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Mais de três anos para conseguir uma primeira consulta de Oftalmologia, 608 dias para uma consulta de Imunoalergologia, 548 dias para uma consulta de Reumatologia. O Observador fez um raio-x aos tempos de espera para primeiras consultas por especialidade (de prioridade normal) no SNS e revela em que áreas se espera mais — os dados não são animadores.
Fazendo a média do tempo de espera em cada um dos hospitais que fornecem dados para cada uma das especialidades, conclui-se que 16 das 25 principais especialidades (64%) não cumprem o tempo máximo de espera imposto pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Para este artigo, o Observador definiu como principais especialidades aquelas que estão presentes em mais hospitais e a essa lista juntou Oncologia, que embora só exista em 13 instituições, é uma das mais relevantes e críticas.
Atualmente, a primeira consulta de especialidade hospitalar (com prioridade normal) deve ser realizada até 120 dias, ou seja, até quatro meses depois do registo do pedido da consulta feito pelo médico de família, que tem a função de referenciar os doentes para consulta hospitalar. No entanto, na grande maioria das especialidades, esse tempo máximo não é cumprido e existe até um caso em que, em média, a consulta demora mais do dobro do tempo recomendado: Oftalmologia.
Especialidades em que mais se espera por uma primeira consulta no SNS
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- Oftalmologia – 259 dias de espera;
- Imunoalergologia – 216 dias de espera;
- Reumatologia – 212 dias de espera;
- Ortopedia – 204 dias de espera;
- Ginecologia – 203 dias de espera;
- Dermatologia – 203 dias de espera;
- Pneumologia – 200 dias de espera;
- Urologia – 200 dias de espera;
- Neurologia – 195 dias de espera;
- Cardiologia – 191 dias de espera;
- Endocrinologia – 186 dias de espera;
- Otorrinolaringologia – 181 dias de espera;
- Gastroenterologia – 143 dias de espera;
- Hematologia – 137 dias de espera;
- Anestesiologia – 134 dias de espera;
- Psiquiatria – 123 dias de espera.
Um utente, referenciado para uma primeira consulta de Oftalmologia, tem de esperar, em média, 259 dias até ser visto por um especialista, segundo os dados consultados pelo Observador no Portal dos Tempos de Espera do SNS e que se referem ainda ao último trimestre de 2022.
No entanto, esta média esconde valores muito diferentes. No Hospital de Ovar, uma consulta de oftalmologia demora 14 dias a ser realizada, enquanto que no de Portimão os utentes têm de esperar mais de três anos (1135 dias). Também no Hospital de Faro a espera é longa: 781 dias. Ao Observador, a presidente do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve, que integra estes dois hospitais, lamenta a escassez de médicos no CHUA para responder à procura mas garante que, com os recursos disponíveis, não é possível fazer melhor.
Este centro hospitalar tem 11 oftalmologistas para uma população de 550 mil habitantes, a que se soma a população estrangeira a residir na região. “Estes médicos fazem cerca de 1900 consultas por ano e uma média de 32 operações por semana. É humanamente impossível trabalhar mais. Não podemos fazer omeletes sem ovos”, sublinha Ana Varges Gomes, que admite que a lista de espera registou um aumento significativo ao longo do último ano, devido ao retomar da referenciação dos centros de saúde.
Referenciação para consultas de Oftalmologia é excessiva, diz especialista
No entanto, a responsável garante que o CHUA tem feito todos os esforços para recrutar oftalmologistas para a região e adianta que a equipa vai ser reforçada já a partir deste mês de junho com mais quatro médicos, que vão garantir consultas e cirurgias no Hospital de Lagos. Apesar de admitir que a lista de espera para uma primeira consulta é longa, Ana Varges Gomes realça que a “produtividade tem aumentando”, o que, somado ao reforço de médico previsto, deve permitir ao CHUA “resolver a lista de espera dentro de ano e meio a dois anos”.
Inegável é que a distribuição dos oftalmologistas não é uniforme em todo o país. A presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia salienta que “o número rácio de oftalmologistas portugueses está dentro dos padrões recomendados a nível europeu, mas apresenta particularidades na sua distribuição”. Ao Observador, Rita Flores salienta a “escassez relativa no SNS e, a nível global, fora dos grandes centros urbanos”.
Outro problema, diz Rita Flores, é a excessiva referenciação de doentes para os hospitais “muitas vezes, sem critério ou prioridade”. “A referenciação precisa de ser repensada e reformulada, de acordo com a gravidade e complexidade dos cuidados exigidos, criando unidades intermédias menos diferenciadas, para doentes menos complexos”, pede a médica, que trabalha no Hospital de São José, em Lisboa.
A verdade é que o acesso a uma consulta hospitalar é difícil. De entre os 51 hospitais que disponibilizam consultas de Oftalmologia, apenas oito (Ovar, Santa Maria, Cascais, Amadora-Sintra, São João da Madeira, Braga, Santa Maria da Feira e Barcelos) cumprem o tempo máximo de espera para uma consulta de prioridade normal.
