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Uma cena de um desfile da maison Balenciaga na série onde se pode ver uma suas das criações icónicas, um vestido de noiva de 1967
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Uma cena de um desfile da maison Balenciaga na série onde se pode ver uma suas das criações icónicas, um vestido de noiva de 1967

david herranz

Uma cena de um desfile da maison Balenciaga na série onde se pode ver uma suas das criações icónicas, um vestido de noiva de 1967

david herranz

“A parte importante é a que não se vê, é o interior do vestido”. Os segredos da figurinista de "Cristóbal Balenciaga"

Uma nova série chega esta sexta-feira à Disney+ com convite para ver desfiles, entrar num atelier de Alta Costura e na mente de um génio. A moda é protagonista e a figurinista explica porquê.

Quando a aristocrata espanhola Fabíola de Mora y Aragón ficou noiva do Rei Balduíno da Bélgica sabia que o seu vestido ganhava ainda mais estatuto histórico porque seria também aquele com que se tornaria rainha. A escolha do criador de tal peça reuniu o melhor de dois mundos: Cristóbal Balenciaga era um costureiro espanhol e também mestre da Alta Costura consagrado em Paris. A tarefa foi um dos marcos da sua carreira e não podia faltar na série “Cristóbal Balenciaga”, um conjunto de seis episódios que contam uma história inspirada nos 30 anos que passou em Paris. A produção espanhola, criada por Lourdes Iglesias, chega à plataforma digital Disney+ a 19 de janeiro e a moda, claro, é uma das protagonistas, por isso falámos com Bina Daigeler, da dupla de figuristas da série.

Quando o casamento real aconteceu em Bruxelas em dezembro de 1960, já a imprensa, as clientes e até os outros criadores de moda da época se haviam rendido ao talento de Balenciaga. O processo de confeção do vestido de noiva demorou um mês e meio, foi complexo e envolvido em grande secretismo. As provas eram feitas no apartamento do próprio criador e chegaram à imprensa desenhos com sugestões que quase destruíram o efeito surpresa. A criação contou com 24 metros de seda e aplicações em vison branco num conjunto composto por um vestido e uma capa com seis metros de cauda, porque Balenciaga queria que tivesse um look régio.

Duas imagens do filme onde se vê a réplica do vestido da rainha Fabíola, na primeira com Alberto San Juan, o Balenciaga da série, e na segunda na atriz que interpreta a rainha

david herranz

O vestido de noiva de Fabíola dá o mote a um dos episódios da série e, por isso, Bina Daigeler e Pepo Ruiz Dorado tiveram de reproduzir as icónicas peças. “O processo foi realmente fantástico”, disse a figurinista ao Observador, numa mesa redonda online em que respondeu a perguntas de cinco jornalistas de destinos como Israel, Polónia, Brasil e Países Baixos. “A dificuldade do vestido é que a capa é tão longa e tão pesada que tivemos de fazer uma construção no corpo para que a rainha Fabíola não caísse para trás quando entra na igreja.” Dos moldes em pano cru à prova do vestido, até à peça acabada, a realização da série leva-nos pelo olhar do próprio criador, analisando, neste caso, o trabalho de Bina. “A parte importante é a que não se vê, é o interior do vestido”, explica a figurinista em relação ao look de noiva, mas este é também um dos segredos da magia da Alta Costura: o trabalho manual das costureiras e mestria da construção. “O vestido [de noiva] tinha um corpete no interior para segurar o peso da capa. A parte engraçada é que tínhamos a mesma quantidade de tecido para fazer uma capa com o mesmo comprimento, mas o nosso atelier era muito pequeno, por isso tivemos de fazê-la mais curta para caber no espaço.”

