Não terá sido fácil para a alegre Fabíola chegar aos 31 anos na década de 1960 e ainda não estar casada, ainda por cima uma jovem aristocrata da alta sociedade madrilena. Talvez a sua boa disposição que o sorriso sincero denuncia, ou até a extrema devoção católica, fizeram com que o seu caminho se cruzasse com o de um jovem Rei Balduíno que assumiu o trono da Bélgica aos 21 anos e perante um povo zangado. A Time chamou-lhe Cinderella e a sua nova nação rendeu-se de imediato à sua simpatia.

Fabíola foi rainha consorte durante 33 anos e acarinhada durante os 21 que se seguiram. Depois da morte do marido, em 1993, cedeu o lugar à rainha Paola e depois à rainha Mathilde, mas nunca foi esquecida. Uma vez que Fabíola e Balduíno não tiveram filhos, a rainha viu o trono passar para o cunhado, Alberto II, e em 2013 ainda assistiu à tomada de posse do seu adorado sobrinho Philippe como novo Rei depois da abdicação do pai. Fabíola sempre se destacou por ser ela própria, mesmo quando foi a única a vestir branco no funeral do marido ou quando, na sua definitiva saída de cena, deixou todo o seu funeral planeado. Este domingo, faria 95 anos, e vale a pena recordar a sua história.

Fabíola Fernanda Maria-de-las-Victorias Antonia Adelaida de Mora y Aragón nasceu a 11 de junho de 1928 em Madrid, na casa da família. Fabíola tem ascendência aristocrática e cresceu no seio de um clã profundamente monárquico e católico. Foi uma dos sete filhos de D. Gonzalo Mora Fernandez, Riera del Olmo, conde de Mora, marquês da Casa Riera e de dona Blanca de Aragón y Carrillo de Albornoz, Barroeta-Aldamar y Elio. Tinha três irmãos e três irmãs.

Com a proclamação da Segunda República, em 1931, a família mudou-se para o sul de França e instalou-se na cidade de Lausanne. Regressariam à capital espanhola em 1939 e a casa, mais precisamente ao palácio da família na rua Zurbano, que durante a guerra civil foi a sede das mulheres revolucionárias. Em vez da universidade, Fabíola escolheu aprender a ser enfermeira no hospital San Sebastian, em Madrid, e era uma poliglota, uma vez que, além do seu espanhol nativo, era fluente em francês, neerlandês, inglês, alemão e italiano.

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A jovem aristocrata Fabíola com a sua família

Balduíno, um Rei jovem em busca de pacificar o país e de uma rainha

O príncipe Balduíno nasceu a 7 de setembro de 1930. Tinha já uma irmã mais velha, a princesa Josephine-Charlotte, e o irmão mais novo, o príncipe Alberto e futuro Rei, nasceria em 1934. O pai tornou-se no Rei Leopoldo III em fevereiro de 1934 e, por consequência, o pequeno Balduíno passou a ser o príncipe herdeiro com apenas três anos. A mãe, a rainha Astrid da Suécia, era muito popular, mas morreu num acidente de carro na Suíça em 1935. Leopoldo conduzia o veículo que derrapou na estrada, bateu numa árvore e depois noutra até parar na água do rio. Os ocupantes foram cuspidos do carro e a rainha morreu nos braços do marido. O Rei viria a casar novamente em 1941 com Lilian Baels, que assumiu o título de princesa de Rethy, e tiveram três filhos. No entanto, a Bélgica estaria sem rainha durante 25 anos, até à chegada de Fabíola.

Durante a II Guerra Mundial a Bélgica anunciou uma política de neutralidade, mas viria a ser aliada da França e do Reino Unido. Quando o país foi invadido pelas tropas nazis, em 1940, Leopoldo III, então comandante supremo das forças armadas belgas, rendeu-se contra a vontade do seu governo, decisão que viria a ter repercussões depois da guerra. Em 1944, a família real foi levada para a Alemanha e depois para a Áustria, sendo libertados pelas tropas norte-americanas em maio de 1945. A rendição do Rei valeu-lhe a acusação de violar a constituição e o seu regresso ao país foi questionado e adiado. A Bélgica afundou-se numa crise política que ficou conhecida como “Royal Question”. Chegou a realizar-se um referendo para o povo decidir se o Rei deveria voltar ou não. O regresso dar-se-ia por fim em 1950, mas a reconciliação com os súbditos não foi total, razão para no ano seguinte ter abdicado a favor do filho. Balduíno subiu ao trono aos 21 anos.

