André Ventura pegou nas baquetas e, sem ritmo, batia no tambor enquanto cantava: “Qu’a gente vamos bailar/O bailinho da Madeira“. Na fraca atuação musical de julho numa arruada no Funchal, o líder do Chega deixava, de forma involuntária, duas premonições para as regionais: que ia dar um bailinho aos outros partidos mais pequenos e que ia desafinar. Ninguém tem crescido como o Chega na Madeira (as sondagens já apontam três deputados regionais), mas há incoerência sobre o que fazer com a representação parlamentar: se o líder nacional diz que Albuquerque tem de se demitir, o líder regional diz ao Observador que prefere que o atual presidente governe em minoria. Duas diferentes opiniões, num espaço de 20 minutos.
André Ventura chegou à Madeira no domingo e, horas depois, descrevia num tom de satisfação o sonho de uma noite eleitoral: “Já estou a ver aqui: vou ter a melhor noite da minha vida. Vamos dar a maior coça eleitoral de sempre a Miguel Albuquerque”. A sondagem da manhã seguinte deu-lhe meia razão: o Chega aparece como a quarta força, mas PSD e CDS mantinham a maioria absoluta. A sondagem desta terça-feira, da RTP, vai no mesmo sentido.
O Chega tem tido dos crescimentos mais fulgurantes na Madeira. Se nas eleições regionais de 2019 teve apenas 619 votos, nas legislativas de 2022 conseguiu 7.727 votos e passou a ser a quarta força política na ilha (ficou a apenas mil votos do Juntos Pelo Povo).
Ainda assim, as últimas eleições mostraram a implantação que o Chega começa a ganhar, transversal a toda a ilha. O Chega ficou em terceiro lugar e à frente do JPP em 9 dos 11 concelhos da região: Calheta, Ponta do Sol, Ribeira Brava, Câmara de Lobos, Funchal, Santana, São Vicente e Porto Moniz e Porto Santo. E mesmo nos dois concelhos onde o JPP tem mais influência (Santa Cruz e Machico), o Chega ficou em quarto lugar.
A carochinha com quem ninguém quer casar (e com Rio ao barulho)
Já na fase final da geringonça, António Costa trouxe para a política a popular história da carochinha e a famosa pergunta: “Quem quer casar com a carochinha?”. Aplicada à Madeira e ao Chega, a resposta é mais garrettiana: “Ninguém”. O Chega é o único partido que nenhum dos blocos (incluindo o espaço não socialista de PSD, CDS e IL) quer. Mas aquilo que pode relegar o Chega para um espaço mais irrelevante é para Ventura uma medalha.
Numa ação na Ribeira Grande, Ventura diz que “ainda bem que ninguém quer o Chega” porque “todos aqui na região têm estado na mesma lógica” e tenta tirar dividendos da entrevista do candidato socialista Sérgio Gonçalves ao Observador: “Ouvi até o PS a dizer que está disponível a colaborar com a Iniciativa Liberal”. O líder do Chega diz que é “muito positivo porque assim as pessoas ficam com a clareza de saber que há um partido que ninguém quer. Agora o que é preciso saber é se os portugueses querem ou não querem.”
André Ventura vai até buscar o anterior líder do PSD para atacar a linha vermelha que Miguel Albuquerque traçou com o Chega. “Rui Rio andava a dizer: ‘Com o Chega não, com o Chega não’. Eu ainda aqui estou, o Chega ainda aqui está e ele não está.”
O Chega a duas vozes sobre o futuro de Albuquerque
Com o PS em queda nas sondagens e sem a bipolarização que existia com Cafôfo, o Chega, admitem fontes sociais-democratas, é o último obstáculo a que Miguel Albuquerque continue líder do Governo regional. Não há dúvidas que Miguel Albuquerque fica destacado em primeiro lugar, mas o próprio colocou uma pressão adicional: se perder a maioria, demite-se. As sondagens mostram que essa maioria é ainda confortável, mas se o Chega crescer mais do que o previsto e roubar eleitorado diretamente ao PSD, há sempre o risco de uma surpresa eleitoral que dê uma vitória minoritária a Albuquerque.
