Taylor Swift não podia ter dado mais aos que esgotaram o Estádio da Luz, em Lisboa, esta sexta-feira: durante sensivelmente 3h20, a cantora da Pensilvânia cantou, dançou, tocou guitarra e piano, interagiu com os fãs, fez um momento de silêncio para os ouvir e prometeu voltar. Os que esperaram quatro anos (ou uma vida) para ver a super-estrela da música pop saíram satisfeitos na hora de a ver ao vivo e a cores. Este sábado há segunda dose, igualmente esgotada.
A “catedral” dos benfiquistas virou “catedral de swifties” por umas horas, com a artista norte-americana a cumprir a prometida viagem por “uma grande aventura de 18 anos de música”, assim aludiu à sua carreira discográfica — a Eras Tour é um périplo por 10 dos 11 álbuns editados, com as suas distintas roupagens estéticas e temáticas. E por falar em estética, o habitual manto vermelho que cobre a Luz em dias de jogo ganhou contornos cor-de-rosa, com vestidos de lantejoulas, chapéus de cowboy e pulseiras de missangas. A indumentária também é efeito da estrela cintilante que em 2024 é Taylor Swift, a cantora de 34 anos que abre telejornais, coleciona prémios, esgota digressões, bate números de streamings. Para alguns o concerto poderá ter sido longo (as intermináveis filas para entrar no recinto não terão ajudado), mas para os fiéis convertidos foi o tempo certo para se entregarem de corpo e alma às canções.
Foram 46 temas cantados a partir das 20h15 (quase uma hora depois do previsto), a seguir quase à risca o alinhamento habitual da digressão, que acompanha o percurso da artista, do country passando pela fase pop de 1989 (2014) até à incursão pela folk. A cantora norte-americana abriu a noite com Miss Americana & the Heartbreak Prince, ponto de partida da era Lover (2019), cantada a plenos pulmões. “It’s been a long time coming” foram as primeiras palavras que se escutaram no recinto, ainda antes de Swift subir a palco. Seguiu-se a faixa Cruel Summer, com um pedido à multidão que com ela entoasse a “bridge” da canção. “I’m drunk in the back of the car/ And I cried like a baby comin’ home from the bar/ (Oh) Said, “I’m fine,” but it wasn’t true/ I don’t wanna keep secrets just to keep you”.
Com dois concertos lotados num estádio com capacidade para 64 mil pessoas — nem a organização nem a plataforma de bilhética divulgaram o número de lugares disponibilizados ou bilhetes vendidos — não é como se Swift precisasse de qualquer exercício de demonstração de poder. Mas ao esticar o braço e fazer o dedo indicador percorrer o estádio, qual maestrina, apontando para o público, ainda beijado pelo sol do fim do dia, era claro o efeito do toque de Midas da popular artista, que conduziu uma plateia em uníssono com a extremidade do corpo. “Isto faz-me sentir tão poderosa”, disse, logo aventurando-se no português desenferrujado: “Muito obrigada”.
Ao longo das mais de três horas, a Personalidade do Ano para a revista Time em 2023 correu os álbuns Lover, Fearless, Red, Speak Now, Reputation, Folklore, Midnights, Evermore, 1989 e The Tortured Poets Department. Houve tempo para todos os álbuns de originais, exceto o primeiro e homónimo, de 2006. À frente de Taylor Swift, todo o público cantou e soletrou as canções, ora com ela ora tomando-lhe o lugar num imenso coro coletivo.
Foi com um body brilhante que Taylor Swift surgiu inicialmente em palco, sempre ofuscando os quinze dançarinos com quem partilhou o palco ao longo da noite. Mas este foi apenas o fato inaugural de uma série de modelitos que desfilariam ao longo da noite, de designers como Roberto Cavalli, Vivienne Westwood ou Versace. Nos pés, a sola vermelha não deixou margem para dúvidas: é sobre sapatos Christian Louboutin que Swift percorrerá o palco nos próximos meses. O francês com casa na Comporta contou à versão norte-americana da revista Vogue que fez mais de 250 pares especialmente para a Eras Tour, 60 deles especificamente para a digressão europeia, que arrancou no início do mês em Paris, e seguiu viagem até Estocolmo, na Suécia, antes de aterrar em Portugal.