Um Rei, a sua Cinderella, a devoção à religião e o vestido Balenciaga

Foi um romance real atípico em muitos momentos. Primeiro, antes de se conhecerem, ambos tinham pensado seguir percursos de vida religiosos. O arcebispo de Malinas (Bruxelas) estaria encarregado de encontrar para o Rei uma noiva tão religiosa como ele e terá sido uma religiosa irlandesa, de seu nome irmã Verónica O’Brien, a juntá-los.

A revista Time contava, em 1960, que Fabíola e Balduíno ter-se-iam conhecido em janeiro desse mesmo ano na Suíça, quando a jovem foi visitar a madrinha e antiga rainha de Espanha Victoria Eugénia, viúva do Rei Alfonso XIII e avó do Rei emérito Juan Carlos I. Os dois voltaram a encontrar-se durante o verão enquanto Fabíola continuou a sua vida em Madrid, onde tinha o seu apartamento e se dedicava ao trabalho humanitário, com uma rotina que incluía idas à igreja e visitas à mãe, que já era viúva desde 1957. A revista Vanity Fair acrescenta a esta versão da história que se poderiam ter conhecido numa festa organizada pela rainha Victoria Eugénia para encontrar marido para a neta Pilar de Borbón e à qual esta foi acompanhada por Fabíola. Contudo, uma outra versão apresentada pela revista conta que foi entre terços e orações no santuário de Lourdes que Fabíola se apaixonou por Balduíno, mesmo tendo este que a deixar para regressar a casa e tratar de assuntos relacionados com a independência do Congo. “É como um sopro de ar fresco, alta, magra, bonita, cheia de vida, inteligência e energia”, terá sido a descrição que a irmã Verónica fez de Fabíola ao arcebispo, citada no meio espanhol.

Os reis eram tão católicos que quando o parlamento belga aprovou a lei que despenalizou o aborto, em abril de 1990, o declarou que não podia assinar tal lei, de acordo com a sua consciência e como católico. Então o governo suspendeu, temporariamente, os seus poderes durante um dia, promulgando a lei quando os reassumiu. Os deputados votariam depois que o Rei estava novamente capacitado para governar, segundo relatou o New York Times na altura. O jornal também deu conta de que a saída do Rei foi vista como aceitável e a imprensa apoiou a decisão.

O anúncio do noivado foi feito em setembro de 1960 e terá apanhado a Bélgica de surpresa e deixado a alta sociedade madrilena com a boca aberta de espanto. O general Franco enviou uma mensagem ao Rei Balduíno a dar os parabéns e a expressar a sua esperança de que o casamento “reforce os já existentes laços tradicionais de amizade e estima que unem os dois países”.

A revista Time chamou-lhe “Cinderella Girl”, o nome do artigo que dedicou à futura rainha dos belgas em setembro de 1960. No texto pode ler-se que “é a rapariga que não conseguia apanhar um homem” porque, aos 32 anos, Fabíola era a única dos sete irmãos que ainda não tinha casado. A revista descreve a jovem aristocrata como tendo sido educada em Paris, falante de várias línguas, boa nadadora e jogadora de ténis.

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O casamento civil entre o Rei Balduíno e Fabíola Mora y Aragón, em 1960

Quando Balduíno se casou com Fabíola, já era Rei dos belgas há nove anos e tinha fama de ser taciturno. O casamento aconteceu a 15 de dezembro de 1960 na Catedral de San Miguel e Santa Gudula, em Bruxelas. A cerimónia foi o primeiro casamento real a ser transmitido em direto na televisão, dentro e fora da Bélgica, e os reis conquistaram o mundo com a sua simpatia e felicidade e viriam a cultivar uma imagem de discrição e contenção.

O vestido de noiva foi uma criação de Cristóbal Balenciaga, o criador espanhol que se tornou uma referência da Alta Costura em Paris e ficou conhecido como o arquiteto da moda. A noiva e o designer tinham uma ligação emocional proveniente dos seus passados. A marquesa de Casa Torres, avó de Fabíola, foi uma influente figura no País Basco, de onde Balenciaga é natural, e a mãe deste trabalhou como costureira para a aristocrata. Cristóbal passou muito tempo da sua infância na casa da marquesa, rodeado de arte, e aos 12 anos ter-se-á oferecido para lhe fazer um vestido. Foi com o seu apoio que o jovem Cristóbal se mudou para Madrid para arrancar com uma promissora carreira na moda. O vestido de noiva terá sido um presente para a neta da sua mecenas. Conta a Vanity Fair que Fabíola terá rejeitado alguns desenhos do criador por considerá-los “demasiado régios”. “Tenha em mente que será usado por uma rainha”, teve ele de a lembrar. O vestido foi feito no atelier de Balenciaga em Madrid, mas o secretismo foi tal que as provas eram feitas em casa do criador — vestido manteve-se uma surpresa até ao dia do casamento.

