A primeira mensagem de Natal de Luís Montenegro
Nesta ocasião, dirijo uma palavra especial aos que se sentem ou se encontram mais sozinhos e desprotegidos. Aos que são vítimas de violência, em particular as muitas mulheres e crianças que vivem ou viveram o terror desumano do ataque à sua dignidade.”
Depois de no final de novembro ter sido criticado por associações de apoio às vítimas e pela oposição por dizer que não há um aumento real de casos de violência doméstica, mas apenas mais denúncias, Luís Montenegro não quis deixar de ter uma palavra especial para as vítimas deste tipo de crimes.
O ano que agora termina foi ano de viragem e mudança. O novo Governo trouxe novas prioridades e novas opções. Não viemos para olhar ou criticar o passado, viemos para cuidar do presente e construir o futuro. Estamos a resolver questões mais urgentes, ao mesmo tempo que vimos implantando transformações estratégicas e estruturais.”
O primeiro-ministro justifica aos portugueses ainda não ter avançado com reformas com o facto de, desde que chegou ao poder, estar a resolver questões mais urgentes. O plano para a saúde ou as reivindicações de várias classes profissionais foram algumas das prioridades do Executivo de Montenegro que, ao mesmo tempo, reafirma ideia de quem a motivação e retenção de recursos humanos no Estado são também medidas estruturais. Nesta primeira parte do discurso, Montenegro diz que não governa para criticar o passado, mas não resistirá a atirar ao PS e a António Costa mais à frente.
Decidimos baixar os impostos sobre o trabalho e as pensões. E aprovámos mesmo o primeiro OE de que há memória que não aumenta um único imposto. Ainda na fiscalidade adotámos medidas impactantes para os nossos jovens, que queremos que fiquem e trabalhem em Portugal juntos dos seus amigos, pais e avós. Por outro lado, acordámos na concertação social o aumento do salário mínimo nacional, estimulando em simultâneo o aumento do salário médio. Ao mesmo tempo, acertámos com os sindicatos a valorização geral do salários dos trabalhadores do Estado e estamos a melhorar as remunerações de setores-chave da Administração Pública como os professores, os polícias, as Forças Armadas, os funcionários da justiça, do sistema prisional e da área da saúde”.
Na sua primeira mensagem de Natal, Montenegro destaca aquelas que considera serem até agora as suas principais conquistas: o facto de o Orçamento do Estado não ter um pendor de aumento da carga fiscal, as várias medidas tomadas para os jovens (como o IRS Jovem ou a isenção de IMT na compra da primeira habitação até aos 35 anos) e, por fim, os aumentos salariais nas várias áreas setoriais do Estado. Tanto os professores como os polícias arrastavam guerras com o anterior Governo, o que leva Montenegro a puxar dos galões de ter negociado com estes setores. Sobre as remunerações dos bombeiros — que têm sido mais ruidosos e conflituosos nos últimos tempos — nada diz, limitando-se a agradecer aos que estão a trabalhar na quadra natalícia.
“Também atualizámos sem truques todas as pensões. Aumentámos duas vezes o CSI e utilizámos uma parte da disponibilidade orçamental para atribuir um suplemento extraordinário para as pensões até 1527 euros.”
Montenegro não resistiu a enviar uma farpa ao anterior Governo, ao dizer que o atual executivo da AD atualizou sem truques todas as pensões. Ora, essa foi precisamente a crítica que como líder da oposição fez em 2023 quando António Costa decidiu dar uma parte do valor do aumento regular das pensões em cheque e não atualizou (logo em a janeiro, embora tenha acabado por o fazer mais tarde) as pensões ao mesmo nível da inflação. O líder do PSD faz, no entanto, um truque noutra medida: puxa a si os louros de um suplemento extraordinário das pensões até 1527 euros que, na verdade, foi uma proposta do PS relativamente à qual o PSD votou contra e que só passou porque a esquerda e o Chega se uniram.
Esta nova política de baixar impostos e valorizar salários e as pensões é realizada com rigor e equilíbrio orçamental. E é um elemento de política económica e social. Queremos premiar o trabalho para estimular a produtividade e a economia do país e para garantir mais justiça social. Num mundo em convulsão, com guerras militares e comerciais, a gerar incerteza e imprevisibilidade, numa Europa apreensiva com a estagnação da Alemanha e o défice e o endividamento da França, Portugal é um referencial de estabilidade e um país de oportunidades.
