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Ken Loach durante a rodagem de "The Old Oak": "tentamos sempre gravar rápido para que ninguém fique aborrecido, a espera pode ser cansativa e a energia perder-se", disse ao público que viu o filme na sessão do LEFFEST
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Ken Loach durante a rodagem de "The Old Oak": "tentamos sempre gravar rápido para que ninguém fique aborrecido, a espera pode ser cansativa e a energia perder-se", disse ao público que viu o filme na sessão do LEFFEST

Ken Loach durante a rodagem de "The Old Oak": "tentamos sempre gravar rápido para que ninguém fique aborrecido, a espera pode ser cansativa e a energia perder-se", disse ao público que viu o filme na sessão do LEFFEST

A última lição de Ken Loach: "O coração de um filme está nas ideias"

"The Old Oak", novo e anunciado último filme do britânico, passou no LEFFEST antes de se estrear esta quinta-feira. À distância, Ken Loach deu uma aula sobre participação cívica, cinema e esperança.

Para o realizador britânico Ken Loach, política e cinema são palavras que vivem na mesma casa. Militante pelas histórias daqueles que diz serem “os que mais sofrem no Reino Unido com as crises e decisões políticas”, dirige ficções que têm tanto de palpável que, em tantas ocasiões, se confundem com o real. Imigração, desemprego e feridas abertas por governos que acusa uma e outra vez são, por excelência, as temáticas prediletas do realizador, dono de uma criatividade ideológica que nunca escondeu.

Nem no início, nem, agora, no sempre duvidoso mas presumível fim de uma carreira que andou à procura da humanidade no meio do desespero. A que passou pelo bullying, a tragédia e uma espécie de redenção em “Os Dois Indomáveis (1969); que filmou a família, a religião e um particular sentido de dever paternal em “Chuva de Pedras” (1993); que mergulhou na oposição Irlanda-Reino Unido em “Brisa de Mudança”; que seria aclamado em 2016 com “Eu, Daniel Blake”.

Aos 87 anos, Loach resolveu fazer mais um filme, aquele que será o último (será mesmo?), uma longa-metragem sobre o que une e distancia uma pequena comunidade britânica de imigrantes sírios. The Old Oak revela-nos uma vila do nordeste de Inglaterra onde a classe operária vive das memórias de uma mina de carvão no centro, a mesma que comunidade que se vê surpreendida pela chegada de um autocarro cheio de famílias sírias, mulheres e filhos/as, no decorrer de 2016. Estreia-se esta quinta-feira nas salas portuguesas, mas antes o cineasta participou numa conversa, via Zoom, no cinema Nimas, em Lisboa, a propósito do festival LEFFEST.

[o trailer oficial de “The Old Oak”:]

O filme explora a relação social protagonizada de seres desfeitos por algo que não controlam mas que tem vindo a transformar vidas ao longo dos tempos. O centro da narrativa está em duas personagens principais: TJ Ballayntine (interpretado por Dave Turner, que já tinha participado em Eu, Daniel Blake, Palma de Ouro em Cannes em 2016), o dono do único pub da vila, e Yara (Ebla Mari), fotógrafa síria que veio ao lado da família com pouco mais do que a roupa que tinha no corpo. Dois atores não profissionais — método aplicado em boa parte da cinematografia de Ken Loach — que transportam The Old Oak para uma narrativa redonda, de lágrima crua mas pronta, a soar a despedida esperançosa de um mundo que, apesar do caos onde se vê envolvido, quer seja na Europa ou noutro lugar qualquer, ainda pode encontrar na solidariedade o caminho para a mudança.

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“Quando as pessoas não têm esperança, não têm confiança de que podem mudar a sociedade ou mesmo as suas vidas. Estão mais vulneráveis à propaganda da extrema direita. Leva à divisão, opressão, ao ataque a imigrantes, aos mais vulneráveis. Quando as pessoas têm esperança, têm confiança de que podem fazer do mundo um lugar”, disse Ken Loach para quem esteve no Cinema Nimas. Imigração, classe trabalhadora, as minas, as greves, tudo matéria cara a Loach, que trabalhou anteriormente em longa-metragem, documentário e na televisão.

"O guião é o centro do filme, isto estava a acontecer. Fizemos o filme seis anos depois dos sírios chegarem ao Reino Unido. Houve hostilidade, sim, mas seis anos depois essa solidariedade já lá estava. Não comiam juntos como se vê no filme, mas ficaram amigos, apoiavam-se. Foi feito um progresso real. Isto não é ficção."

Essa esperança de um homem que agora parece despedir-se da realização, depois de ter levado o seu mais recente filme a vários festivais, incluindo um regresso a Cannes, está em toda a parte de The Old Oak. O confronto entre locais ingleses e imigrantes sírios é hostil no início, com os mais antigos inquilinos do pub a conspirar contra o modo de vida dos que vêm de fora — “este sítio é do nosso povo, é dos da nossa raça” — demonstrando uma xenofobia instintiva, vulnerável a pensamentos e ideologias extremistas, fruto de uma vila abandonada assim que a mina de carvão foi fechada.

As imagens da sala fechada do pub, todas elas sobre uma greve dos anos 80 que deixou marcas entre famílias e amigos da comunidade, mas que mostravam o ato de resistência feito de calor humano, são o paralelismo que Ken Loach encontrou para explorar a hipótese de que é possível chegar ao que acredita ser um “chão comum, livre de ódio” nos dias de hoje. “As pessoas experienciam a força de uma comunidade feita à volta de uma mina de carvão com grande solidariedade, mas assim que a mina é fechada, a confiança diminui, as pessoas foram abandonadas, não há lojas, escolas ou piscinas. Não têm nada. Ficam mais irritadas e amargas, não há esperança. Com a chegada dos sírios, redescobrem a solidariedade”, conta.