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Recriar este vestido de noiva foi uma tarefa audaciosa, afinal é uma peça bem conhecida. Vale a pena lembrar que este foi o primeiro casamento real transmitido na televisão e que a peça já esteve exposta ao público em diferentes ocasiões. Balenciaga foi um criador estrela da Alta Costura e muitas das suas criações são como obras de arte que ganharam estatuto de celebridade, reproduzidas em livros, expostas em museus e estudadas pelas gerações seguintes. Coube a Bina Daigeler criar réplicas de algumas destas peças, e para tal conta que teve acesso ao arquivo da maison Balenciaga, bem como a algumas peças do criador, como por exemplo os babydoll, no Palais Galliera, o museu da moda de Paris. Contudo, a principal base de apoio visual foram fotografias e desenhos. Chegar às réplicas que vemos na série foi “um grande desafio” e foram necessários vários protótipos para chegar a um resultado que satisfizesse os figurinistas. Daigeler conta que teve uma espécie de arma secreta neste projeto. “Tive muita sorte porque tinha uma pessoa modelista [que faz os moldes das peças de roupa] que aprendeu com pessoas que trabalharam com Balenciaga e, de certa forma, são especialistas em Balenciaga”.

A Alta Costura era, na altura em que o criador espanhol “reinou” o palco maior da moda e, na verdade, também o único. Peças feitas por medida, algumas até com nomes próprios, quase sem olhar a custos. Hoje esta continua a ser a plataforma da moda onde se privilegia a tradição e a exclusividade. Um verdadeiro luxo que, segundo Daigeler, faz peças muito caras porque há um grande investimento na extrema qualidade dos materiais e da mão de obra e também no tempo de dedicação. E, tendo em conta o que se passa no mundo, esses valores podem ser considerados excessivos. “Ter algumas pessoas a gastarem esta quantidade de dinheiro numa peça para se vestirem.” A figurinista destaca a importância de uma arte que dá trabalho a muitas pessoas, um trabalho que dá satisfação a quem o faz e que espera que não se perca. Por outro lado, considera a fast fashion “irracional”, que “todos temos de reduzir o preço da moda” e lamenta que as promessas de mudança feitas na altura da pandemia se tenham desvanecido e tudo tenha voltado ao que era antes.

Recriação de um desfile na maison Balenciaga
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Uma sessão fotográfica com o próprio Balenciaga, na série
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Uma cena da série que mostra a prova de uma peça no atelier
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As modelos nos bastidores de um desfile, numa cena da série
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A personagem central desta história, Cristóbal Balenciaga, nasceu em 1895 em Getaria, no País Basco. O pai era pescador, a mãe era costureira e o filho cedo demonstrou o interesse pela moda. Fez o primeiro vestido aos 12 anos. A sua primeira casa de moda foi em San Sebastian, chamava-se Eisa (diminutivo do apelido da mãe) e abriu em 1917. Depois passou por Madrid e Barcelona e acabou por se instalar em Paris em 1937, com o selo de aprovação da Chambre Syndicale de la Haute Couture, a instituição que regulava a moda francesa da época. Foi no número 10 da Avenue George V que a magia aconteceu ao longo de vários anos. Ficou conhecido como “o arquiteto da moda” porque trabalhava a estrutura da roupa e a costura como arte de construção como nenhum dos seus colegas. A discrição e algum secretismo por parte de Balenciaga contribuíram para o misticismo que se gerou à sua volta. Decidiu fechar a casa com o seu nome em 1968 e viria a morrer quatro anos mais tarde.

Em 1986 a família de Cristóbal Balenciaga vendeu a marca e o património e o nome Balenciaga voltou às etiquetas de moda. Atualmente a marca pertence a um dos grupos gigantes do luxo, o grupo Kering. Nomes sonantes da moda contemporânea como Nicolas Ghesquière, Alexander Wang e Demma Gvasalia interpretaram os valores da maison nos últimos anos, mantendo o nome como um dos mais valorizados do universo da moda. Contudo, é impossível não questionar o que pensaria o próprio Sr. Balenciaga do look que Kim Kardashian usou na Met Gala de 2021, totalmente coberta com tecido preto (incluindo o rosto).

