é bastante crítica de Donald Trump, acaba por comentar a situação política com pessoas que pensam o mesmo do que ela. Noutras, porém, o mesmo não acontece. E é com a própria mãe, republicana devota que votou em Donald Trump em 2016, que essas conversas correm pior.
“Falamos menos do que devemos, provavelmente por culpa minha, e sempre por mensagens. Porque isto tem-me custado muito”, conta. Uma conversa que tiveram sobre o muro que Donald Trump quer construir — ao qual Allison Youngblood se opõe e que a sua mãe defende — deixou-a particularmente exasperada. Depois de lhe ter dito que era contra o muro e que duvidava da sua eficácia, a mãe respondeu-lhe: “Da mesma forma que há muitos anos me disseste que acreditavas no aquecimento global porque os cientistas que estudam o tema indicam isso, eu digo-te agora que confio em todos os guardas fronteiriços que só é possível ter segurança na fronteira com um muro”.
Allison Youngblood, que foi criada numa família republicana e que, desde que saiu de casa para a universidade, começou a pensar mais à esquerda, já não consegue debater política com a própria família. “É desesperante e não leva a lado nenhum”, diz. Uma frase que, para muitos norte-americanos, sobretudo aqueles que não sabem quando chega o próximo salário, se aplica também ao debate entre Donald Trump e os democratas no Congresso.
Como começou um bloqueio político sem fim à vista
Sentado na Sala Oval, o Presidente dos EUA tinha à sua direita a líder dos democratas na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, e à sua esquerda o líder democrata no Senado, Chuch Schumer. Também por ali, sem que alguma vez se fizesse ouvir enquanto as câmaras registavam o momento, estava o vice-Presidente, Mike Pence.
Estavam ali reunidos para discutirem alguns diplomas que só podiam avançar consoante um consenso entre os dois partidos. Era 11 de dezembro de 2018 e, por aquela altura, havia uma certeza: a partir de 3 de janeiro de 2019, os democratas passariam a ter o controlo da Câmara dos Representantes, estando em maioria naquele patamar imprescindível no processo legislativo dos EUA. E foi por isso que Donald Trump chamou ali os líderes democratas: porque tinha de convencê-los a permitirem a construção do muro com a fronteira do México, possivelmente a promessa eleitoral mais icónica do atual Presidente.
O tom da reunião até começou por ser cordial. Donald Trump abriu aquela sessão com duas figuras de estilo. Primeiro, a ironia, quando elencava os temas a discutir naquela reunião. “Depois temos o tema mais fácil, que é o muro. Vai ser o mais fácil de todos. O que acha, Chuck? Se calhar não é?…”, perguntou, virado para o líder dos democratas o Senado. Depois, o eufemismo, quando se referiu ao tema em si: “Não é uma situação fácil, porque os democratas têm uma opinião diferente”.
Mas rapidamente aquela reunião descambou, dando lugar a uma terceira figura de estilo: a hipérbole. Respondendo às afirmações iniciais de Donald Trump, Nancy Pelosi disse de forma clara: “O povo americano acredita que devemos manter o governo em funções e que nada vale um shutdown. Não podemos ter um shutdown de Trump”. Mais à frente, Chuck Schumer insistiu nesse ponto, tornando clara a estratégia montada com a sua colega de partido. “Não podemos suspender o governo por causa de uma disputa e você quer suspendê-lo, está sempre a dizer isso”, disse.
Donald Trump, vendo que nenhum dos dois demonstrava vontade de o ajudar na construção do muro — para o qual disse, naquele momento, precisar de 5 mil milhões de dólares —, levantou o tom de voz e nunca mais o baixou. “Precisamos de segurança nas fronteiras. Segurança nas fronteiras! Se não tivermos segurança na fronteira, vamos suspender o governo. O muro faz parte da segurança na fronteira”, disse.
