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A primeira peça de teatro escrita por José Saramago em 1979 é o mote para a 150.ª criação da companhia de teatro de Viana do Castelo
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A primeira peça de teatro escrita por José Saramago em 1979 é o mote para a 150.ª criação da companhia de teatro de Viana do Castelo

OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

A primeira peça de teatro escrita por José Saramago em 1979 é o mote para a 150.ª criação da companhia de teatro de Viana do Castelo

OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

A noite da revolução, a censura num jornal e um elenco com três gerações. A primeira peça de Saramago sobe ao palco em Viana do Castelo

“A Noite”, primeira peça assinada pelo Nobel da Literatura, estreia-se esta quinta-feira no Teatro Sá de Miranda, em Viana do Castelo, para celebrar o centenário do escritor e os 30 anos da companhia.

Máquinas de escrever, telefones antigos, papéis, canetas e pequenos candeeiros distribuídos em várias mesas de madeira, casacos castanhos pousados em cadeiras e um rádio pequeno cinzento que canta “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso ou “20 anos”, de José Cid. “Queremos ir para a rua, a revolução já está a acontecer”; “Há um golpe militar, mas não sabemos se é de direita ou de esquerda. Não vamos escrever uma linha”; “Se os jornalistas não forem para a rua, vamos nós, os tipógrafos.” Ouve-se entre jornalistas, chefes de redação, elementos da direção e tipógrafos de um jornal português. Uns estão indignados e querem ir para a rua reportar a revolução, outros, presos ao regime, preferem ignorá-la ou desvalorizá-la.

Assim é o cenário de “A Noite”, o novo espetáculo da companhia Teatro do Noroeste — Centro Dramático de Viana, cujo texto é da autoria de José Saramago. “A peça decorre na noite de 24 para 25 de abril de 1974 na redação de um jornal que não é identificado, mas quem pesquisar um bocadinho percebe que Saramago foi redator, e já depois da revolução chegou a diretor adjunto, no Diário de Notícias”, começa por explicar o encenador Ricardo Simões, que nesta criação regressa também ao palco como ator.

Ricardo Simões é ator e encenador, sendo desde setembro de 2015 diretor artístico da companhia Teatro do Noroeste — Centro Dramático de Viana

OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

Esta foi a primeira de cinco obras dramatúrgicas escritas pelo prémio Nobel português, que em 1979 aceitou um desafio proposto pela atriz Luzia Maria Martins, “a primeira pessoa a acreditar que ele seria capaz de escrever teatro”. “Saramago começou por recusar a encomenda, mas depois disse que só escreveria uma peça caso ela acontecesse na redação de um jornal e relatasse a madrugada do dia 25 de abril”, recorda o encenador, destacando a “forma realista” como o autor descreve a revolução a partir de um universo jornalístico.

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“Ele é brilhante, obstinado e metódico na forma como vai ao detalhe na caracterização e na hierarquia das personagens, que refletem também as várias camadas sociais influenciadas pelo regime. Além de tudo o que foi, e podia ter escrito apenas esta peça, Saramago foi também um excelente dramaturgo, este é um texto escrito para atores, o que é extremamente difícil de fazer.”

Ricardo Simões questiona ainda o facto de “A Noite” ter sido escrita apenas cinco anos após o momento histórico. “Há um carácter documental neste texto, ele tem o intuito de mostrar como era a censura e o sentimento antifascista daquela época, tenta construir uma memória e eternizá-la para que o que aconteceu nunca mais se volte a repetir. Cinco anos depois da revolução, talvez não existissem tantos documentos sobre como era ser jornalista antes do 25 de abril, há excertos que refletem sobre a profissão e que nos parecem muito atuais em 2022.”

Em palco, os 12 atores representam várias classes sociais numa época marcada pela ditadura, pela censura e pelo autoritarismo

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12 atores, três gerações e várias perspetivas sobre a revolução

“O que vivi no 25 de abril acho que não consigo explicar por palavras, foi o dia mais feliz da minha vida, quando o tive de explicar ao meu filho fiquei com um nó na garganta”, afirma Mário Moutinho, de 75 anos, que no espetáculo interpreta o diretor do jornal. O ator portuense garante que fazer uma peça escrita por José Saramago sobre a revolução dos cravos “é um desafio com um significado enorme”. “Não podia recusar, é fascinante para um ator interpretar uma das noites mais importantes da nossa história contemporânea, requer muito trabalho de construção de personagem, não é algo ligeiro.”