Mas, afinal, o que é o Chega quer fazer se a direita precisar do partido para governar? É aqui que Ventura e Miguel Castro, o líder regional, divergem. André Ventura é claro: “Miguel Albuquerque disse que, se depender do Chega, vai-se embora. Espero que isso aconteça mesmo”.
Ventura sugere que a saída de Albuquerque pode abrir a oportunidade para “outros governarem”. Ou seja: a que o PSD/Madeira — caso tenha uma vitória minoritária — afaste o atual líder e escolha um representante que não se importe de fazer um acordo com o Chega para governar a região. “Se formos chamados às responsabilidades, cá estaremos para as assumir”, diz Ventura.
Vinte minutos depois destas declarações de André Ventura, o líder regional dizia, também em declarações ao Observador, que não defende exatamente o mesmo. Embora concorde com a parte de que o Chega nunca estaria num Governo com o atual presidente do Governo regional (“teria de ser outro líder do PSD e um PSD muito diferente”), diz que a posição do Chega vai ser “desafiar Miguel Albuquerque a governar com minoria.”
Se Ventura tinha sido claro em indicar a porta da rua a Albuquerque, Miguel Castro explica com as letras todas que a ideia que tem é outra: “As maiorias absolutas servem para o Governo adotar uns certos tiques ditatoriais. Desafiamos já aqui Miguel Albuquerque a, se ganhar as eleições, se for o partido dele o mais votado, a governar com aquilo que os madeirenses lhe confiaram. E não ter de fazer arranjinhos com ninguém. Porque pode-se governar sem maioria.” É um Chega a duas vozes, embora haja uma que fala mais alto.
O candidato Ventura
Nas ruas da Madeira, André Ventura assume a pele de candidato, mesmo que, desta vez, não o seja. Numa arruada na Ribeira Grande, é ele que aborda as pessoas enquanto o candidato-de-facto, Miguel Castro, vai-se escondendo, quase tímido, atrás do líder nacional. O presidente do Chega é bem recebido em todo o lado onde vai na vila. Na praceta há um telheiro onde estão três bandeiras: uma do PS, outra do PSD e outra do CDS. As do Chega juntam-se, mas nas mãos de quem acompanha o líder, que chega próximo de quatro homens que jogam à sueca com cartas do PS.
“Isso é para queimar, que eu depois trago-lhe um baralho do Chega”, brinca Ventura. Os homens acham graça e o presidente do Chega segue caminho. No mercado, mais à frente, houve gritos de uma mulher que parece ter visto uma figura divina e aparenta dificuldades em recuperar do choque: “Ai, ai, ai, não estava à espera”. A estrela, ali, é Ventura. E é estratégico que assim seja.
O candidato do Chega, Miguel Castro, parece não se importar muito com o assunto. “André Ventura é um líder carismático, nós somos um partido novo. Achamos que faz todo o sentido Ventura acompanhar a nossa campanha regional”, diz o líder regional ao Observador. Castro acrescenta ainda que “obviamente que uma figura como André Ventura, que tem o carisma que tem, só enriquece a nossa campanha. Temos muito gosto e muito orgulho em tê-lo aqui”.
Sobre quem são os membros da lista do Chega/Madeira, Miguel Castro faz uma pequena radiografia: “São técnicos superiores da função pública, médicos veterinários, médicos não-veterinários, advogados, no fundo a classe média que trabalha”. Cria assim uma nova especialidade médica, os “não-veterinários”, mas isso pouco importa, porque o Chega, no fim do dia, só tem um rosto conhecido na Madeira. O mesmo do continente: André Ventura, o único líder nacional com a cara nos outdoors da região.