"Uma vila com uma mina é um sítio simples. Existe a mina, as casas e nada mais. Quando fecha, não há trabalho, as pessoas vão embora. É uma imagem clara, essa clareza atraiu-nos"

Ainda que The Old Oak atue no campo da ficção, Ken Loach garante que aquilo que vemos no filme tem muito da realidade que o cineasta e o seu parceiro profissional de 30 anos, Paul Laverty, autor do argumento, encontraram durante a pesquisa. “O guião é o centro do filme, isto estava a acontecer. Fizemos o filme seis anos depois dos sírios chegarem ao Reino Unido [ou seja, 2016]. Houve hostilidade, sim, mas seis anos depois essa solidariedade já lá estava. Não comiam juntos como se vê no filme, mas ficaram amigos, apoiavam-se. Foi feito um progresso real. Isto não é ficção.”

A escolha de filmar naquela região inglesa prende-se com uma cultura de classe trabalhadora forte, de muita luta contra a exploração, com identidade particular e dialeto próprio, baseada no aço, na construção de barcos e nas minas de carvão — ou seja, o ambiente predileto de Ken Loach. “A Margaret Thatcher fechou a mina porque o sindicato era muito forte, tentou destruir essas comunidades. Uma vila com uma mina é um sítio simples. Existe a mina, as casas para os mineiros numa zona rural e nada mais. Quando se fecha, não há trabalho, as pessoas vão embora, fecha tudo. É uma imagem clara de uma comunidade abandonada que já foi forte. Essa clareza atraiu-nos.”

"O coração de um filme está nas ideias. A história é simples mas as raízes são profundas. É como uma cenoura, nunca tinha pensado nisto assim. O topo é pequeno, mas há muito mais debaixo da terra."

Apesar de o filme envolver momentos puramente trágicos, Ken Loach quis ver a luz ao fundo do túnel através da solidariedade, numa espécie de último ato antes do baixar do pano, ora ingénuo, ora sábio, que teve eco em algumas das perguntas feitas pelos espectadores presentes no Cinema Nimas. Alguém perguntou ao realizador britânico que conselho teria para os mais novos sobre como devem aplicar a esperança que tanto apregoa num mundo cada vez mais dividido. A resposta parece demasiado simples, como um ensinamento de um avô para um neto: “Participem na luta, se trabalharem com pessoas que sentem a necessidade de mudança, ela vai acontecer. Se tiverem um projeto, se houver entreajuda e se virem a possibilidade de mudança, vocês crescem. As pessoas gostam de estar umas com as outras, gostar de estar juntas por uma causa comum, de ter um motivo para sorrir. Claro que se só estiverem no sofá a ler os jornais, ficam deprimidos. Se te instruíres vais saber que forças estão contra ti, como se organizam, como influenciam a mente. E não falo de se meterem em aventuras, falo de te juntares a pessoas que agem responsavelmente, com imaginação e energia. Aí fazes a tua contribuição. É a única coisa que podes fazer. Vale a pena”, argumentou.

Mas nem tudo foi sobre ser ativo politicamente. Ken Loach destapou um pouco sobre os bastidores deste The Old Oak e da forma de trabalhar que o tem acompanhado na sua longa carreira. Sobre o mais recente filme, confessou que a forma que a equipa encontrou para retirar alguma timidez às famílias sírias que participaram, moradoras daquela região, foi, na verdade, obra do mais puro dos acasos: “Eles nunca tinham entrado no filme, estavam relutantes. Só que, depois de alguns dias de rodagem, perceberam que fazíamos uma paragem para beber chá às 16h00, algo tipicamente inglês. Trouxeram uns bolos deliciosos, foi a melhor parte do dia. Toda a gente adorou. São estes detalhes pequenos que criam amizades”.

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Ken Loach em 1969 e em 2023: "Se tiverem um projeto, se houver entreajuda e se virem a possibilidade de mudança, vocês crescem", disse à plateia do Nimas

Getty Images

São esses bolos que encontramos na primeira cena em que TJ conhece a família de Yara ou a refeição quente que a mãe da protagonista preparou para o dono do pub, depois de um episódio doloroso na narrativa. Uma tragédia que, para surpresa da audiência, não tinha sido anunciada ao ator principal, porque Ken Loach filmou tudo de forma cronológica. “O David [ator em questão neste momento em particular] era agricultor, politicamente ativo quando jovem, mas não agora, também perdeu a esperança. É um homem muito sensível. Quando filmámos essa cena [que não vamos descrever aqui], ele não sabia o que ia acontecer, porque é muito difícil representar a surpresa”, revelou.

Neste realismo militante, o realizador nunca viu diferenças entre dirigir não-atores ou estrelas de Hollywood como Cillian Murphy em Brisa da Mudança (2006). “São todos tratados da mesma forma, a grande decisão é escolher o guião. Que história queremos contar e porquê. E tentamos sempre gravar rápido para que ninguém fique aborrecido, a espera pode ser cansativa e a energia perder-se.” Ninguém sabe se Ken Loach vai, de facto, parar de filmar, ainda que The Old Oak seja assim anunciado. Ao público de Lisboa pediu desculpa pelas lágrimas derramadas e deixou uma analogia improvisada sobre uma cenoura. Sim, uma cenoura. “O coração de um filme está nas ideias. A história é simples mas as raízes são profundas. É como uma cenoura, nunca tinha pensado nisto assim. O topo é pequeno, mas há muito mais debaixo da terra”, finalizou.

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