Balenciaga era um mestre do corte na construção das peças e o vestido em seda branca conta com uma parte de cima com manga comprida e moldada ao corpo, uma saia rodada e uma capa de seis metros toda debruada em pelo branco, incluindo o decote e uma aplicação à volta anca, afinal estavam no pico do inverno. A noiva usou ainda luvas brancas compridas, uma tiara e brincos com pérolas. A rainha doou o vestido ao Museu Balenciaga, em 2003, além de ter estado muito envolvida na criação da instituição. A peça esteve exposta ao público no Museo Thyssen, em Madrid, na exposição “Balenciaga ya la pintura española”, em 2019.

Neste ano de 1960, a concorrência para melhor vestido de noiva da realeza foi feroz, porque também se casou a princesa Margarida de Inglaterra, com um vestido de Norman Hartnell que se tornou icónico pelo seu corte simples e volumetria acentuada.

Uma rainha sem descendência e adorada até ao fim

Fabíola foi a quinta rainha dos belgas numa monarquia que foi fundada em 1830 e dedicou o seu trabalho, especialmente aos jovens, às crianças, às mulheres e à saúde mental. Criou o Queen Fabiola Fund for Mental Health e presidiu à Fundação do Rei Balduíno depois da morte deste e a pedido do próprio.

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O funeral do Rei Balduíno, em 1993

As tentativas dos reis para terem filhos traduziram-se em vários abortos e muita tristeza para Fabíola. O terceiro aconteceu em julho de 1966, três dias depois do Rei anunciar que a rainha estava à espera de bebé. Fabíola tinha 38 anos e uma gravidez extra-uterina obrigou a uma cirurgia de urgência, segundo noticiou o New York Times na altura. Quando os reis perceberam que não seriam pais, focaram-se nos sobrinhos, em especial no príncipe Philippe, que um dia seria Rei.

Fabíola foi rainha consorte da Bélgica durante quase 33 anos. O seu reinado acabou quando o Rei Balduíno morreu em 1993, durante umas férias que passava com a rainha na sua casa Villa Astrid, em Motril (na zona de Granada), Espanha. O funeral do Rei foi um acontecimento de Estado ao qual acudiram as principais cabeças coroadas do mundo, como por exemplo a Rainha Isabel II e o príncipe Filipe, Rainier do Mónaco, Juan Carlos e Sofia de Espanha e também os imperadores do Japão. E numa cerimónia em que toda a gente se vestiu de luto negro, a rainha Fabíola surpreendeu vestida de branco. Como os reis não tinham filhos, a coroa passou para o irmão de Balduíno, Alberto que, por sua vez, em 2013 abdicou do trono para o filho, o atual rei Philippe, de quem Fabíola tanto gostava.

Segundo a BBC, nos últimos anos de vida, a rainha viúva tinha estado envolvida numa polémica sobre a sua mesada anual, por ter sido acusada de fugir ao imposto nacional sobre herança através de uma fundação criada em 2012. A fundação viria a ser dissolvida e o valor que Fabíola ganhava anualmente passou de 1.4 milhões de euros para 900 mil euros. Em testamento deixou todo o seu património pessoal a uma organização sem fins lucrativos para ajudar as pessoas mais desfavorecidas e necessitadas da Bélgica.

Fabíola morreu no Castelo de Stuyvenberg, em Bruxelas, a 5 de dezembro de 2014. A informação foi partilhada com o público através de um comunicado da casa real do Rei Philippe. O corpo da rainha regressou ao palácio que foi a sua casa durante o reinado do marido, o Palácio de Laeken. A Bélgica esteve de luto e a rainha viúva teve um funeral de Estado desenhado pela própria. Pediu que se tocasse Bach, Jacques Brel e a Avé Maria de Haendel, juntou ainda leituras em francês, flamengo, inglês e espanhol e acabou com um coro litúrgico composto por expatriados espanhóis.