Apesar de o PS, com Centeno e Leão, ter tentado roubar a bandeira das contas certas e do rigor orçamental ao PSD, Montenegro não está disposto a abdicar dessa medalha. O primeiro-ministro garante que, apesar de estar a aumentar várias classes profissionais e as pensões, tudo está a ser feito com equilíbrio orçamental. A ideia é afastar qualquer fantasma de descontrolo das contas e de uma futura bancarrota. No meio de uma análise da saúde financeira, Luís Montenegro diz que “Portugal é um referencial de estabilidade”, omitindo que não o é do ponto de vista político e, mesmo financeiro, é de forma precária. Ou seja: esqueceu-se de dizer que não tem quem lhe queira aprovar o Orçamento do Estado para 2026 e que só não há risco de a AR ser dissolvida em outubro após um eventual chumbo porque o Presidente da República já estará impedido constitucionalmente de o fazer. É uma estabilidade de secretaria.
“Vamos promover imigração regulada, para acolher com dignidade e humanismo aqueles que escolherem viver e trabalhar no nosso país.
No auge da polémica operação policial no Martim Moniz, Luís Montenegro opta por não atirar mais achas para a fogueira e nem sequer fala de combater a imigração ilegal. Não vai tampouco ao chavão de ter portas abertas, mas não escancaradas. Evita mesmo referências mais sensíveis. Limita-se, sim, a garantir que haverá controlo, prometendo uma “imigração regulada”. Coloca, porém, o ónus dessa necessidade de regulação não como problema de segurança, de falta de integração ou de necessidade de mão-de-obra, mas com uma perspetiva humanista de dar dignidade aos estrangeiros que escolhem Portugal para viver e trabalhar.
“Vamos executar o maior investimento em habitação pública desde o realizado nos anos 1990. E vamos incentivar a construção para venda e arrendamento de casas a valores moderados.”
A habitação é uma das maiores crises que o país enfrenta e, no Natal, Luís Montenegro dedica-lhe uma frase. Há alguma ambição, já que se propõe a ultrapassar os anos 1990 — que foram um período de construção fulgurante — e promete promover “valores moderados”, sem especificar o que considera estar na baliza da moderação. A frase sobre habitação teve ainda outra utilidade no discurso: serviu de barreira entre a referência à imigração regulada e a referência à criminalidade. Desta forma, Montenegro evita ser acusado de estar a relacionar ambas.
Vamos combater a criminalidade económica, o tráfico de droga e a criminalidade violenta. Somos um dos países mais seguros do mundo, mas temos de salvaguardar esse ativo para não o perdermos.
Luís Montenegro não abdica do tema da segurança, mas fá-lo com equilíbrio — o que o afasta do posicionamento do Chega de André Ventura. Por um lado, o primeiro-ministro diz que Portugal é um dos países mais seguros do mundo; por outro, destaca que esse é um bem em risco que precisa de ser protegido. Ao fazê-lo admite que o tráfico de droga (que terá motivado a polémica operação no Martim Moniz) e a criminalidade violenta ameaçam o estatuto de Portugal como um dos países mais seguros do mundo.
No ano em que celebrámos os 50 anos do 25 de Abril e os 90 e 100 anos de nascimentos de dois artífices da nossa democracia, respetivamente Francisco Sá Carneiro e Mário Soares, estamos todos convocados a aplicar no futuro a inspiração que nos transmitem essas efemérides.”
O primeiro-ministro — que é acusado pela esquerda de estar cada vez mais colado ao Chega e às ideias do partido de André Ventura — faz questão de eleger como referências Sá Carneiro e Mário Soares, símbolos do centrismo mais ou menos moderado. A referência acontece dias depois de Pacheco Pereira acusar Montenegro de trair o legado de Sá Carneiro ao validar e legitimar a ação policial no Martim Moniz. Sobre o 25 de Novembro — que não fez uma data redonda este ano (49 anos), mas foi celebrado pela primeira vez no Parlamento — Montenegro não disse qualquer palavra. Mais uma vez, em tempo natalício, evitou o que era mais corrosivo.