A série não chega tão longe no tempo. É composta por seis episódios, começa quando uma jornalista consegue convencer Balenciaga a dar uma entrevista, já depois de estar aposentado, e o criador vai depois contando a história dos seus anos em Paris. O ator Alberto San Juan dá vida ao mestre costureiro que vemos criar, sofrer e envelhecer, sem nunca perder a sua distinção. O contexto histórico está sempre presente, por exemplo, nas referências à ditadura em Espanha ou à ocupação de Paris pelas tropas nazis, no papel da imprensa na moda ou na iminência do pronto-a-vestir. Para os conhecedores de moda há pequenas surpresas, como por exemplo o “Théâtre de la Mode”, e personagens bem conhecidas como Coco Chanel, Christian Dior, Hubert de Givenchy, Carmel Snow ou a figurinista norte-americana Edith Head.

Esta série tem uma componente de moda tão grande e intensa que quase nos esquecemos que o trabalho da figurinista consiste em vestir todas as personagens que vemos no ecrã. A série inspira-se nas três décadas que o criador espanhol viveu (e criou) em Paris. Começa a contar a história em 1937 e acaba já na década de 1960, por isso o trabalho da figurinista passou também por vestir com os respetivos estilos das épocas as personagens fixas do enredo, como Sr. Balenciaga, e também todos os figurantes que assistiam aos desfiles, que passavam nas ruas, nos restaurantes e em outros cenários. A própria Bina Daigeler conta ao Observador que teve um pequeno papel num dos episódios a interpretar uma cliente norte-americana. Diz que não poderá ficar com nada do guarda-roupa da série, “porque vai tudo para o arquivo da Disney”, mas garante que vai guardar o vestido que usou em frente às câmaras.

Bina Daigeler é alemã e foi no cinema alemão que começou a sua carreira, no entanto vive em Espanha desde a década de 1980 e o facto de ter trabalhado em dois filmes de Pedro Almodóvar (“Tudo sobre a minha mãe”, 1999, e “Voltar”, 2006) dá-lhe certamente o equivalente a uma costela espanhola. Nos anos mais recentes participou em filmes internacionais, como por exemplo “Snowden” (2016); a versão live-action de “Mulan” (2020) deu-lhe a única nomeação para os Óscares e em “Tár” (2022) vestiu a diva Cate Blanchet. Confessa que no início deste projeto “Cristóbal Balenciaga” ficou ansiosa, por causa da responsabilidade. “Queria mesmo replicar e mostrar ao público quanto trabalho há por trás da Alta Costura e queria mostrar o amor que estes designers têm pelas suas criações e o quanto é importante que não se percam agora, no mundo moderno.” Mas diz que assim que mergulha no processo criativo passa a ansiedade em relação ao produto final e começa em relação às questões práticas para pôr o trabalho em marcha, como por exemplo os tecidos. “As minhas emoções criativas são muito maiores do que a ansiedade.”

A figurinista Bina Daigeler e três imagens de making of da série

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A figurinista vê-se “como uma ferramenta para a criatividade num trabalho de equipa”, trabalho que considera ser “um lindo processo” e do qual gosta. “Creio que sou, de certa forma, a ferramenta do realizador para expressar o que ele quer ver e o que ele escreveu no guião e sou também como uma ferramenta para o ator entrar na pele da personalidade que tem de ter para criar uma personagem.” Daigeler vai mais longe e diz que às vezes é até “mais uma psicóloga do que uma designer”.

Embora não se veja como uma artista, Daigeler não hesita em comparar o trabalho de Balenciaga ao de um pintor, por exemplo Picasso, “porque fazia algo realmente único e realmente especial”. E,  tal como um verdadeiro artista, Balenciaga tem o seu próprio museu, com morada na sua terra natal, Getaria. Abriu ao público em 2011 com um arquivo de mais de 1200 peças e a presença da rainha Sofia de Espanha. Entre o espólio está o vestido de noiva da rainha Fabíola, doado em 2003 pela própria. A réplica do vestido de noiva está numa exposição com os vestidos icónicos criados para a série, patente no Jardim Botânico de Madrid até ao próximo dia 21 de janeiro.

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