Não foi preciso muito para perceber que Taylor Swift tinha o público português conquistado à partida, já que foi com o mesmo fulgor e familiaridade que se ouviram os versos de hits como Style, Blank Space, Shake It Off, Wildest Dreams ou Bad Blood, ou de qualquer faixa de The Tortured Poets Department, apenas lançado no mês passado.
Para muitos fãs da artista norte-americana, marcar presença no Estádio da Luz com muitas horas de antecedência (alguns pernoitaram mesmo junto ao recinto) não foi garantia de um lugar na “linha da frente”, ou sequer de entrada no estádio a tempo de ver Paramore, banda de abertura que passou por Portugal há 13 anos no então designado Optimus Alive. Nas redes sociais, multiplicavam-se queixas sobre a organização na entrada para o espetáculo e já Hayley Williams havia entoado temas como That’s What You Get ou The Only Exception quando filas com centenas de metros ainda serpenteavam as imediações do estádio que virou sala de espetáculos. Observá-las implicava descobrir filhos que levaram os pais, mas também concluir que está longe da verdade a ideia de que apenas jovens adolescentes são “swifties” — nome porque se autodenominam os fãs da cantora e compositora.
“Sou fã daquela miúda. Pulava lá no meio mais do que jovem”, diz Wagner Oliveira, 50 anos, condutor de TVDE que transportava gente para o concerto, horas antes. Explica este brasileiro de Vitória, do estado do Espírito Santo, que não foi a tempo de assegurar um bilhete: “Gosto de tudo dela. É daquelas artistas que ela é um show. Consegue-me surpreender. Um artista é isso. Um artista tem que nos surpreender.”
Taylor Swift não deixou margem para grande espontaneidade num espetáculo repleto de artifícios e adereços que asseguram o nível estratosférico que demanda um concerto de estádio de uma das maiores estrelas pop do mundo. Houve labaredas, fogo de artifício, confettis e cenários minuciosamente pensados. Foi tudo perfeitamente coreografado, incluindo um momento no segmento da era Red, em que Swift abraçou uma jovem fã, ofereceu-lhe o chapéu que tinha na cabeça e, em troca, recebeu uma pulseira da amizade. O gesto tem pouco de inocente: já foi feito noutros concertos, denuncia a internet.
Mais cândido foi o momento da atuação de Champagne Problems, do álbum Evermore (2020). Depois de afastar a franja da testa, Taylor fitou o estádio que a aplaudiu ininterruptamente durante largos minutos e tirou os auriculares. “Oh, meu Deus”, repetiu, levando as mãos à cabeça. As luzes do público acenderam-se, e, em silêncio, a artista observou um estádio inteiro em suspenso. “Nunca na vida me vou esquecer deste momento em Lisboa”, prometeu.
Depois da era dedicada ao novo disco, Taylor Swift surgiria sozinha numa ponta palco, apenas com a sua guitarra, para apresentar canções surpresas. “Bem-vindos à sessão acústica”, anunciou. E foram cinco: Come Back… Be Here, The Way I Loved You, The Other Side of the Door, Fresh Out The Slammer e High Infidelity. “É a primeira vez que vou cantar esta ao vivo”, diz quando se senta ao piano, sobre Fresh Out The Slammer, sétima entrada do novo álbum.
Numa das vezes em que se dirigiu ao público português, Taylor Swift justifica a digressão Eras Tour, que já rendeu 920 milhões de euros e bateu todos os recordes, deixando para trás os U2, os Rolling Stones ou Elton Joh. “É uma forma de voltar às minhas memórias favoritas dos últimos quase 20 anos”, explica. Foi a primeira vez que a cantora atuou em Portugal, depois de ter chegado a estar anunciada para o Festival Nos Alive, em 2020, uma edição que acabaria cancelada devido à pandemia. “Devíamos ter vindo a Portugal”, acaba por dizer, perante o público eufórico, rendido. “Não é um erro que voltarei a cometer. Voltaremos sempre”, prometeu.