E, depois, sublinhou bem sublinhado: “Se não conseguirmos o que queremos, de uma maneira ou de outra, seja através de vocês [democratas], do exército ou do que quiserem, vou suspender o governo. E terei todo o orgulho em suspender o governo pela segurança da fronteira. Porque o povo deste país não quer criminosos e pessoas que têm vários problemas e drogas a entrar no nosso país. Eu assumo a responsabilidade. Vou ser eu a suspender o governo. Não vos vou atribuir culpas. Da última vez que vocês suspenderam o governo, não funcionou. Eu assumo a responsabilidade de suspender o governo. Pela segurança da fronteira”.
A partir dali, nunca mais houve verdadeiro diálogo entre as duas partes. No dia 19 de dezembro, o Senado aprovou um decreto lei que permitiria custear as despesas do governo federal até à primeira semana de fevereiro — porém, no dia seguinte, Donald Trump recusou-se a ratificá-lo.
No dia 22 de dezembro, começou a suspensão parcial do governo, com uma catadupa de agências e órgãos estatais a anunciarem uma pausa nos seus trabalhos. A Administração de Comida e Medicamentos (FDA, na sigla inglesa) começou por suspender algumas das suas inspeções à qualidade da comida e deixou de avaliar novos medicamentos; a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA), que responde a desastres naturais e humanamente provocados, suspendeu o trabalho com todos os serviços externos; o Departamento de Agricultura limitou a concessão de subsídios a agricultores; a Agência de Proteção Ambiental (EPA) mandou 95% dos seus funcionários para casa; entre outros. Além disso, trabalhadores de agências como a TSA, os guardas fronteiriços e costeiros ou os serviços fiscais foram obrigados a ir trabalhar sem receberem. Nenhum deles pode fazer greve, devido a uma lei de 1947 que retirou a todos os funcionários públicos esse direito por razões de segurança e ordem nacional.
Durante todo este processo, Donald Trump voltou a encontrar-se com Nancy Pelosi e Chuck Schumer. Depois de, na noite de 8 de janeiro, cada uma das duas partes discursou à nação, sem que fossem dados sinais de qualquer cedência de parte a parte, a 9 de janeiro o Presidente voltou a sentar-se com os seus dois adversários políticos do Partido Democrata na Sala Oval.
O espírito — e duração — do encontro ficou bem claro no tweet publicado pelo Presidente dos EUA à saída: “Acabei de sair de uma reunião com o Chuck e com a Nancy, uma enorme perda de tempo. Perguntei-lhes o que vai acontecer dentro de 30 dias, se eu abrir as coisas [leia-se, terminar o shutdown] num instante. Vão aprovar uma segurança fronteira que inclua um um muro ou uma barreira de aço? A Nancy disse NÃO. Eu disse bye-bye, mais nada funciona!”.
Just left a meeting with Chuck and Nancy, a total waste of time. I asked what is going to happen in 30 days if I quickly open things up, are you going to approve Border Security which includes a Wall or Steel Barrier? Nancy said, NO. I said bye-bye, nothing else works!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) January 9, 2019
Além destas reuniões, o Congresso tem tentado envidar vários esforços para terminar o shutdown — mas as iniciativas que têm surgido, da parte dos democratas na Câmara dos Representantes e também dos republicanos no Senado, têm sido todas rejeitadas por Donald Trump.
Trump oferece acordo sobre imigração para acabar com “shutdown”. Democratas rejeitam
A 19 de janeiro, foi a vez de Donald Trump se chegar à frente e fazer uma proposta para terminar o shutdown. Num novo discurso à nação, o Presidente dos EUA pediu aos democratas 5,7 mil milhões de dólares em troca de proteção a pessoas que tenham sido levadas ilegalmente para os EUA enquanto eram menores de idade — que no tempo de Barack Obama foram designados de dreamers (sonhadores) e foram poupados à deportação — e também dos imigrantes que atualmente gozam do Estatuto Temporário de Proteção. Donald Trump chamou-lhe um “acordo de senso comum”, mas os democratas não acharam o mesmo — ainda antes de o Presidente dos EUA discursar, já conhecendo o conteúdo da sua proposta, os líderes democratas rejeitaram qualquer acordo e disseram que o que Donald Trump lhes apresentava ali era “inaceitável”.