No top 3 das especialidades analisadas e que apresentam o maior tempo médio de espera para consulta estão, para além da Oftalmologia, a Imunoalergologia e a Reumatologia. No primeiro caso, em média, uma primeira consulta acontece 216 dias depois da referenciação, um período muito superior aos 120 dias impostos pela ERS. E se há hospitais, principalmente nas zonas de Lisboa e Porto, que conseguem cumprir os tempos de espera recomendados, noutros locais do país o acesso a consultas de Imunoalergologia complica-se.
Acesso a consulta de Imunoalergologia fora dos grandes centros “é difícil”
No Hospital de Chaves, os doentes esperam 608 dias, cinco vezes mais do que o recomendado. Ao Observador, o Centro Hospitalar de Trás os Montes e Alto Douro (CHTMAD), que integra este hospital, refere os tempos de espera que regista se devem “às limitações existentes nesta área médica”. O CHTMAD ressalva que, “de forma a mitigar o impacto no acesso dos doentes à consulta de Imunoalergologia, foi delineado um plano de produção adicional. Desde janeiro, os profissionais têm feito um esforço adicional, fora do seu horário de trabalho, que se tem traduzido numa melhoria significativa dos tempos de espera”.
A presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) reconhece que a acessibilidade dos doentes às consultas fora dos grandes centros urbanos “é difícil” e alerta para a falta de especialistas, sobretudo nas zonas mais periféricas. Ao Observador, Ana Morete realça que “até um quarto da população portuguesa tem alguma forma de doença alérgica”, estando a procura por cuidados nesta área a aumentar de forma significativa.
Prova disso, reforça, é a duplicação dos gastos do SNS em Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica convencionados nesta área. Assim, a presidente da SPAIC pede um reforço do “número de vagas para imunoalergologistas nos hospitais fora dos grandes centros”. No Hospital de Aveiro, onde trabalha, existem apenas duas médicas especialistas para dar resposta a uma população que extravasa a área de influência do hospital.
Se analisarmos o tempo de espera nos 30 hospitais que oferecem consultas nesta área, apenas um terço garante que o atendimento acontece em 120 dias.
Há grandes hospitais sem serviço de Reumatologia
A Reumatologia é outra das especialidades mais críticas — o tempo médio de espera é de 212 dias. Apenas 25, cerca de metade dos hospitais do SNS, garantem uma consulta nesta área. E, tal como no caso da Imunoalergologia, só um terço realizam as consultas pedidas pelos médicos de família no tempo máximo.
Também nesta especialidade, é na região de Trás os Montes que a espera é mais demorada. O Hospital de Vila Real só assegura uma consulta com um especialista 548 dias (cerca de um ano e meio) depois da referenciação.
Ao Observador, o presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, António Vilar, admite que existe dificuldade em responder, principalmente fora das grandes cidades. “Têm aberto vagas mas com condições pouco atrativas. Tem de haver um médico sénior nos hospitais para atrair jovens, se não não se consegue”. Apesar de o número de especialistas até ter vindo a aumentar (ultrapassando os 200 reumatologistas no SNS), a distribuição pelo país é assimétrica, com grandes carências por exemplo no Alentejo. Mas mesmo em áreas densamente povoadas, alguns hospitais não garantem resposta. “Temos o absurdo de grandes hospitais, como o Amadora-Sintra, não terem Reumatologia. O mesmo acontece com o Santo António (no Porto), o hospital de Famalicão e o de Matosinhos”, critica António Vilar, acrescentando que “a procura por cuidados nesta área tem tendência a aumentar porque a população está a envelhecer”.
Para além das três piores classificadas (Oftalmologia, Reumatologia e Imunoalergologia), outras 13 especialidades não cumprem o tempo de espera máximo para uma primeira consulta. São elas, e continuando a ordenar das que exigem mais tempo de espera para as que exigem menos: Ortopedia (média nacional de 204 dias de espera), Ginecologia (203), Dermatologia (também 203), Pneumologia (200), Urologia (também 200), Neurologia (195), Cardiologia (191), Endocrinologia (186), Otorrinolaringologia (181), Gastroenterologia (143), Hematologia (137), Anestesiologia (134) e Psiquiatria (123).
Das analisadas, apenas nove especialidades conseguem, em média, garantir uma consulta em menos de 120 dias: Cirurgia Geral (113), Pediatria (112), Medicina Física e Reabilitação (111), Nefrologia (107), Medicina Interna (95), Imuno-Hemoterapia (64), Doenças Infecciosas (60), Obstetrícia (55) e Oncologia (30).
Regulador apenas concluiu cinco processos de contraordenação até março
Perante a violação dos tempos máximos de resposta para consulta em várias especialidades e hospitais, o Observador questionou a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre o tema, para perceber o que esta entidade tem feito para garantir o cumprimento, por parte dos hospitais, dos tempos máximos. Segundo a ERS, “no âmbito do exercício dos poderes sancionatórios”, esta “instaurou e decidiu até 31.03.2023, cinco processos de contraordenação, por violação de TMRG”.
Um número, ainda assim, pouco significativo tendo em conta que, até março, chegaram ao regulador 679 reclamações relacionadas com este assunto. Segundo os dados enviados ao Observador, percebe-se que o número de reclamações endereçadas à ERS tem vindo a aumentar ao longo dos anos: em 2017 rondavam as 2850, em 2020 aproximaram-se das 4 mil e, em 2021 e 2022, superaram largamente as 5 mil.