Com 38 anos de carreira e provas dadas no teatro, no cinema e na televisão, Mário Moutinho não tem dúvidas de que o 25 de abril de 1974 devia ser lembrando “por toda a gente, todos os dias da nossa vida”. “Há muitas tentativas de limpar a memória deste tipo de coisas, é essencial transportar estes valores para o nosso quotidiano, celebrá-los em cima de um palco ou fora dele.”

Ao seu lado, também sentada na boca de cena, está Rafaela Sá, de 22 anos. A atriz que interpreta Cláudia, a estagiária do jornal, não viveu a noite que a peça relata, mas apoderou-se das memórias de colegas como Mário Moutinho para construir a sua personagem. “Foi um desafio grande, principalmente porque não vivi este dia, sei apenas as histórias que os meus familiares me foram contando. Trabalhar este tema com este elenco foi um mês de muita aprendizagem e crescimento, como atriz e como mulher”, partilha ao Observador, não esquecendo a pertinência e a importância do momento histórico que José Saramago eterniza num livro. “Independentemente das datas ou das efemérides, devemos tentar manter vivo esse dia, acreditarmos nesses ideais e lutarmos sempre que foi conquistado por todos nós.”

Com 53 anos de diferença, os atores Rafaela Sá e Mário Moutinho partilharam com o Observador as suas memórias e referências sobre o 25 de Abril

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Também o encenador Ricardo Simões não era nascido quando os militares portugueses ocuparam o Terreiro do Paço, em Lisboa. “Tenho exatamente a idade da peça e o privilégio de a dirigir com pessoas que viveram esse dia e essa noite. Apesar das muitas pesquisas que fiz, há coisas que para mim continuam a ser novidade. Era essencial ter na equipa pessoas que viveram efetivamente o 25 de Abril, isso revelou-se uma partilha muito rica e uma aprendizagem mútua”, garante.

Uma das dificuldades sentidas pelo ator e encenador durante o processo criativo foi ser fiel às descrições de Saramago e selecionar atores com características físicas e idades que correspondessem a cada uma das personagens. “Pela abordagem que fizemos da peça estava obrigado a isso. No elenco encontramos três gerações de atores e tentamos que tudo seja o mais credível possível, mesmo o próprio cenário não é naturalista, mas realista, o público tem de acreditar no que está a acontecer e nas relações entre estas pessoas.”

Adriel Filipe, Alexandre Calçada, Alexandre Martins, Ana Perfeito, Elisabete Pinto, José Escaleira, Mário Moutinho, Nuno J. Loureiro, Philippe Leroux, Rafaela Sá, Ricardo Simões e Tiago Fernandes dão vida uma redação de um jornal diário, protagonizando uma das maiores produções da companhia vianense. “Não somos um teatro público ou uma companhia de teatro nacional, ter 12 intérpretes em palco é, para a nossa escala, uma produção enorme e um esforço significativo.”

A peça adiada e um ano cheio de efemérides e celebrações

“A Noite” é a 150.ª produção da companhia Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana, estrutura artística residente do Teatro Municipal Sá de Miranda, em Viana do Castelo, que planeava levá-la a cena há dois anos, mas a pandemia não deixou. “O espetáculo não irá passar por outras salas, só poderá ser visto aqui, está inserido nas comemorações do centenário do escritor, num protocolo que assinámos com a Fundação José Saramago.”

Em cena é replicada a redação de um jornal na noite da revolução de Abril, naquela que é a primeira obra dramática de José Saramago

OCTAVIO PASSOS/OBSERVADOR

A juntar a esta data redonda, a companhia completa este ano três décadas de existência. “Fazer 30 anos é sempre um motivo de festa, mas há uma felicidade maior em juntar tudo isto em cima do palco”, refere o encenador Ricardo Simões, que nesta criação acumula o papel de encenador e de ator, interpretando Valadares, o chefe de redação do jornal.

A peça estreia-se esta quinta-feira na sala principal do Teatro Municipal Sá de Miranda e permanece até dia 24 de abril. Ao todo serão 11 representações, com vários horários, sendo que no último dia a sessão está marcada excecionalmente para as 23h. “Tal como acontece em cena, queremos passar a meia noite com o público, é mais uma forma simbólica e diferente de recordar e celebrar o 25 de abril.”

Teatro Municipal de Sá Miranda, Rua de Sá de Miranda, Viana do Castelo. O preço dos bilhetes varia entre os 4 e os 10 euros.

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