Assim se passou um mês sob aquele que já é o maior shutdown do governo federal nos 242 anos da História dos EUA. E, dificilmente, assim se sairá dele tão cedo.
“Estamos a ser sequestrados, somos peões num jogo político”
Mary Mancha costumava seguir as notícias. A política interessa-lhe e os temas laborais também — tanto que é líder sindical. Com o arrastar do shutdown, porém, deixou de prestar a atenção de outrora a estes temas. Para quem está no olho do furacão, o maior conforto parece ser mesmo fechar os olhos e esperar pelo fim.
“Sinto que estamos a ser sequestrados. Somos peões num jogo político, mais nada. E eles nem se apercebem que estão a magoar e a esmagar muitas vidas durante este processo. Os nossos políticos só querem saber das suas agendas e não se preocupam de maneira nenhuma com as 800 mil vidas que estão a afetar. E até são mais do que isso, porque também estão a afetar a vida das famílias desses 800 mil funcionários”, diz Mary Mancha. “Eles não percebem o que é estar deste lado porque não têm de decidir se compram comida ou gasolina. Mas nós, que temos as botas no terreno, passamos por isso tudo e muito mais.”
Os problemas podem ficar ainda maiores para Mary Mancha se o shutdown se arrastar até ela ficar sem o seguro de saúde que tem através do seu emprego e que serve para toda a família. Não sabe ao certo até quando é que pode continuar a usufruir dele — mas tem a certeza de que, sem seguro, o mau passa rapidamente a péssimo. “A minha família depende do meu seguro de saúde”, garante. “O meu marido tem problemas de saúde, a minha filha também. E quando eu ou o meu filho ficamos doentes, também recorremos a este seguro. É um medo tremendo pensar que podemos ficar sem esta cobertura.”
Sem certezas quanto ao futuro imediato, Allison Youngblood e o marido já começaram a fazer contas à vida. Para já, rejeitam a possibilidade de aceitarem dinheiro das várias pessoas que já ofereceram ajuda. “Estamos a receber um bom salário, de 65 mil dólares por ano, por isso temos conseguido fazer algumas poupanças. Desta forma, se o shutdown durar mais umas semanas, aguentamos bem”, diz ao Observador. E se durar mais um mês? “Vamos ter de começar a pôr algumas em espera, claro. E vamos ter de começar a pensar no futuro. A pergunta que temos colocado um ao outro é precisamente esta: até quando é que estamos dispostos a aguentar?”, refere. Para já, ainda não há uma resposta concreta — mas, pelo sim pelo não, ambos já estão a procurar ofertas de emprego na Internet.
Mary Mancha não sabe quantos mais dias tem pela frente sem salário — e também não sabe quantos mais consegue aguentar. “Ainda não fiz contas”, diz-nos, acrescentando que não o faz por não querer encontrar as respostas que sabe que vai ter — sobretudo uma que lhe diga, de forma clara, que tem de procurar outro emprego para poder manter a sua família.
Para já, Mary Mancha preocupa-se, principalmente, em chegar ao emprego a horas e em fazer bem o seu trabalho — e, sempre que possível, de sorriso na cara. “Por ser líder sindical, os meus colegas procuram-me muitas vezes com perguntas às quais eu não tenho qualquer tipo de resposta. Mas eu tenho de estar bem comigo própria para depois falar com eles e desvalorizar a situação, garantir que está tudo bem e que isto acaba dentro de pouco tempo”, diz. Perguntamos-lhe se verdadeiramente acredita nisso. A resposta sai pronta: “Eu espero que sim, pelo menos. Acredito que alguém vai ver que nós merecemos receber os nossos salários. Tenho fé em Deus”.